Ana Margarida da Silva Ferreira

Advogada.


A Responsabilidade Civil Médica em Cirurgia Estética é a recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 07 de Julho 2022.

Consulte a obra neste link.


O recurso às cirurgias com finalidade unicamente estética[1] como modo de alteração e aperfeiçoamento corporal tem vindo a vulgarizar-se. A afluência exponencial que se tem verificado quanto a estes procedimentos tem levantado questões jurídicas, às quais é necessário dar resposta. Assim, a par de toda a atenção que a responsabilidade civil médica tem captado nos últimos anos, também a cirurgia estética, enquanto área específica da atuação médica, tem suscitado diversas dúvidas no seio da comunidade jurídica.

Os problemas que surgem em volta desta área da atuação médica consubstanciam questões que, num primeiro impacto, podem parecer problemas puramente teóricos, mas que na prática dos tribunais marcam toda a diferença para o paciente e para o médico-cirurgião que pretendem fazer valer a sua posição.

Ora, a fase incipiente em que se encontra o desenvolvimento jurídico dos problemas atinentes à cirurgia estética é patente nas decisões dos nossos tribunais superiores – em especial do STJ[2] –, o que torna gritante a necessidade do seu debate.

Desde logo, coloca-se a questão de saber se o médico-cirurgião, numa cirurgia estritamente estética, se obriga a utilizar todos os meios existentes e adequados a satisfazer a pretensão do paciente ou, pelo contrário, se se obriga a atingir o resultado por aquele pretendido. De outro modo, é necessário perceber se a obrigação assumida pelo médico-cirurgião se consubstancia numa obrigação de meios ou numa obrigação de resultado. Esta questão constituiu o ponto principal da nossa obra intitulada “A Responsabilidade Civil Médica em Cirurgia Estética”, e cuja resposta influencia toda a análise subsequente de uma possível responsabilização do cirurgião por falhas médicas invocadas pelo paciente.

Esta não se trata de uma questão linear ou com uma resposta evidente, já que, como diz Carla Gonçalves[3] na sua obra relativa à responsabilidade médica, enquanto em alguns domínios da medicina é bastante que o médico faça tudo o que esteja ao seu alcance para ir de encontro às pretensões do paciente, noutros revela-se necessária a produção de um resultado em si. É com base nesta ideia que analisamos a natureza da obrigação do médico-cirurgião em cirurgia estética, procurando saber se a prestação a que o mesmo se obriga é o resultado ou são os meios.

Quanto a isto, entendemos que a categorização da obrigação do cirurgião plástico como sendo uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado resultará em grande medida da complexidade da intervenção concreta, por um lado, e da informação prestada ao paciente, por outro lado. Assim é porque, não obstante admitamos que a cirurgia estética globalmente considerada tende a aproximar-se de uma obrigação de resultado, o certo é que existirão determinadas cirurgias estéticas em que, pela sua maior complexidade, o carácter aleatório a elas associado será maior, razão pela qual não é exigível ao médico que se comprometa em absoluto a alcançar o resultado pretendido pelo paciente.

Paralelamente, também a forma como é prestada a informação ao paciente desempenha aqui um papel decisivo, pois será diferente a situação do médico que explica ao paciente a complexidade da intervenção e o seu alto nível de aleatoriedade, expondo os métodos possíveis e ao dispor para tentar alcançar o resultado pretendido, da situação do médico que faz passar ao paciente uma convicção de obtenção do resultado, nada referindo acerca da complexidade e carácter aleatório da intervenção, incutindo mesmo no paciente uma ideia de quase certeza do sucesso da cirurgia.

Nestes termos, podemos quanto a isto concluir que, em nosso entender, embora num primeiro momento se deva partir da provável natureza do ato médico abstratamente considerado, a categorização da obrigação do cirurgião plástico deve ser aferida casuisticamente. Nomeadamente, tendo em conta a complexidade da intervenção cirúrgica e a informação prestada ao paciente, no sentido de poder o médico vincular-se à obtenção do resultado mediante o modo como coloca a situação perante o paciente.

Em todo o caso, e não obstante ser esta a questão central da nossa obra, o culminar de toda a investigação foi o de perceber em que termos o médico se obriga à prestação do serviço acordado e, não sendo cumprida a obrigação com que se compromete, isto é, havendo falha médica, quais são as implicações que daí advêm, em termos da sua responsabilização e compensação do paciente lesado.

Isto porque não podemos esquecer-nos que as situações de responsabilidade médica exigem um grande cuidado no que concerne ao equilíbrio dos interesses existentes de ambos os lados. Se é compreensível que os danos sofridos pelos pacientes não merecem ser desconsiderados, é também compreensível que não podemos onerar os médicos de forma excessiva. Correríamos com isto o risco de surgir desinteresse pelo exercício destas profissões, dada a falta de segurança e apreensão com que os profissionais de saúde desenvolveriam a sua atividade.

Assim, em “A Responsabilidade Civil do Médico em Cirurgia Estética”, procedemos a uma análise dos requisitos da responsabilidade civil, tal como se encontram nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, com referência concreta à responsabilidade médica e, mais especificamente, à cirurgia estética. Tendo por base, é claro, as conclusões obtidas quanto às problemáticas suscitadas ao longo de toda a investigação, como as referenciadas neste artigo atinentes à natureza da obrigação do médico, ou mesmo as do consentimento livre e esclarecido do paciente.

Adicionalmente, e previamente à análise da questão especifica da cirurgia estética, pareceu-nos também importante proceder à análise de algumas questões transversais a toda a temática da responsabilidade civil médica (como seja o problema do concurso de responsabilidades, por exemplo), cujo tratamento nos parece que pode ter grande relevo para os juristas quando confrontados com problemas relacionado com a responsabilidade civil médica.


[1] Por oposição às cirurgias estéticas com finalidade reparatória, às quais tem sido dado outro tratamento pela doutrina.

[2] Como se pode verificar pelo seu Acórdão de 17 de dezembro de 2009, relatado por Pires da Rosa.

[3] Gonçalves, Carla – A responsabilidade médica objetiva. In Oliveira, Guilherme de (coord.) – Responsabilidade Civil dos Médicos. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. ISBN 972-32-1369-9. Vol. 11. P. 363.