Luís Menezes Leitão

Professor Catedrático da Universidade de Lisboa e da Universidade Autónoma de Lisboa, onde tem lecionado disciplinas de Direito Civil – Direito das Obrigações e Direito dos Contratos – Direito do Trabalho e Direito da Sociedade da Informação.

Advogado e Jurisconsulto. Bastonário da Ordem dos Advogados.


Em comemoração do Dia do Advogado 2022.


A Advocacia portuguesa passou por uma fase extremamente complexa durante a pandemia Covid-19, a qual não apenas dificultou imenso o trabalho de muitos advogados, como também tem vindo até a pôr em causa os direitos e prerrogativas que lhes são garantidos por lei.

Muitos serviços públicos praticamente deixaram de funcionar durante a pandemia e o atendimento aos mesmos apenas se conseguia fazer por marcação telefónica, na qual não era respeitada a preferência no atendimento que é reconhecida aos advogados pelo art. 79º, nº2, do EOA. Tal representou uma clara violação da lei, que deveria ter sido impedida com a criação pelos serviços públicos de linhas próprias para atendimento aos advogados, onde a sua preferência no atendimento fosse respeitada.

Ao mesmo tempo, verificou-se que inúmeros tribunais não tinham condições para garantir o distanciamento adequado, o que levou à deslocação dos julgamentos para auditórios e salas de espectáculos, as quais não permitiam as adequadas condições de trabalho aos advogados. Na verdade, conforme exige o art. 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados, os advogados têm que ter uma bancada própria onde possam trabalhar, não sendo por isso aceitável que sejam colocados na plateia de uma sala, sem o tratamento compatível com a dignidade da sua profissão.

Finalmente, o Estado recusou-se a conceder aos advogados os mesmos benefícios que concedeu aos restantes trabalhadores independentes, o que constituiu uma discriminação inaceitável em face dos restantes cidadãos, deixando-os sozinhos perante uma adversidade totalmente inesperada.

Apesar de todas as estas enormes dificuldades, os Advogados foram os únicos que protegeram corajosamente os direitos fundamentais dos cidadãos neste período de pandemia, reagindo nos tribunais contra as medidas do Governo lesivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Essa sua actuação foi julgada procedente pelo Tribunal Constitucional que sistematicamente declarou inconstitucionais estas medidas do Governo, como ocorreu nos acórdãos 729/2020, 673/2021, 88/2022, 89/2022 e 90/2022. Quando todas as entidades a quem competia fiscalizar a constitucionalidade das normas omitiram essa fiscalização, foram apenas os Advogados portugueses que corajosamente recorreram aos Tribunais em defesa da nossa Constituição.

Se os Advogados têm motivo para estar orgulhosos pela sua actuação durante a pandemia, há no entanto novos desafios que terão que encarar no futuro próximo.

Em primeiro lugar, espera-se uma avalanche de processos judiciais, em virtude de a pandemia ter adiado várias acções e causado outras, o que poderá conduzir a muitas dificuldades de resposta dos Tribunais. Os Advogados terão assim não só que assegurar a condução desses processos, como também que procurar obter uma forma adequada de composição dos litígios, na defesa dos interesses dos seus constituintes.

Ao mesmo tempo, a pandemia levou à necessidade de aumentar a comunicação à distância, o que obriga a novas formas de contacto com os clientes e entre os próprios Advogados. Os Advogados terão que estar preparados para essa nova realidade, até porque há sempre a possibilidade de voltarem a surgir novos confinamentos.

Finalmente, há que responder positivamente às iniciativas de reforçar a digitalização na área da justiça, levando a que os escritórios estejam igualmente adaptados às modificações tecnológicas, o que implica um esforço dos Advogados nesse sentido.

São assim inúmeros os desafios que se colocam à Advocacia portuguesa nestes tempos de pandemia, mas a Ordem dos Advogados tudo fará para que a mesma saia desta crise mais fortalecida e com todas as condições para exercer a sua nobre tarefa de defesa dos direitos dos cidadãos.

Luís Menezes Leitão
Bastonário da Ordem dos Advogados