Maria Beatriz Seixas de Sousa

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2014-2018).
Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil na FDUC (2018-2020).
Pós-Graduada em Direitos Humanos, promovido pelo Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos (2020).
Monitora na Secção de Ciências Jurídico-Históricas na FDUC (2019-2020).
Auditora de Justiça do 37.º Curso de Formação de Magistrados.


A Ilegitimidade Singular é a recente obra de sua autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 24 de Novembro de 2022.

Consulte a obra neste link.


Disse MONTERO AROCA: quanto mais se escreve sobre legitimidade, mais confuso se torna este conceito. A legitimidade processual é, no seio do processo civil português, um requisito necessário para o juiz proferir uma sentença sobre o fundo da causa. Daqui advém a importância deste pressuposto para a resolução do litígio. Apesar das vozes que se levantam contra a existência do pressuposto processual da legitimidade no nosso ordenamento, consideramos que a omissão deste no elenco dos pressupostos acarretaria o prosseguimento de processos entre partes ilegítimas, o que tornaria ineficaz e inútil o funcionamento da máquina jurisdicional. Distinta da legitimidade substantiva, a legitimidade processual não contende com o mérito da causa, resultando daqui a sua natureza puramente processual. Não se insere, portanto, no âmbito da legitimidade a aferição da titularidade da relação jurídica substantiva, muito menos da sua existência, validade e efeitos, mas tão-só a posição que as partes assumem na representação, feita pelo autor, da relação jurídica controvertida.

Apesar de a previsão da legitimidade processual no artigo 30.º, do Código de Processo Civil conduzir a poucas situações de ilegitimidade singular, a doutrina não poderá ficar indiferente à hipótese da sua verificação. Ao longo do estudo que se pretende publicar serão levantadas várias soluções que permitiriam a sanação da falta de legitimidade singular, à semelhança do que se confirma nas situações de ilegitimidade plural. Dentro do nosso ordenamento processual constituído poderíamos aproveitar o instituto da intervenção de terceiros, utilizado nas situações de litisconsórcio, para chamar ao processo a pessoa que, em face do objeto do processo, teria legitimidade processual. No entanto, esta opção, apesar de permitir a presença da parte legítima, não satisfazia, pois mantinha no processo uma parte que não é die richtige Partei. A solução inovadora do CPCbr, que cria no réu que invoca a sua ilegitimidade o ónus de identificar a pessoa legítima, apenas analisa e soluciona o problema da ilegitimidade passiva. Desta feita, a adoção de uma solução semelhante à que a doutrina e jurisprudência alemãs têm vindo a adotar é a que nos parece sanar todas as hipóteses de ilegitimidade singular, conseguida através do acordo entre as partes.

A realidade dinâmica não se coaduna com um estrito formalismo processual, transpondo-o. Castanheira Neves evidencia que para o sistema jurídico responder às solicitudes que a realidade requer, ele tem de ser um sistema aberto, mutável, que se desenvolve e se aprimora com a sua realização. Um sistema jurídico que parte do caso concreto e que pretende dar a esse caso uma solução normativa adequada, não pode afastar-se da realidade que o envolve. É imperativa uma constante interpretação dos preceitos legais à luz dos “fundamentos axiológico-normativos” do Direito (NEVES, António Castanheira, “Entre o «legislador», a «sociedade» e o «juiz» ou entre «sistema», «função» e «problema» – os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito”, p. 8 e ss).

Assim, partindo da solução alemã, arriscamo-nos a avançar com uma solução iure constituendo com vista a quebrar o dogma da ilegitimidade processual singular. Apenas a possibilidade de suprimento da falha de legitimidade singular se coaduna com o modelo de processo cooperativo que hoje se propugna.