Cíntia Andrade – Advogada; Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Civil (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra)

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Indalécio Sousa – Advogado; Mestre em Direito: Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra)

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Nos dias que correm, fortemente impactados pelo coronavírus (COVID-19) e, inevitavelmente, pelas circunstâncias exógenas que o envolvem, caminhamos em larga escala sob um verdadeiro fenómeno disruptivo que forçosamente irá pautar o nosso “novo normal”.

Esta disrupção confronta o País com uma nova realidade: a catadupa de notícias falsas – as chamadas fake news – que acompanham o propagar do vírus e proliferam-se nos meios de comunicação digitais. De facto, essencialmente por conta das redes sociais, não podemos olvidar que os rumores tendem a espalhar-se mais rapidamente do que a própria doença, abrindo caminho a novos fenómenos sociais que acabam por ter impacto direto nos vários setores sociais.

A popularização da internet e da comunicação digital trouxeram inegáveis benefícios. Mas o desenvolvimento tecnológico e a consagração das plataformas digitais como principal fonte de informação resultaram num agravamento do fenómeno, atingindo um nível sem precedentes que o transforma numa das mais prementes ameaças às sociedades livres e democráticas.

A difusão de informação falsa ou enganadora não é um fenómeno novo. O problema é que as novas fontes de informação abrem espaço para a multiplicação de notícias falsas a uma velocidade surpreendente. Enfrentamos uma epidemia de fake news. Como na maioria das situações o destinatário da informação despreza a credibilidade das fontes, o resultado é óbvio: proliferação de partilhas de fake news.

O caso concreto do coronavírus tem sido um exemplo evidente. Tem beneficiado de um fenómeno extraordinário de ampliação comunicacional desvirtuada, através da divulgação de uma quantidade excessiva de informação, nunca antes testemunhada, o que tem contribuído, evidentemente, para a propagação de desinformação e desconfiança no destinatário da informação.

Por várias ordens de razões, fenómenos que originam reações emotivas em massa tendem a explorar o lado sensacionalista da informação através da disseminação de fake news. E, neste caso em concreto da pandemia, não faltam exemplos de notícias falsas que facilmente se tornam virais na opinião pública.

Ninguém duvide que as fake news, com responsabilidade acrescida num panorama de pandemia, relevam para a criação de desinformação. É que, na melhor das hipóteses, uma notícia falsa pode ofuscar conteúdos vitais que se querem passar para a população. Mas, num cenário dantesco, pode gerar comportamentos irracionais e perigosos que colocam a própria vida em risco. Entre os maiores receios de desinformação numa crise sanitária, encontra-se a tendência das fake news em assumirem proporções gigantescas à medida que as entidades públicas combatem desenfreadamente pela manutenção de informação fidedigna.

Só em Portugal, são registados milhares de artigos diários com notícias falsas sobre a Covid-19, essencialmente nas redes sociais. Estes conteúdos passam pela divulgação de informação totalmente falsa e fabricada; pela mistura de elementos verdadeiros com outros falsos; vídeos manipulados ou descontextualizados; teorias da conspiração; movimentos negacionistas; criação de mitos; e ainda contas falsas usadas para astroturfing (ato de dissimular a proveniência de mensagens que pretendem influenciar a opinião pública com o objetivo de dar credibilidade a declarações ou organizações sem, no entanto, fornecer informações a respeito da sua fonte).

Muito embora não sejam uma novidade no mundo da comunicação, as fake news propagam-se agora mais rapidamente e espalham-se com a mesma facilidade com que se propaga o novo coronavírus. Nas plataformas digitais proliferam as opiniões confundidas com informações científicas, sobretudo numa altura em que a informação é valiosa. Enquanto os profissionais de saúde combatem a epidemia com dedicação e espírito de sacrifício, muitas vezes em condições precárias, outros, que subitamente descobriram a sua vocação de especialistas em Covid-19, anseiam por desinformar e proliferar fake news.

Há quase um ano que a nossa vida social assenta em grande parte na comunicação social, incluindo as plataformas digitais onde desagua todo o tipo de informação, muita sem qualquer suporte científico. Os canais de informação enchem-se de epidemiologistas, virologistas, médicos especialistas, psicólogos, economistas, sociólogos e, não raras vezes, especialistas de coisa nenhuma. No meio disto tudo, afloram, camufladas, sem qualquer rigor científico, as falsas notícias que aparentam responder a necessidades imediatas da sociedade. Essencialmente, por serem uma ferramenta poderosa, a desinformação e as fake news põem em cheque a própria democracia e a capacidade de decisão informada dos cidadãos. Geralmente, apontam para uma crise generalizada de confiança nas instituições, promovendo um discurso antissistema, com o objetivo de manipular a opinião dos cidadãos mais incautos.

A ameaça surge quando o invisível se torna verossímil. Aqui os meios comunicação tradicionais têm um papel essencial: o resgate da credibilidade. Já no plano do Direito, a velocidade vertiginosa da informação e dos interesses económicos e políticos criaram uma cilada: não raras vezes, quando a legislação não chega obsoleta em relação à realidade, torna-se abusiva por precipitada.

Enquanto subsistir livre a liberdade de expressão nos meios digitais, a arma decisiva contra a desinformação passa fundamentalmente pela capacidade do destinatário da informação em adotar um espírito crítico, baseado na melhor evidência possível, que deverá ir além dos títulos sensacionalistas. No mundo virtual, insta filtrar a informação intencionalmente divulgada e partilhada nas plataformas online e nas redes sociais, permitindo um combate generalizado à disseminação de informação falsa.

Certo é que o pânico da doença cimentado com o vácuo de informação credível dá origem a um terreno particularmente fértil para a disseminação de fake news. A produção em massa de notícias falsas está a transformar-se numa verdadeira indústria poluente, tão lucrativa para os que a exploram (através da proliferação do medo), quanto nociva para os que desenfreadamente a consomem. E a partir do momento em que é utilizada como instrumento de propaganda política e manipulação da opinião pública, torna-se premente a neutralização do “vírus”.

Loulé, 05 de Fevereiro de 2021