David Falcão
Professor no Instituto Politécnico de Castelo Branco e na Universidade da Beira Interior, Doutor em Direito.
Conheça a sua obra em www.almedina.net
Pretendemos, com este breve texto, elucidar se os trabalhadores que prestam, forçosamente, teletrabalho durante esta fase de pandemia, mantêm direito ao subsídio de refeição.
A atribuição de subsídio de refeição não encontra previsão legal, na legislação laboral, sendo, geralmente, tal prestação prevista e, consequentemente, atribuída, por via de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.
É, no entanto, consensual que tal subsídio tem um propósito compensatório, na medida em que visa minorar os gastos do trabalhador com refeições fora da sua residência. Portanto, sendo uma ajuda de custo, tal prestação não tem, em regra, natureza retributiva[1], uma vez que é destituída da função correspetiva atribuída à retribuição, pelo facto de não se tratar de uma contrapartida a que o trabalhador tenha direito por força da atividade prestada.
No que concerne ao teletrabalho, pode definir-se como a prestação realizada mediante subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação. Ora, dissecando a noção de teletrabalho, podemos identificar três elementos:
Em primeiro lugar, a subordinação jurídica que se traduz no facto do trabalhador estar sob autoridade e direção do empregador. Diga-se, em abono da verdade, que tal vínculo de subordinação é, ligeiramente, atenuado dadas as vicissitudes da prestação de trabalho ao abrigo desta modalidade contratual;
Em segundo lugar, a realização da prestação subordinada é levada a cabo fora da empresa, normalmente, no domicílio do trabalhador;
Por fim, é característica do teletrabalho o facto de ser realizado com recurso a tecnologias de informação e comunicação.
A questão que se coloca é a de saber se o trabalhador estiver obrigado a realizar a sua atividade em regime de teletrabalho terá direito à percepção do subsídio de refeição.
A questão pode ser respondida pela positiva ou pela negativa.
Se optarmos por responder positivamente, temos respaldo legal, se interpretarmos extensivamente o disposto no artigo 169.º do Código do Trabalho (CT), que estabelece que o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores. Esta afigura-se uma solução justa para o trabalhador, mas não tão justa para a entidade patronal, o que nos leva à resposta negativa à questão colocada.
Respondendo negativamente, podemos invocar como fundamento a função do subsídio de refeição, a de compensar o trabalhador pela necessidade de fazer as suas refeições fora da sua residência. Ora, se o trabalhador prestar teletrabalho na sua residência não terá, por maioria de razão, direito a tal prestação, sendo de admitir o pagamento do subsídio se o trabalho for realizado fora da residência. Mas foquemo-nos na realização de teletrabalho na residência habitual.
Imaginando que o trabalhador, anteriormente vinculado à empresa, passa a prestar a sua atividade em regime de teletrabalho no domicílio e, portanto, é-lhe retirado o subsídio de refeição. Outra questão se coloca: Será que tal conduta adotada pelo empregador viola o princípio da irredutibilidade salarial (artigo 129.º n.º 1 al. d) do CT)?
Como se disse, o subsídio de refeição não constitui, por via da regra, uma parcela retributiva, pelo que, objetivamente, a conduta do empregador não viola o princípio referido.
Sendo, esta, a solução lógica, atendendo à coerência do sistema no que concerne à natureza das gratificações compensatórias sem escopo retributivo, não significa que seja a mais justa. Não nos podemos olvidar que a prestação de teletrabalho acarreta, para o trabalhador, outros custos inerentes, nomeadamente, de consumo de energia elétrica e de recurso à prestação de serviços de comunicações eletrónicas e que, por sua vez, o artigo 168.º n.º 1 do CT estabelece que o empregador deve assegurar tais despesas. Não nos parece, não obstante, que as entidades patronais, devam satisfazer tais encargos, em virtude da abrupta transição para esta modalidade de prestação de trabalho, por um lado, e, por outro, pelo facto de resultar de imposição e não da via contratual tradicional[2].
Portanto, ficou
claro que se pode responder positiva ou negativamente à questão colocada no
título deste breve texto. Solução justa, em nosso entender, passa pela
manutenção do subsídio de refeição, não tanto com o seu propósito tradicional,
mas como ajuda de custo aos gastos adicionais que o trabalhador terá, fruto da
necessidade de, durante esta fase pandémica, ter de prestar atividade ao abrigo
deste regime. O bom senso impõe-se!
[1] Excecionalmente pode considerar-se parcialmente o subsídio de refeição como prestação retributiva na parte que exceda os respetivos montantes normais caso tenha sido antecipadamente prevista em contrato ou se deva considerar pelos usos como integrante da retribuição do trabalhador.
[2] Cfr. Artigo 8.º do DL n.º 2-B/2020, de 2 de abril.