Paula Marques

Paula Marques é Executive Director for Business Transformation na Nova School of Business and Economics


Os livros são uma presença constante na vida de Paula Marques. A Diretora de Business Transformation da NOVA SBE encontra na leitura a satisfação da sua formidável curiosidade, que vai desde a física quântica à filosofia, passando pela história e pelo design. Considera que os livros, enquanto potenciadores da criatividade e capacidade de adaptação, são uma ferramenta poderosa ao serviço dos executivos que querem vencer nos processos de transformação. Conheça as suas recomendações aqui.


Qual é o livro da sua vida?

Dicionário de Lugares Imaginários, do Alberto Manguel e do Gianni Guadalupi.

Em primeiro lugar, porque reúne as histórias maravilhosas dos países, das cidades, das paisagens exóticas, das ilhas utópicas, dos mundos subterrâneos e dos destinos mais ou menos fictícios que me fizeram o que hoje sou. Onde poderia eu encontrar a Terra de Cegos do H. G. Wells misturada com o País das Maravilhas do Lewis Carroll e com a Abadia do Umberto Eco?

Em segundo lugar, porque é uma obra literária inacabada. Incompleta. Como todas as obras humanas deveriam ser. Uma obra que continua hoje a ser escrita por pessoas em todo o mundo, respondendo a um apelo dos autores logo na primeira edição que pediram, a cada um de nós leitores, que os informássemos de qualquer “lugar suscetível de lhes ter escapado”.

Em terceiro lugar, porque quando achamos que já sabemos tudo, conhecemos tudo, visitámos tudo, quando achamos que já mapeámos e cartografámos cada centímetro quadrado do nosso planeta, é maravilhoso perceber que novos lugares imaginários estão permanentemente a aparecer e a obrigar-nos a alterar os velhos mapas.

Por último, e talvez o mais importante, porque me ensinou que os lugares que apenas existem na nossa imaginação, são afinal mais reais do que eu pensava. Porque todos os lugares reais tiveram que ser antes imaginados por alguém. Só são reais porque alguém antes os imaginou.

Qual a importância dos livros para si?

Os livros são espaços seguros para eu experimentar emoções e ideias que outros generosamente me emprestam e que, na maior parte dos dias, espelham magistralmente as minhas. São uma espécie de lugares onde me perco, sem ter vontade de encontrar o caminho de volta.

Leio todos os dias. Em média, um livro por semana. Leio todo o tipo de livros. Livros escritos há 7 dias e há 700 anos atrás. Gosto de ler o que as outras pessoas não estão a ler, seguindo a filosofia do escritor japonês Haruki Murakami: se só lermos o que todos andam a ler, acabamos por pensar o que todos pensam.

Ler um livro é um ritual que começa muito antes de o folhear. Lembro-me do local onde me encontrei com cada livro. O que mexeu com a minha curiosidade. Há poucas experiências que ficam assim gravadas na minha memória, como a experiência única de chocar contra um livro e de poder escolher os locais e as personagens com quem, em determinada fase da minha vida, decidi voluntariamente perder-me.

Quais os últimos livros que leu?

Terminei de ler o The Decameron, do Giovanni Bocaccio e o Sand Talk, do Tyson Yunkaporta.

The Decameron foi escrito em plena idade média. São 100 histórias, contadas durante 10 dias por 10 pessoas. São histórias divertidas que refletem os sentimentos comuns da vida normal e nos levam a perceber que, em 700 anos, pouco mudámos, tanto nas emoções, como o amor, como nos sentimentos menos nobres, como a ira, a cobiça, a arrogância ou a ganância.

Sand Talk é uma maravilhosa análise dos sistemas globais, através da perspetiva dos aborígenes australianos. Honrando as suas tradições indígenas, o Yunkaporta utiliza connosco a “conversa de areia”, o costume aborígene de desenhar imagens no solo para transmitir conhecimento, guiando-nos através de símbolos e diagramas que mistura com palavras.

E neste momento estou a ler o No Friends but the Montains do jornalista curdo-iraniano Behrouz Boochani e o SONTAG do Benjamin Moser.

SONTAG é, em minha opinião, a melhor biografia alguma vez escrita sobre esta mulher brilhante, que é uma referência na cultura mundial do século XX. O Benjamin Moser fez um trabalho inacreditável. As viagens, as pesquisas, as pessoas com quem falou. Há uns meses atrás, li uma entrevista em que dizia que quando escrevia uma biografia, a certa altura apaixonava-se pela pessoa e que isso explicava o intenso trabalho de pesquisa que realizava. “É simples. Apaixonas-te. E quando te apaixonas, passas a querer saber tudo sobre aquela pessoa”.

Quem são os seus autores portugueses prediletos?

O trio vanguardista e provocador da Orpheu. O Almada Negreiros e a sua maravilhosa dispersão criativa. O Mário de Sá Carneiro e a eterna busca de si próprio. E o Pessoa, porque o Pessoa é tudo. É todos. Ao mesmo tempo e no mesmo espaço.

Com os três aprendi que num mundo que venera o sucesso e idolatra os vencedores, a melancolia e a tristeza da perda não devem ser escondidas. Fazem parte do jogo da vida. Todos perdemos algo ao longo da nossa vida. Tempo, saúde, amigos, juventude, negócios. Por isso, é bom que estejamos preparados. Para mim, os três representam o desassossego da vulnerabilidade humana. E a quase certeza de que se fossemos perfeitos seriamos profundamente infelizes.

Lê o mesmo tipo de livros que lia há 10 anos?

Sim. O mesmo tipo. Do tipo que “nos picam e nos mordem”, como recomendava o Kafka. Que defendia esta ideia simples de que apenas deveríamos ler os livros que nos picam e que nos mordem e que “se o livro que lemos não nos desperta como uma pancada na cabeça, para quê lê-lo”? Por isso, sim. Continuo a ler o mesmo tipo de livros. Os que me picam e me mordem.

Mas não sou eu que leio os livros. Eu apenas deixo que os livros me leiam a mim. Deixo que os livros me leiam livremente, sem os tentar condicionar.

Muitas vezes preciso que os livros mais antigos me leiam de novo e me digam o que veem agora em mim. Estarei assim tão diferente, desde aquele dia em que O Doente Imaginário, do Molière, me leu pela última vez?

De que maneiras podem os livros ser uma ferramenta no desenvolvimento de profissionais, nomeadamente executivos?

Respondo com duas perguntas. Como é que uma simples tradição de oferecer livros na noite de Natal, que começou na segunda guerra mundial, na Islândia, transformou este país na terceira nação mais alfabetizada do mundo? E será que é por culpa desta tradição que um em cada 10 Islandeses acabará por publicar um livro?

Os livros permitem o desenvolvimento de uma competência fundamental para qualquer executivo: a capacidade de imaginar o futuro. Esta competência é uma das mais difíceis de desenvolver e os livros são uma das vias mais eficazes para o conseguirmos fazer. Hoje vivemos realidades que foram previstas em livros escritos há mais de 50 anos e, não é por acaso, que os maiores autores de ficção científica são venerados pelos grandes futuristas.

Os livros não nos ajudam apenas a imaginar o futuro, também nos tornam mais criativos. Basta ver o que aconteceu na China, que até há bem pouco tempo era um país que não conseguia criar produtos novos. Era a fábrica do mundo, que se limitava a produzir o que lhe ordenavam. Uma equipa de investigadores chineses descobriu a causa desta incapacidade de criar novas realidades. A China tinha proibido os livros de ficção científica que eram considerados “poluição espiritual”. Numa viagem aos Estados Unidos, concluíram que as pessoas consideradas mais criativas tinham algo em comum. Todas tinham devorado livros de ficção científica durante a infância e a grande maioria delas continuava a manter essa devoção na idade adulta. No seguimento desta descoberta, em vez de proibir, passaram a incentivar e, hoje, a China é o maior mercado mundial de livros de ficção científica.