Constança Torcato Reis

Licenciada em Ciência Política e
Relações Internacionais (Universidade Nova de Lisboa). Mestre em Direito International e Europeu, (Universidade
Nova de Lisboa).


A secção Novos Talentos do Observatório Almedina é dedicada à divulgação de artigos de jovens talentos do mundo jurídico. O presente artigo foi baseado na tese preparada pela autora no âmbito do Mestrado em Direito International e Europeu, (Universidade Nova de Lisboa). Tese disponível neste link.


Introdução

A doutrina da Responsabilidade de Proteger (R2P) surgiu com o propósito de dar resposta a violações graves e sistemáticas de direitos humanos, ao criar um mecanismo legal que concede permissão à comunidade internacional para agir quando vidas civis estão em risco de genocídio, limpeza étnica, crimes contra a humanidade ou crimes de guerra.

O principal argumento defendido neste artigo é que, uma vez que uma Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas seja aprovada, autorizando uma intervenção armada, a responsabilidade de reconstruir deve ser encarada com a mesma seriedade que a operação militar. Isto é, o compromisso de intervir e pôr termo ao sofrimento de uma determinada população deve também considerar o ambiente pós-intervenção, sendo frequentemente caracterizado como um período de elevada instabilidade e insegurança, existindo então a necessidade de fornecer assistência através de operações de construção e manutenção da paz.

O artigo será dividido em duas partes. A primeira parte consiste na abordagem teórica que fornecerá uma visão geral da doutrina R2P, particularmente as suas origens, os moldes em que é aplicada e os seus principais desafios. A segunda, relativa ao estudo de caso, irá expor as consequências de a responsabilidade de reconstruir ter sido ignorada na Líbia. O caos instalado neste país, 10 anos depois da revolução e consequente intervenção militar, deverá servir para provar o grave impacto de negligenciar uma das responsabilidades específicas da doutrina.

Para concluir, será ainda proposta uma solução para tentar garantir a correta aplicação da R2P, considerando que a abordagem atual apresenta várias falhas, desde a seletividade dos casos em que existe algum tipo de intervenção, casos que são inteiramente ignorados e casos em que a responsabilidade de reconstruir é empregue com o propósito final de mudança de regime.

A Doutrina R2P

A doutrina R2P pode ser vista como uma ferramenta para tentar impedir a perpetração de crimes de atrocidade em massa, nomeadamente genocídio, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e crimes de guerra, ou para reagir face à sua ocorrência. O princípio baseia-se na suposição de que, de acordo com o direito internacional moderno, a soberania de cada Estado implica a responsabilidade de garantir a proteção da sua população[1].

Em dezembro de 2001, a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado publicou um relatório sobre a R2P argumentando que a soberania de cada Estado não fornece apenas direitos mas responsabilidades também. O objetivo foi tentar criar um consenso, dentro da comunidade internacional, de que a ocorrência de violações graves e sistemáticas de direitos humanos representa uma obrigação de intervenção, ainda que não necessariamente pela via militar, não como um direito de intervir mas como uma responsabilidade de o fazer, de modo a proteger as populações ameaçadas[2]. A doutrina pretendia mudar o comportamento da comunidade internacional, de forma a assegurar que situações hediondas em que enormes atrocidades foram cometidas, tais como o genocídio do Rwanda, do Camboja e Srebrenica, não se repetiriam novamente[3].

Para o efeito, a ONU institucionalizou, na Cimeira Mundial de 2005, a doutrina R2P, embora que de um modo mais conservador e menos abrangente, restringindo consideravelmente os crimes e mecanismos de ação previstos no relatório de 2001. O documento final da Cimeira estabeleceu que os crimes abrangidos seriam apenas genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, em vez de violações graves e sistemáticas de direitos humanos no geral; e indicou o Conselho de Segurança da ONU como único organismo com legitimidade para autorizar uma intervenção, seja esta de cariz pacífico ou militar[4]. Tal consiste num dos maiores desafios enfrentados pela doutrina R2P que ficou dependente dos interesses e vontades dos cinco membros permanentes do CSNU, Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França. Deste modo, uma intervenção apenas é autorizada se os cinco membros concordarem, abstendo-se de usar o poder de veto, o que cria um enorme constrangimento na aplicação da doutrina relativamente aos casos em que seria necessária ou até mesmo urgente. O que se verifica é uma seletividade dos casos em que há algum tipo de intervenção, por norma de acordo com os interesses dos membros permanentes, e a total negligência de outros casos, que pode ocorrer simplesmente devido a interesses conflituantes entre os mesmos membros. Sendo confrontados com os mais graves crimes de atrocidade, passividade e inércia política não pode ser uma opção mas, tendo em consideração que tende a ser o que mais frequentemente acontece, um outro modo de assegurar a correta aplicação da doutrina deve ser procurado.

A doutrina assenta em três pilares de responsabilidade. O primeiro estabelece que cada Estado tem a responsabilidade de garantir a proteção da sua própria população de graves e sistemáticas violações de direitos humanos, cometidos tanto pelo próprio Estado como por grupos da sociedade[5]. O segundo estabelece a responsabilidade internacional de providenciar assistência aos Estados para que cumpram tais obrigações. Este apoio ocorre em circunstâncias em que o Estado, no qual crimes de atrocidade em massa estão a ser perpetrados, pode não ter capacidade de fornecer a proteção necessária[6]; ou pode ocorrer em situações em que o Estado não está disposto a conceder essa mesma proteção. O terceiro pilar envolve então medidas coercivas, aplicáveis em circunstâncias em que o Estado está notavelmente a falhar em proteger a sua própria população. Nestas situações, está estabelecido que a comunidade internacional deve tomar uma ação adequada, de acordo com a Carta das Nações Unidas, de modo a evitar a continuação da perpetração de atrocidades em massa. Estas medidas vão de sanções económicas, pressão diplomática, ameaças de prossecução criminal e, apenas como medida de última instância, intervenção armada[7].

A doutrina inclui ainda três responsabilidades específicas: a responsabilidade de prevenir, a responsabilidade de reagir e, o foco deste artigo, a responsabilidade de reconstruir.

A primeira tem como objetivo abordar e diagnosticar as causas de um determinado conflito, numa fase inicial, podendo implicar a adoção de medidas específicas que visem o alívio de tensões[8]. Esta pode ser considerada a responsabilidade mais abstrata, considerando que a prevenção pressupõe conhecimento relativamente à iminência de um determinado evento. Ademais, a responsabilidade principal de providenciar proteção à população pertence ao próprio Estado, o que consequentemente implica o desempenho de apenas um pequeno papel por parte da comunidade internacional na prevenção de um conflito.

A responsabilidade de reagir apenas deve ser executada quando todas as medidas preventivas tenham falhado e não prevê uma intervenção armada imediata[9]. Antes de uma operação militar ser considerada deve-se confirmar que o Estado em questão não tem meios ou se recusa a pôr termo à perpetração de crimes de atrocidade em massa. Deste modo, como medida de último recurso e em conformidade com uma autorização do CSNU, a intervenção militar é permitida. Este tipo de intervenções, executadas com propósitos humanitários, devem ser decididas com tanta imparcialidade e neutralidade quanto possível[10], algo que tende a ser extremamente difícil devido aos interesses egoístas dos Estados, que será, em última análise, a razão pela qual decidem ou não intervir numa determinada situação.

A responsabilidade de reconstruir é concretizada após uma intervenção armada ter sido levada a cabo. Este processo implica o estabelecimento de operações de construção e manutenção da paz e assistência total em recuperação, reconciliação e reconstrução. Tem como objetivos alcançar a reconciliação entre os grupos envolvidos no conflito, a reconstrução das infra estruturas estatais mais importantes, tais como as instituições governamentais, judiciais e de justiça, e a construção de uma paz duradoura[11]. A comunidade internacional, ou os países responsáveis pela intervenção, devem assumir a responsabilidade da operação de reconstrução, em colaboração com a população local, tendo em conta que, na maioria dos casos, o Estado, no qual o conflito ocorreu, não tem capacidade nem meios para participar no processo de reconstrução[12]. No entanto, este tipo de operações devem ser concretizadas sem tentativas de impor um novo regime político ou económico, sendo que quaisquer mudanças deste cariz devem refletir apenas a vontade nacional. O objetivo deve ser, exclusivamente, contribuir para a reconstrução das instituições públicas, restaurar e relançar a economia e promover a reconciliação[13].

Um ponto-chave neste processo, que tem a capacidade de determinar o sucesso ou fracasso do mesmo, é o nível de participação da população nacional. Esta deve ser incluída e consultada ao longo dos vários processos, tais como nos acordos de paz, na escolha de um novo regime, na elaboração de uma nova constituição e na implementação de todos estes. Esta inclusão tende a diminuir bastante a possibilidade de prolongamento ou retorno do conflito, e contribui para resultados mais sustentáveis e legítimos a longo-prazo[14]. Se no período pós-conflito as decisões forem tomadas apenas por intervenientes estrangeiros tenderão a ser vistas como imposições que não reflectem nem as vontades nem os desejos da comunidade nacional. A participação da população local nas operações de reconstrução é ainda extremamente importante para que as forças intervenientes possam planear a sua estratégia de saída do país, transferindo progressivamente a responsabilidade pelos vários processos de reconstrução para a população. Esta saída deve ocorrer quando o Estado em questão estiver num caminho rumo a estabilidade política e económica, reconciliação nacional, designadamente entre as partes conflituosas, e uma paz sustentável.

Em suma, a responsabilidade de reconstruir é a que completa o propósito de uma intervenção militar e a que a acaba por legitimar. Se for ignorada, a responsabilidade de reagir acaba por perder a sua utilidade visto que, sem uma operação deste cariz, o caos que se tende a instalar propicia a emergência de novas ameaças securitárias que, por sua vez, aumentam as probabilidades de haver um novo conflito e de ser necessária uma segunda intervenção.

Deste modo, uma intervenção militar deve prever, desde o início, operações de reconstrução. Caso contrário, os objetivos da intervenção, tais como evitar a continuação da perpetração de atrocidades em massa e de violações graves dos direitos humanos, dificilmente serão cumpridos. Tal como o relatório da Comissão Internacional sobre a Intervenção e Soberania do Estado afirma “if military intervention is to be contemplated, the need for a post-intervention strategy is also of paramount importance”[15].

Caso da Líbia

A Líbia foi o primeiro Estado a ser alvo de uma intervenção militar, no âmbito da aplicação da R2P, contra a vontade do governo em funções. Esta intervenção teve lugar no seguimento de uma enorme onda de protestos populares, anti-governamentais e pró-democracia, em vários países do Médio Oriente e Norte de África, conhecidos como a Primavera Árabe. Na Líbia, os protestos rapidamente levaram a uma guerra civil entre os revoltosos e as forças de segurança do governante Muammar al-Gaddafi.

A crescente pressão internacional para a retirada de Gaddafi do governo, devido à repressão das manifestações e supostas violações de direitos humanos, levou à adopção unânime da Resolução 1970 pelo Conselho de Segurança da ONU, em Fevereiro de 2011, que exigiu o fim da violência e estabeleceu sanções contra o regime líbio, tais como a imposição de um embargo de armas, proibição de viajar a altos membros do Estado líbio e congelamento dos bens familiares de Gaddafi[16]. O caso foi ainda remetido para o Tribunal Penal Internacional concedendo-lhe jurisdição sobre o caso, nos termos da Resolução adoptada ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

O aumento da violência e a ameaça de um possível massacre em Benghazi, levou então ao início da intervenção internacional em Março de 2011, ao abrigo da Resolução 1973 do CSNU[17], que estabeleceu uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, sob o comando militar dos EUA, Reino Unido, França e OTAN[18], e apelava à proteção de civis, por todos os meios necessários. No decorrer da intervenção, rapidamente se tornou claro que a prioridade era remover Gaddafi do poder e não proteger a população civil, considerando que a OTAN e as forças da coligação apoiaram e forneceram armas e munições aos combatentes rebeldes, estando em violação das Resoluções 1970 e 1973 do CSNU, que estabeleciam um embargo de armas a todo o país[19]. A proteção e apoio fornecido permitiu o avanço das forças rebeldes, concedendo-lhes uma vantagem decisiva na guerra civil, deixando as forças do governo com uma capacidade limitada para se protegerem e contra-atacarem.

A correta aplicação da R2P não deve prever, em momento algum, a imposição de uma mudança de regime e ainda menos deve constituir o principal objetivo de uma intervenção humanitária. Neste caso, aparentemente, as forças da coligação internacional teriam alcançado os objetivos do mandato rapidamente, contudo a intervenção prolongou-se durante vários meses, terminado apenas, em Outubro de 2011, com a captura e assassinato, por parte dos rebeldes, do governante Muammar al-Gaddafi. Assim sendo, a operação militar acabou por prolongar a duração do conflito e, consequentemente, aumentar o número de fatalidades, considerando que no início da intervenção as forças de Gaddafi já tinham retomado controlo da maior parte do país[20].

Deste modo, a aplicação da R2P na Líbia foi alvo de várias críticas, derivadas da falta de credibilidade das suas motivações humanitárias e devido ao vazio de poder que criou, deixando o país sem uma autoridade governante legítima capaz de exercer controle sobre o território líbio. A Líbia acabou por se tornar num Estado falhado[21], caracterizado por uma contínua instabilidade, insegurança e violência, e sem uma visão coesa para o futuro. Até recentemente, existiam dois organismos diferentes que afirmavam ser a única autoridade legítima do país, cada um apoiado por diferentes potências estrangeiras e diferentes milícias e grupos armados. De um lado, o Governo de Acordo Nacional em Trípoli, apoiado pela ONU e, do outro, a Câmara de Representantes em Tobruk, aliada ao Exército Nacional da Líbia, liderado pelo General Khalifa Haftar[22].

A falta de preparação para as consequências derivadas do derrube de Gaddafi e a subsequente falta de envolvimento, por parte das forças intervenientes, no período pós-intervenção, podem ser apontadas como as maiores causas para o mau resultado da intervenção. Esta acabou por produzir graves consequências sendo a maior delas o desencadear de uma nova guerra civil, em Abril de 2019, devido à ofensiva lançada pelo General Haftar, que tinha como objectivo tomar controlo da capital.

Passados 18 meses de conflito interno, com forte interferência de potências estrangeiras, a 23 de outubro de 2020, foi assinado um cessar-fogo permanente entre as facções beligerantes. Este estabeleceu que todas as unidades militares e grupos armados devem recuar das linhas da frente, incluindo todos os mercenários estrangeiros que se devem retirar do país, a unificação das forças militares líbias, através de um processo de reintegração de combatentes nas instituições estatais, e a realização de eleições presidenciais e parlamentares em dezembro de 2021.[23]

Para concretizar estes objetivos, foi formado, em março de 2021, um governo provisório em Tripoli, o Governo de Unidade Nacional, que substitui o Governo de Acordo Nacional e deverá guiar o país até às eleições de dezembro. Este governo é liderado por Abdul Hamid Dbeibah, que tem enfrentado vários desafios na concretização das referidas metas.

Para começar, Dbeibah tem-se debatido com enormes dificuldades em unificar as instituições estatais, incluindo a integração dos grupos armados nas forças militares nacionais, o que se deve, em grande parte, ao elevado défice de confiança entre os atores-chave da Líbia. Esta dificuldade pode ainda ser atribuída à vastidão do território líbio e às diferenças entre as suas três regiões[24], requerendo que o processo de unificação seja sustentado pelo contínuo diálogo político e pela análise das necessidades da população em cada uma das diferentes regiões.

Ademais, a preparação para as eleições de dezembro de 2021 tem sido bastante desafiante devido às divisões que persistem entre o governo  provisório de Tripoli e a Câmara de Representantes, dificultando o alcance de consenso quanto à base legal a adotar para realizar as eleições. Outros obstáculos, de cariz mais técnico, tais como as dificuldades em registar eleitores, garantir a segurança dos locais de votação e a inexistência de um sistema centralizado para supervisionar as eleições, levantam questões pertinentes relativas à capacidade de realizar eleições pacíficas, legítimas e verdadeiramente inclusivas. É ainda possível que o período pós-eleições seja particularmente desafiante, caso as autoridades atuais se recusem a aceitar os resultados das mesmas; ou na eventualidade de as tropas estrangeiras ou os grupos armados presentes na Líbia reagirem adversamente aos resultados observados, recordando que ainda permanecem cerca de 20,000 mercenários estrangeiros no país, desde abril de 2019, apesar do cessar-fogo ter estabelecido que os mesmos se deveriam retirar até janeiro de 2021.[25]

Para dificultar mais o processo, a Câmara de Representantes continua a atrasar a ratificação de uma lei eleitoral e recentemente retirou o voto de confiança no governo provisório, marcando o retorno das divisões políticas no país[26]. Este retrocesso, além de acentuar as persistentes divisões no país, prejudica os esforços feitos no sentido de alcançar paz e reconciliação nacional. Passados 10 anos do derrube de Gaddafi, a Líbia continua a atravessar períodos de elevada instabilidade, com perspectivas pouco promissoras de concretizar os objetivos pretendidos.

Conclusão

As intervenções humanitárias que têm como propósito providenciar proteção a populações ameaçadas, particularmente quando tal ocorre contra a vontade do governo em funções, devem ser bem planeadas e não devem negligenciar nenhuma das dimensões ou responsabilidades específicas da R2P. É compreensível que potências estrangeiras não queiram comprometer os seus recursos na reconstrução de um Estado que não é o seu, no entanto, não estando dispostos a apoiar o processo de reconstrução, não deveriam ser autorizados a levar a cabo uma operação militar num país soberano. Isto é, o mandato fornecido deveria autorizar não apenas a intervenção mas também estabelecer as responsabilidades a ter em conta no período que a sucede. De outro modo as referidas responsabilidades continuarão a ser facilmente ignoradas.

No caso da Líbia, os líderes da intervenção foram 3 dos 5 membros permanentes do CSNU. Como foi apresentado neste artigo, estes excederam os objetivos do mandato de proteger vidas civis em risco, dando-lhe o novo propósito de derrubar Gaddafi, argumentando que removê-lo do poder era essencial para terminar a intervenção[27] e assegurar que a população líbia não seria hostilizada pelas forças governamentais. Se a proteção da população civil fosse efetivamente o principal objetivo, os líderes da intervenção teriam-se imediatamente comprometido com a reconstrução do país, ao invés de o deixar no caos que perdura passados 10 anos.

Deste modo, o facto de uma intervenção humanitária ser apenas legal se autorizada pelos 5 membros permanentes do CSNU, torna-se o maior obstáculo à correta aplicação da doutrina. A decisão de intervir ou não baseia-se, maioritariamente, nos interesses egoístas destes membros e, perante situações em que se verificam graves violações dos direitos humanos, estes mesmos interesses não deveriam desempenhar qualquer papel.

Uma solução, com boas probabilidades de ser bem sucedida, seria fornecer mais autonomia às organizações regionais, para que estas tivessem algum poder de decidir quando intervir ou não, e através de que meios. Os actores regionais possuem, sem qualquer dúvida, um maior conhecimento e melhor compreensão do contexto e tensões regionais, pelo que esta autonomia poderia trazer benefícios substanciais às intervenções humanitárias realizadas, considerando que estes actores estariam melhor equipados para decidir que curso de acção tomar perante situações de crise em países vizinhos.

            Uma organização regional estaria ainda mais consciente da importância da resolução de uma determinada crise e mais motivada para procurar uma solução adequada, uma vez que, ao partilharem a mesma região do mundo, o agravamento de uma certa crise poderia afetar gravemente toda a região e desestabilizá-la. Neste contexto, até mesmo os interesses egoístas dos actores responsáveis pelo processo de tomada de decisões, não seriam um obstáculo à correta aplicação da R2P devido aos interesses regionais comuns, dando prioridade à estabilização da região através de uma intervenção adequada.

As soluções implementadas além de mais apropriadas, devido ao maior conhecimento sobre uma determinada região e população, restringiriam ainda interferências estrangeiras nos assuntos internos de uma determinada região, algo certamente desejado por várias regiões do mundo. Do mesmo modo que soluções ocidentais tendem a ser melhor sucedidas no Ocidente do que em qualquer outra parte do mundo, soluções africanas para problemas africanos[28] tendem a ser mais prósperas em países africanos também.

Bibliografia

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[1] (Brito, 2017, p. 12)

[2] (Brito, 2017, p. 15)

[3] (Evans, 2015)

[4] (United Nations General Assembly, 2005, p. 30)

[5] (Evans, 2013)

[6] (Evans, 2013)

[7] (Ki-moon, 2009, pp. 22-27)

[8] (Brito, 2017, pp. 50-52)

[9] (Brito, 2017, p. 75)

[10] (Brito, 2017, p. 76)

[11] (Brito, 2017, p. 110)

[12] (Brito, 2017, p. 111)

[13] (Brito, 2017, pp. 131-135)

[14] (Hochschild, 2018)

[15] (Evans & Sahnoun, 2001, p. 39)

[16] (Cunningham et al., 2021)

[17] Conselho de Segurança das Nações Unidas

[18] Organização do Tratado do Atlântico Norte

[19] (Paris, 2014, pp. 581-582)

[20] (Kuperman, 2013, p. 2)

[21] Estado falhado pode ser definido como incapaz de exercer funções e responsabilidades básicas de uma nação soberana, tais como fornecer bens e serviços básicos, defesa militar, justiça, educação, estabilidade económica e o cumprimento da lei; é frequentemente caracterizado por contínua violência, crime, corrupção e pobreza; dotado de uma fraca capacidade de defesa da população e de controlo sobre o território e respetivas fronteiras. (Longley, 2020)

[22] O GAN é, além da ONU, apoiado pela Turquia, Qatar e Itália. O General Haftar é apoiado pelos Emirados Árabes Unidos, Egito, Arábia Saudita, Sudão, França e Rússia. Apesar de procurarem salvaguardar os seus interesses através do apoio a uma das facções líbias, países como Itália, França e Rússia têm também apoiado o diálogo político entre ambas as partes e os esforços de mediação feitos pela ONU.

[23] (Al Jazeera, 2020)

[24] Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan.

[25] (Wilson & Abouaoun, 2021)

[26] (Wilson & Abouaoun, 2021)

[27] (Brockmeier et al., 2016, pp. 123-124)

[28] (Dembinski & Reinold, 2011, p. 9)