Márcia Passos

Licenciada em Direito (Universidade Católica Portuguesa, Porto). Mestre em Direito (Ciências Jurídico-Privatísticas) pela Universidade Portucalense do Porto. Especialista em Direito pela ESTG – Escola Superior de Tecnologia e Gestão (Instituto Politécnico do Porto). Deputada à Assembleia da República na XIV Legislatura. Advogada e Docente do ensino superior. Deputada da Assembleia Municipal da Maia.


Vivemos momentos únicos no país e no mundo, momentos que têm e terão reflexos a vários níveis no futuro dos portugueses, dos quais se destacam os efeitos nas relações de arrendamento habitacional e não habitacional.

Têm sido várias, muitas delas avisadas, as críticas feitas pela doutrina às inúmeras alterações que o regime do arrendamento urbano tem sofrido ao longo dos tempos. Mas, no contexto atual, com a sociedade e a economia fustigada pela pandemia COVID-19 e com os efeitos das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e do estado de emergência decretado no passado dia 18 de março através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, era expectável que as preocupações legislativas incidissem também no regime do arrendamento urbano, tentando dessa forma mitigar os efeitos nefastos produzidos nos arrendamentos habitacionais, nos arrendamentos não habitacionais e nas demais relações contratuais de exploração de imóveis.

Foram, pois, a este propósito, implementadas algumas regras, quer no que respeita aos processos judiciais e procedimentos de despejo em curso, quer quanto aos efeitos das várias formas de cessação dos contratos de arrendamento, quer ainda quanto às situações de mora no pagamento das rendas devidas a partir de 1 de abril de 2020.

Assim, através da Lei n.º 1-A/2020, de 6 de abril, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, foi determinada a suspensão das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada. Porém, a suspensão foi condicionada à situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa em que o arrendatário possa ficar, por força da decisão final a proferir nos referidos processos/procedimentos.

No que respeita às ações de despejo, as mesmas já se encontram suspensas por força do regime previsto no mesmo diploma quanto à suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais que devam ser praticados nos tribunais judiciais. É certo que tais ações podem prosseguir a sua tramitação processual quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a respetiva prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica, ou através de meios de comunicação à distância adequados, podendo também prosseguir naqueles processos que aguardam apenas a decisão final, sem que seja necessária a realização de novas diligências, nomeadamente de prova. Será, assim, para as ações que reúnam estas condições que a aludida condição se aplica. Mas, mesmo nestas, veja-se, a execução que eventualmente se torne necessária por falta de cumprimento da sentença pelo arrendatário, ali réu, encontra-se suspensa por estarem suspensos todos os atos a realizar em sede de processo executivo.

Já quanto aos procedimentos especiais de despejo e aos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, a referida condição para que se verifique a suspensão, só terá relevância quando nestes processos existe um qualquer incidente declarativo, nomeadamente, oposição, determinante para aquela decisão final a proferir. Não havendo, e sem prejuízo de melhor desenvolvimento noutra sede, estarão assim suspensos os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, seja a ação executiva para entrega de coisa imóvel arrendada prevista no artigo 862.º do Código do Processo Civil, seja o processo destinado à desocupação do locado previsto no artigo 14 .º e seguintes do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro (Balcão Nacional do Arrendamento e Procedimento Especial de Despejo) e no artigo 22.º e seguintes da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro (Regulamentação do Procedimento Especial de Despejo).

No que se refere à suspensão dos efeitos das várias formas de cessação dos contratos de arrendamento, o mesmo diploma (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril) prevê que até à cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade de saúde pública, e até 60 dias após a cessação de tais medidas, estão suspensos os efeitos das denúncias dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional, efetuadas pelo senhorio, bem como, nos mesmos contratos, os efeitos da revogação, da oposição à renovação efetuada pelo senhorio e da caducidade, salvo se, neste caso, o arrendatário não se opuser à cessação.

Está igualmente suspenso o prazo para que a restituição do prédio arrendado possa ser exigida nos casos provenientes das situações de caducidade, para além das que derivam do facto de ter findado o prazo estipulado pelas partes ou estabelecido por lei, quando o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que vigorarem as referidas medidas.

Por outro lado, como acima se referiu, as situações de mora no pagamento das rendas devidas a partir de 1 de abril de 2020 foram também alvo da atenção do Governo e da Assembleia da República, a qual, através da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, implementou medidas que visaram a proteção ora dos arrendatários habitacionais e não habitacionais, ora dos senhorios de prédios arrendados para fins habitacionais.

Tais medidas centram-se, por um lado e quanto aos arrendamentos habitacionais, na consagração de um apoio financeiro a ser prestado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. (IHRU, I.P.), apoio esse assente em critérios objetivos relacionados com a quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar do arrendatário ou do senhorio, com a taxa de esforço do agregado familiar do arrendatário, igual ou superior a 35% ou, no caso do senhorio, com o facto da quebra de rendimentos ter tido origem na falta de pagamento das rendas pelos arrendatários.

Os termos em que é efetuada a demonstração da quebra de rendimentos vieram a ser objeto da Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril, a qual consagra os métodos necessários para o efeito e prevê outras normas, nomeadamente atinentes aos comprovativos que devem ser apresentados ao senhorio e ao IHRU, I.P. e às comunicações a realizar entre os arrendatários e os senhorios e, quando aplicável, para o IHRU, I.P..

Quanto a este apoio, aguarda-se ainda, nesta data, a elaboração pelo IHRU, I.P. do regulamento com as condições de concessão dos empréstimos, diploma que produzirá efeitos imediatos a contar da data da sua divulgação no Portal da Habitação.

Além disso, a lei publicada em 6 de abril último prevê também que o senhorio veja coartada a possibilidade de resolver o contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, permitindo-se assim ao arrendatário efetuar o respetivo pagamento no prazo de 12 meses contados do termo deste período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total em dívida, as quais devem ser pagas juntamente com a renda de cada mês.    

Conclui-se, pois, que o arrendatário, a par do apoio financeiro no que respeita ao arrendamento habitacional, tem também a possibilidade de diferir o pagamento daquelas rendas, possibilidade esta que o mesmo diploma consagra como único regime excecional para os arrendatários não habitacionais, cujos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços tenham sido encerrados ou tenham visto as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, mesmo que mantenham prestação de atividades de comércio eletrónico ou de prestação de serviços à distância, através de plataforma eletrónica. Além destes, podem também usufruir do regime do diferimento no pagamento das aludidas rendas, os arrendatários cujos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo os que mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada ao consumo fora do estabelecimento, ou entrega ao domicílio nos termos previstos naquele diploma legal ou em qualquer outra disposição que o permita, como as que constam do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril.

Além deste regime excecional se aplicar também a outro tipo de contratos de exploração de imóveis para fins comerciais, o diploma fixou também um regime diferente para as situações de falta de pagamento de renda quando o senhorio é uma entidade pública, prevendo que, nestes casos, possa existir uma redução ou isenção da renda, podendo ainda tais entidades  estabelecer moratórias aos seus arrendatários.

Como acima se indicou, o apoio financeiro que tem como beneficiários arrendatários e senhorios habitacionais, depende ainda, para que seja aplicável, do regulamento a ser elaborado pelo IHRU, I.P., com as condições de concessão dos empréstimos, pelo que, na presente data, apenas é possível aos arrendatários habitacionais que se vejam impossibilitados de pagar a renda no âmbito da pandemia COVID-19, cumprir a obrigação de informar os senhorios desse facto, no prazo de 20 dias a contar da data da entrada em vigor da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, no que concerne às rendas que se vençam a partir do dia 1 de abril de 2020 ou até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do referido regime de apoio financeiro.