José Manuel Oliveira Antunes
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Jurista. Advogado com especial intervenção na área dos Contratos Públicos, no Direito da Construção e Urbanismo. É formador e docente convidado em cursos de Pós Graduação na área da Contratação Pública e autor de vários livros sobre a temática do Direito Público.
O Tribunal de Contas (TC) em recente Relatório, constata que nas entidades adjudicantes, (após um período no qual os montantes gastos com adjudicações em regime de concorrência através de concursos públicos, eram superiores às adjudicações sem respeito pela concorrência) a modalidade de adjudicação não concorrencial, vulgo ajustes directos, voltou a ter primazia nos procedimentos lançados.
Acrescenta ainda o TC, que nem todas as adjudicações são comunicadas ou publicadas a tempo e horas no Portal da contratação pública.
Não pode deixar de se ter em conta neste contexto, que muitas das adjudicações se reportam à situação pandémica e que se fundamentam no disposto do Decreto-lei 10-A/2020 de 13 de Março.
Em todo o caso, aquilo que este diploma em regime de excepção permite é, ao fim ao cabo, o que a lei em vigor, ou seja, o Código dos Contratos Públicos, já facultava na alínea c) do nº 1 do artigo 24º, disposição para a qual o Decreto-lei 10-A/2020, aliás remete.
Desde há muitos anos, até quase se pode dizer desde sempre, os sucessivos governos, independentemente da zona do espectro político em que se inserem produzem grandes considerações sobre o respeito das regras da concorrência. Mas o resultado disso na prática, é muito fraco.
A escolha do Ajuste Directo – expressão que goza justamente de má fama- é objectivamente uma violação das regras da concorrência, ainda que se admita que na maior parte dos casos, não é escolhido com intenção maliciosa, pela entidade adjudicante. Mas, intenções à parte, o facto é que sempre que uma entidade pública procede a um ajuste directo, está a usar dinheiros públicos para pagamento de empreitadas, bens ou serviços a uma entidade por si discricionariamente escolhida, sem que o preço da adjudicação esteja escrutinado. Este escrutínio só seria realmente possível, havendo concurso público. E a única limitação que na lei existe à escolha do ajuste directo é o preço base. Só acima de determinado preço, a entidade adjudicante terá de sujeitar o objecto do contrato à concorrência. Salvo isso, mais nenhuma explicação se pede à entidade adjudicante.
Em geral, o argumento para o ajuste directo é a celeridade. E é estranho que se aceite isto, sem um esgar de humor. A única verdadeira diferença no tempo de execução de um procedimento por ajuste directo ou consulta prévia a três entidades e um concurso público inteiramente aberto, é a necessidade de publicação do anúncio. Fora isso, todos os restantes requisitos da contratação têm de ser cumpridos, a saber: Tem de se elaborar um Convite e um Caderno de Encargos: tem de se receber e verificar a regularidade da proposta; tem de se requerer os documentos de habilitação do adjudicatário e verificar a sua conformidade; tem de se celebrar um contrato; tem de se proceder à publicitação do contrato. O que se poupa em tempo? Os nove dias do anúncio e o trabalho de avaliação e classificação das propostas por um Júri ou pelo pessoal do adjudicante. Não se poupa substancialmente mais nada, mas evita-se a possibilidade de reclamações de concorrentes, pois no ajuste directo só existe um convidado. Em suma: poupa-se trabalho à administração pública central e local, em prejuízo da concorrência e, portanto, em abstracto, de melhores preços.
Mas sendo evidente a impossibilidade de reduzir o número de ajustes directos, pois as entidades adjudicantes não o pretendem- não é tema deste trabalho, analisar as razões disso – pelo menos justificar-se-ia uma maior regulamentação da possibilidade de recurso ao procedimento não-concorrencial de ajuste directo.
Uma das limitações que se poderia introduzir, seria obrigar a que a escolha do ajuste directo em qualquer procedimento, esteja limitado a adjudicatários com mais de 2 anos de actividade comprovada no objecto do contrato, seja empreitada, aquisição de serviços ou bens. E se ainda assim, não se quisesse ir tão longe, pelo menos obrigar que no Portal dos Contratos Públicos, conste uma informação obrigatória sobre o tempo de actividade da entidade convidada na actividade objecto do contrato. O TC já saberia bem, em quais começar a auditoria…
Como meros exemplos do que temos visto por aí, talvez a obrigatoriedade desse tipo de informação no Portal, inibisse que ocorresse um ajuste directo para montar um centro de imprensa a uma empresa cujo passado era organizar casamentos, ou se adjudicasse o fornecimento de camas hospitalares a uma empresa que só tinha experiência em consultadorias avulsas. Ou no pior dos casos e são muitos, a uma empresa constituída na hora, sem qualquer actividade anterior e cuja primeira encomenda é – sorte das sortes- uma adjudicação em ajuste directo por uma entidade pública.
A verdade é que as regras do concurso público são perfeitamente compatíveis com a celeridade dos procedimentos e se continua a prática sistemática do recurso a procedimentos não concorrenciais é por vontade das entidades adjudicantes.
Alterar este péssimo hábito de violar as regras da concorrência com desculpas piedosas como a celeridade, seria, esse sim, um verdadeiro ajuste de contas.