Um dos Melhores Livros de 2020 segundo o The Guardian.
Finalista do Prémio Royal Science Society 2020.
Nomeado para Melhor Livro do Ano pelo Financial Times e a McKinsey.

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Excerto inédito do novo livro de Linda Scott, Professora Emérita de Empreendedorismo e Inovação na Universidade de Oxford e consultora da Chatham House, no Royal Institute for International Affairs. A autora trabalha com governos, agências e empresas de todo o mundo no desenho e teste de programas para a promoção da igualdade de género no mundo laboral. Está entre os 25 Maiores Pensadores Globais, segundo a Prospect Magazine.


Enquanto o carro percorria as ruas mal iluminadas de Acra, eu sentia o meu coração bater. O condutor explicava as cenas a que assistíamos com a voz carregada de raiva e tristeza.

Centenas de raparigas adolescentes sem-abrigo moviam-se como sombras na noite. Algumas estavam meio despidas, tomavam banho com baldes, não tinham nenhum sítio onde pudessem ter privacidade. Outras dormiam amontoadas. «Fogem das aldeias», disse o motorista. «Os pais querem vendê-las a um homem que não conhecem, para casarem e terem de trabalhar como um animal durante o dia e submeterem-se sexualmente à noite. Fogem para a cidade, na esperança de conseguirem escapar.» Muitas estavam grávidas ou tinham bebés ao colo. A violação era um dado adquirido do quotidiano nas aldeias, disse ele, mas estas ruas não eram mais seguras. «Temos uma geração a crescer de filhos nascidos nas ruas», disse o condutor angustiado. «Jamais conhecerão uma família ou uma comunidade. Como irão saber distinguir o certo do errado? O que irá acontecer ao Gana quando estas crianças crescerem?»

Muitas raparigas trabalhavam nos mercados a transportar as compras dos clientes em cestos que equilibravam nas cabeças, mas algumas caíram na prostituição. Outras viram-se enredadas num pesadelo de estatuto ancestral: o comércio de escravos que ainda provém da África Ocidental e que alimenta os vastos crimes organizados do mundo.

No lobby do meu hotel, senti que tinha retrocedido para outra dimensão. Há algum tempo que tenho vindo a fazer trabalho de campo entre os mais desfavorecidos pelo mundo, mas nunca observei nada que me perturbasse tanto como o que vi na minha primeira noite no Gana.

Tinha chegado naquela tarde para começar um projeto promissor: a  minha equipa de Oxford iria testar uma intervenção para ajudar raparigas do campo a permanecerem na escola em vez de desistirem. Era algo simples — facultar pensos higiénicos gratuitamente —, mas sem dúvida que valia a pena tentar. Conseguir que as raparigas permanecessem na escola durante o secundário já era um incentivo económico conhecido para os países pobres. Mulheres com escolaridade acrescentam qualidade à oferta laboral, para além de dimensão, o que estimula o crescimento. Mas as raparigas que terminam os estudos também têm filhos mais tarde e por isso têm menos filhos, o que atrasa a taxa avassaladora de expansão populacional. Mulheres com escolaridade também criam os filhos de maneira diferente, insistem que terminem a escola, que se alimentem bem e que recebam cuidados de saúde adequados. Estas mães atuam como um travão no ciclo pernicioso da pobreza que condiciona África.

Mas naquela noite conheci uma pessoa que me mostrou o que acontecia quando as forças que puxam as raparigas para fora das escolas também as fazem fugir dali. Essas raparigas em fuga desesperada produziram uma espiral descendente que espalhou perigo e sofrimento durante gerações em toda a região. Eu sabia que essa força destrutiva se espalha pelo mundo, trazendo violência e instabilidade a outros países — porque o tráfico humano é uma das atividades mais lucrativas dos crimes internacionais. A experiência que tive naquela noite mudou para sempre a forma como encarava o meu trabalho, dando-me uma sensação de urgência que nunca mais perdi.

A verdade improvável de que a igualdade económica para as mulheres iria pôr cobro a alguns dos males mais dispendiosos do mundo, criando prosperidade para todos, está no cerne do argumento deste livro. Nestas páginas, vou contar mais histórias como esta das sombras de Acra. Vou recorrer a experiências pessoais — das aldeias de África aos bairros da lata da Ásia — e também às salas de administração de Londres e às universidades dos Estados Unidos. Transversalmente, vou mostrar como o mesmo enredo de exclusão económica se repete em cada um destes lugares, sempre com impacto negativo.

Um afluxo de dados sem paralelo desde 2005 revela esta realidade: um padrão distinto de desigualdade económica marca a população feminina de todas as nações, cada um com os mesmos mecanismos para manter as desvantagens instituídas. Em todo o lado, as barreiras à inclusão das mulheres na economia vão além do trabalho e do salário, englobando posse de propriedade, capital, crédito e mercados. Estes impedimentos económicos, em conjunto com constrangimentos culturais normalmente impostos às mulheres — mobilidade limitada, vulnerabilidade reprodutiva e uma ameaça sempre presente de violência —, formam uma economia informal única para as mulheres: chamo-lhe «Economia XX».

Se a comunidade global escolhesse eliminar os obstáculos económicos que as mulheres enfrentam, seguir-se-ia uma era de paz e de prosperidade sem precedentes. Ao longo da última década, começou um pequeno movimento, impulsionado pela intenção de fazer exatamente isso — eliminar as barreiras. Embora ainda em pequenos números, este movimento de capacitação económica para as mulheres tem agora um alcance global e conta com uma maré crescente das instituições mais poderosas do mundo entre as suas parceiras: governos nacionais, agências internacionais, grandes fundações, beneficências globais, organizações religiosas e empresas multinacionais.

Faço parte do movimento de capacitação económica das mulheres desde o início. O meu papel começou pela pesquisa que testava ideias para ajudar as mulheres a obter autonomia financeira. Inicialmente, trabalhei em áreas rurais, sobretudo em África. Testei as minhas ideias, assim como as de outros, e trabalhei pessoalmente com mulheres de diferentes países e em várias circunstâncias. Também organizei um encontro anual de especialistas de capacitação económica das mulheres chamado Fórum Power Shift para as Mulheres na Economia Mundial, para que as pessoas que trabalhavam nesta causa pudessem partilhar o que estavam a aprender. Em 2015, o meu foco mudou. Embora continue a levar a cabo pesquisa em áreas remotas, também participo em discussões de política de alto nível sobre a implementação de reformas globais que me levam às capitais do mundo.

É frequente ficar desanimada com o que observo. Os ministros das finanças dos países que gerem a economia mundial comprometem os defensores das mulheres ao tratá-los como auxiliares das senhoras. A Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) e o G20 podem organizar a «semana da mulher» ou dar início a um «grupo de trabalho» e até colocar uma frase sobre as mulheres nos seus comunicados, mas não contemplam as necessidades distintas de metade dos habitantes nos seus planos. Recusam-se a perceber como é que a exclusão das mulheres prejudica as suas economias ou como a inclusão das mulheres nos seus orçamentos nacionais poderia trazer o crescimento que tão desesperadamente procuram. Põem de lado a Economia XX baseados em nada mais do que preconceito.

É por isso que precisamos de si. Escrevi este livro na esperança de recrutar muitas vozes, mãos e mentes para esta causa da inclusão económica das mulheres. Proponho uma ação concreta, razoável e eficaz. Peço-lhe que se junte a este movimento, independentemente da sua identidade sexual e de género, raça ou origem. Pretendo chegar a quem trabalha numa fábrica, num escritório, numa quinta, em casa ou  online. Neste livro, sempre que disser «Nós devemos fazer isto…» ou «Nós podemos concluir que…», refiro-me a todos nós. Porque é que só agora estamos a ter conhecimento desta economia informal?

(…)

A Economia XX pode ser entendida de uma forma similar à da economia clandestina, a economia freelancer, a economia de informação e a economia informal. Cada uma destas é uma parte identificável do sistema mundial, embora nenhuma seja completamente autónoma; todas surtem um efeito na economia global e irão desempenhar uma função no seu futuro, para o bem ou para o mal. A Economia XX é uma economia composta por mulheres. Tem certas formas de negociar, assim como produtos e serviços típicos. E, embora seja tão invisível como a economia clandestina para muitos, a Economia XX irá afetar o futuro, tal como o fez no passado. O propósito do movimento para a capacitação económica das mulheres é tornar esse futuro melhor, não pior.

No início do movimento para a capacitação da economia das mulheres, normalmente defendíamos a Economia XX com base no impulso expectável no crescimento económico. Essa estratégia despertou interesse — sobretudo em economistas e ministros das finanças interessados no crescimento, mas insensíveis aos apelos por justiça social para as mulheres. Ao longo do tempo, começámos a usar o PIB como indicador da magnitude e direção de qualquer efeito de grande escala quando as mulheres eram incluídas (ou não). É desta forma que vou usar o PIB. Não estou a sugerir que devemos capacitar as mulheres baseando-nos apenas no crescimento. Esta motivação indiscriminada de obter mais crescimento é uma característica definidora da economia patriarcal; não deve ser o nosso principal objetivo.

Os números revelam que a Economia XX é enorme; só o pior cego é que não quer ver e leva os economistas a não captarem. Para ilustrar, se a Economia XX nos Estados Unidos fosse a sua própria nação, a economia desse país bastaria para aderir ao G7. As mulheres já produzem aproximadamente 40% do PIB global, e o seu contributo irá em breve equiparar-se ao dos homens. As mulheres produzem quase 50% da produção agrícola mundial. Apesar de representarem metade da espécie, metade do rendimento nacional e metade do fornecimento alimentar, as mulheres são, no entanto, tratadas como intervenientes secundárias pelos economistas e políticos.

A Economia XX é também a fonte mais fidedigna de crescimento económico. Quando, nos anos 70, um número maior de mulheres entrou no mercado de trabalho na América do Norte e na Europa Ocidental, causou uma curva ascendente na economia que tornou os seus países as potências que vemos atualmente. A capacidade que as mulheres trabalhadoras têm de criar prosperidade está agora provada recorrendo a dados de 163 países. Os homens, em todos os países, formam o pilar da economia porque quase todos trabalham, mais ou menos constantemente. Portanto, a menos que haja uma revolução na produtividade, o crescimento não virá do trabalho masculino, pois os homens já estão no limite. Já as mulheres representam muitas vezes um recurso inexplorado ou subutilizado, portanto, envolver mais mulheres leva a economia a crescer.

Os dados revelam que a entrada das mulheres no mercado laboral é complementar, ou seja, a nova tendência não resulta em despedimentos para os homens, como muitas vezes se teme. Está provado que a crença de que a inclusão económica das mulheres é um jogo de soma zero — ou seja, que as conquistas de um sexo se dão à custa do outro — é falsa. Ao contribuir para a prosperidade dos seus países, a capacitação económica das mulheres produz um melhor ambiente para todos os cidadãos. Mas o contrário também é verdade: onde as mulheres não têm liberdade, todos sofrem.

Nos países mais pobres e frágeis, os indicadores de igualdade de género são os mais baixos e os efeitos da exclusão económica das mulheres os mais devastadores; a desigualdade de género perpetua a pobreza e contribui para a violência, assim como aumenta a fome, não colmata necessidades infantis, desperdiça recursos, alimenta a escravatura e incentiva o conflito. O impacto destrutivo do domínio masculino extremo nestas sociedades é sentido por todos na Terra. A capacitação das mulheres é agora uma estratégia comprovada na luta contra o sofrimento.