Raquel Brízida Castro

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Doutora em Direito; Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Advogada.


No nosso ordenamento jurídico-constitucional, os juízes do Tribunal Constitucional têm os seus poderes de cognição limitados pelo pedido.

Nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Lei do TC, o Tribunal só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida. Nos termos do princípio do pedido, no seu corolário da adequação ou correspondência entre o pedido e o pronunciado, é o conteúdo do pedido que delimita a competência do Tribunal.

A questão tem suscitado abundante discussão doutrinária, sobretudo perante casos em que essa vinculação ao objeto deve, claramente, ceder perante preocupações de economia processual.

Tal debate, porém, ainda não produziu qualquer alteração da lei.

No caso do momento, era o Presidente da República que tinha o poder de delimitar o âmbito dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional. Mas o Tribunal Constitucional excedeu, claramente, os limites que o PR, ostensiva e cuidadosamente, tentou delimitar.

Ou seja,

Independentemente das minhas reflexões sobre a questão substancial (expressas em livro que publiquei no ano passado: Um Contributo para o Estudo da Eutanásia no Direito Constitucional Português) numa perspetiva estritamente jurídico-constitucional, perante os papeis processuais do PR e do TC no processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, permitam-me formular os seguintes comentários:

1.Efetivamente, o PR não tinha o dever de requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade.

Porém, se o fez, perante um tema tão controvertido, não deveria ter feito excluído do objeto do pedido “a questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição”.

O PR esclarece que – no que o TC qualificou de “delimitação positiva do pedido” – o que pretende é “antes a questão de saber se a concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma com a Constituição”.

2. Por sua vez, o Tribunal Constitucional optou por preterir a sua vinculação ao objeto do pedido, nos precisos termos exigidos pela lei, tendo claramente excedido o âmbito dos seus poderes de cognição.

É certo que não o fez, porém, sem esforço hermenêutico.

Dedicou, com efeito, um terço da Pronúncia a dissecar o conceito de norma que constitui o pressuposto do tal princípio do pedido. Com o intuito, concretizado, de se pronunciar sobre algo que o PR não questionou, produziu prolixas orientações para o legislador, obviamente, juridicamente não vinculativas.

Perdeu, porém, uma preciosa oportunidade de se pronunciar sobre os limites do princípio do pedido, designadamente, sobre o grau de vinculação jurídica ao objeto, quando o mesmo é sujeito a delimitação negativa expressa pelo requerente.