Ana Mendes Lopes

Advogada e fundadora do Escritório de Advocacia Ana Mendes Lopes Legal. Nasceu em Coimbra, licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e concluiu o Mestrado em Direito em Economia, na Faculdade de Direito de Lisboa.


E-commerce ou comércio eletrónico: o paradigma das compras e vendas e dos serviços está a mudar e com ele, as regras de direito do consumo.

Entra em vigor no próximo dia 01 de janeiro de 2022, o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que é o novo diploma sobre os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais.

O novo diploma, para além de abranger a garantia de bens de consumo, alarga a proteção da garantia a conteúdos e serviços digitais. No entanto, podemos concluir que as grandes mudanças incidiram nos produtos físicos.

Mas serão as novas regras assim tão benéficas ao consumidor?

3 anos de garantia?

O prazo legal de garantia visa assegurar que ao cliente é prestado um apoio pós-venda para bens vendidos ou serviços prestados que padeçam de defeitos suscetíveis de afetar a sua utilização ou o serviço prestado. Presumindo-se que tais defeitos são considerados “de origem”.

Até aqui, o prazo de garantia dos bens de consumo era de 2 anos. Com as novas regras, este prazo de responsabilidade do vendedor passa de 2 anos para 3 anos. No entanto, no último ano de garantia, cabe ao consumidor provar que o defeito é de origem. Ora, o consumidor, como utilizador médio dificilmente conseguirá fazer prova de que o defeito é de origem. Razão pela qual, este terceiro ano de garantia é, em nosso entender, uma verdadeira falsa proteção do consumidor.

10 anos de peças?

De acordo com as novas regras, é obrigatório que os profissionais disponibilizem as peças necessárias à reparação dos produtos adquiridos pelos consumidores, pelo prazo de 10 anos após a entrada do produto em circulação no mercado. Não obstante, desenganem-se os consumidores que julgam que o fornecimento destas peças é gratuito. A lei não obriga à gratuitidade das peças e como tal, a expectativa é que as mesmas sejam cobradas ao consumidor.

30 dias para reparação ou substituição?

Se até aqui os profissionais deveriam diagnosticar e reparar ou substituir os produtos no prazo máximo de 30 dias, as novas regras falam-nos em “prazo razoável”, o qual pode ser superior a 30 dias sempre que justificado.

Conceitos como “prazo razoável” são sempre dúbios e como tal, podemos adivinhar muitas situações futuras em que os profissionais se dedicarão a justificar o porquê da reparação/substituição levar mais do que 30 dias, em prejuízo do consumidor, a quem só resta esperar!

Qual o prazo para entregar encomendas?

De acordo com as regras anteriores, os bens devem ser entregues ao consumidor no prazo acordado por ambos, que é de 30 dias se outro não for especificamente acordado.

Se até aqui, ao fim de 30 dias sem receção o bem e de outros 30 sem receber o reembolso, o consumidor tinha direito a receber o dobro do valor do preço pago, de acordo com as novas regras, uma vez incumprido o prazo de entrega, o consumidor deve dar ao vendedor novo prazo para o efeito só podendo resolver o contrato após incumprimento do prazo adicional. No entanto, ao vendedor passa a ser exigível a devolução do dobro do valor pago pelo cliente no prazo de 14 dias.

Nesta matéria, ganha o consumidor, que se verá reembolsado em menor espaço de tempo.

Hierarquia dos direitos do consumidor?

A verdade é que a maioria dos consumidores não tem esse conhecimento, mas sempre que se manifesta um defeito num produto, cabe ao consumidor optar pela reparação; substituição; redução do preço ou pela resolução do contrato (devolução com restituição do preço). Não havendo qualquer hierarquia entre estas quatro possibilidades.

Não obstante, a partir de 01 de janeiro de 2022, a hierarquia será real: o cliente poderá optar entre a reparação e a substituição do produto e só se estas se mostrarem impossíveis é que pode acionar o mecanismo de redução do preço e por fim, da resolução do contrato.

Aqui perde o cliente, mas convenhamos que a fixação da hierarquia também visa evitar abusos por parte dos consumidores.

Novo direito de rejeição?

O direito de rejeição é um alegado “novo direito” criado a favor do consumidor, que permite que o mesmo rejeite ou peça a substituição de um produto quando algum defeito se manifeste nos primeiros 30 dias após a compra. Ora, este direito não é novo, pois de acordo com as regras a anteriores, e como acima explicamos, o consumidor já podia pedir a substituição imediata ou a resolução do contrato aquando da manifestação do defeito.

Não obstante, se nos termos das regras atuais existe uma hierarquia de direito, a possibilidade de rejeição surge como uma verdadeira exceção a tal hierarquia.

Alertando-se que o direito de rejeição nos primeiros 30 dias após a compra, não se pode confundir com o direito de arrependimento de 14 dias. O direito de rejeição pressupõe a existência de um defeito, já o de arrependimento, é imotivado, ou seja, o cliente nada precisa de justificar perante o vendedor.

Adicionalmente, como reflexo do aumento da proteção do consumidor, podemos sinalizar alguns aspetos positivos, como são:

  • A responsabilização das plataformas de intermediação;
  • A atribuição do prazo de garantia de 3 anos aos produtos vendidos como recondicionados;
  • A atribuição de prazo adicional de 6 (seis) meses de garantia, por cada reparação de um produto, no limite de 2 anos, ou seja, quatro reparações; e a
  • A responsabilização do cliente por danos na encomenda quando o transporte é feito por entidade à escolha do cliente e não indicado pelo profissional, para evitar diferendos sobre a “culpa no transporte”.

Por fim, e estas são considerações que só aos juristas interessam, o novo diploma é confuso; o português é discutível e existem normas difíceis de conjugar entre si.   A expectativa será a de muitos erros cometidos pelos profissionais pela falta de clareza de várias normas e muitas discussões jurídicas a ser dirimidas pelos Tribunais. Tudo isto, em óbvio prejuízo do consumidor, mas aguardemos para perceber como se adaptará o mercado!