Professor do Instituto Politécnico de Castelo Branco e Professor Auxiliar Convidado da Universidade da Beira Interior. Doutor em Direito.


Estabelecer-se uma relação direta entre a bateria de medidas introduzidas por via da Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro e o eficaz combate à precariedade, seria fazer uma espécie de futurologia, face ao escasso período que decorreu desde a sua entrada em vigor, pelo que é tarefa complicada chegar-se a alguma conclusão inquestionável quanto ao seu mérito.

Pese embora um dos pilares em que assenta a Proposta de Lei n.º 136/XIII, materializada por via Lei de 2019, se prenda, iniludivelmente, com a assunção de um conjunto de compromissos relativos ao combate à precariedade, parece-nos que alguns dos mecanismos que visam tal desiderato poderão, contrariamente, funcionar como aliados da precariedade.

Em primeiro lugar, os trabalhadores à procura de primeiro emprego e em situação de desemprego de longa duração que configuravam motivo de admissibilidade de contratação a termo, independentemente de estar em causa a satisfação de necessidade temporária da empresa, passaram a integrar o elenco de situações que justificam um período experimental alargado de 180 dias.

Se é certo que a intenção legislativa parece ser a de estimular, por um lado, a contratação por tempo indeter­minado de trabalhadores à procura de primeiro emprego e em situação de desemprego de longa duração e, por outro, a de reconduzir a contratação a termo ao seu escopo da necessidade temporária, desde a perspetiva do trabalhador, um período experimental com a duração de 180 dias, pode revelar-se um falso con­trato de trabalho a termo, em que, durante tal período, o empregador o pode denunciar livremente e, eventualmente, abusivamente, sem ter de pagar a correspondente compen­sação por cessação de contrato a termo. Na verdade, constitui tarefa muito ingrata para o trabalhador conseguir demonstrar, como é seu ónus (artigo 342.º do CC), que a cessação do contrato durante o período experimental, não se baseou em motivos de natureza laboral, uma vez que o empregador não tem que comunicar a motivação subjacente ao exercício do direito de denúncia.

Esta solução legal é dificilmente defensável com fundamento no risco que o empregador assume com a contratação de tal categoria de trabalhadores, pois consubstancia discriminação relativamente aos demais trabalhadores cujo período experimental é de 90 dias.

Em segundo lugar, e no que concerne, em concreto, ao regime da contratação a termo, as medidas implementadas pela Lei, passaram por reduzir a duração máxima dos contratos de trabalho a termo; pela criação de novas regras relativas à renovação dos contratos a termo resolutivo certo; pela revogação da norma que previa, independentemente de necessidade temporária, a possibilidade de contratar trabalhadores à procura de primeiro emprego e em situação de desemprego de longa duração; pela restrição e clarificação temporal da possibilidade de contratação a termo nos casos de lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa; pela redução das possibilidades de afastamento das normas reguladoras do contrato a termo, por via de instrumento de IRCT.

No que diz respeito à redução da duração dos contratos a termo e às novas regras relativas à renovação dos contratos a termo certo, parece-nos que, pese embora seja evidente que reduzam a perpetuação deste tipo de contratos, se venham a revelar estéreis pois, se é certo que o CT proíbe a sucessão de contrato de trabalho a termo, por um lado, por outro, abre três exceções a tal proibição em que se enquadram as situações mais comuns, nomeadamente, nova ausência do trabalhador substituído, acréscimo excecional da atividade da empresa e atividade sazonal.

Portanto, independentemente, da duração máxima ser de X ou Y, o empregador pode, cessando o contrato de trabalho a termo, lançar mão destas exceções à proibição de sucessão de contratos deste tipo, o que, na verdade, se traduz na possibilidade de celebrar, sucessivamente, contratos a termo. Na realidade, muitos dos contratos de trabalho a termo em execução, subsistem, dentro dos prazos de duração máxima definidos no CT, inexistindo já o motivo justificativo subjacente à sua celebração e nesta questão o papel da ACT deveria ser muito mais ativo.

Por sua vez, a eliminação de trabalhadores à procura de primeiro emprego e em situação de desemprego de longa duração, enquanto fundamento para a celebração de contrato a termo é de louvar, uma vez que perdurava no CT a possibilidade de contratação sucessiva de trabalhador à procura de primeiro emprego, enquanto mantivesse tal estatuto, o que, por sua vez, estimulava não só a precariedade, como a sua perpetuação.

Quanto à restrição e clarificação temporal da possibilidade de contratação a termo fundada em iniciativa empresarial parece-nos que, previsivelmente, se traduzirá num mecanismo eficaz de diminuição da precariedade em virtude do facto de que a inexistência de tal clarificação temporal, quer quanto à duração do motivo justificativo, quer quanto à duração do contrato celebrado com invocação de tal motivo, desvirtuava e pervertia o regime, estimulando a precariedade, na medida em que a redação da norma era subjetiva, confusa e excessivamente permissiva.

Por fim, o estabelecimento da imperatividade do regime da contratação a termo, afigura-se-nos uma solução potencialmente acertada, na medida em que a supletividade do regime subvertia a própria ratio da contratação a termo, a necessidade temporária da entidade patronal, pois, deixava-se deixava nas mãos da contratação coletiva a regulação, quase na sua totalidade, do regime. Concluindo, cabe finalizar dizendo que só o tempo ditará o real mérito da Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro no combate à precariedade.