Arménio Rego

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Arménio Rego é Doutorado em Organização e Gestão de Empresas e Professor na Católica Porto Business School.


O desejo de ser autor esteve presente desde cedo ou veio a surgir mais tarde?

Desde muito jovem ansiei ser autor. Escrevi poemas que guardei na gaveta. Enviei um ou outro artigo (nunca publicado!) para o jornal local. Após conclusão da licenciatura, as oportunidades foram surgindo. A vida universitária foi o espaço onde a paixão foi sendo alimentada. Aí, escrever como forma de partilha é também um dever.

Quais os seus hábitos de leitura, isto é, tem ideia do número de livros que costuma ler mensalmente? Tem um lugar favorito onde lê? Mantém-se fiel aos livros em papel ou prefere novos formatos como o livro digital ou o audiolivro?

Mensalmente, leio muitas centenas de páginas de artigos. Infelizmente, fico com menos tempo disponível para a leitura de livros. Num ano, em média lerei talvez 15 livros, de ponta a ponta. Leio capítulos de outros. E, em alguns casos, começo e não acabo – porque não gosto do conteúdo ou porque livro mais interessante surge.

Sou absolutamente fiel aos livros em papel, nos quais tomo notas, sublinho, dobro folhas, escrevo pistas para artigos ou livros que estou a escrever. Não consigo ler um livro, qualquer que seja, se não tiver na mão um lápis ou uma esferográfica. Parece que o meu cérebro não funciona sem esse “adereço” para escrevinhar.

Leio em casa, sentado no sofá, por vezes ouvindo música. Mas, estranhamente, os lugares de eleição são o comboio, o avião, os aeroportos ou mesmo a praia – talvez porque é nesses espaços que tenho mais tempo para ler livros que não consigo ler no quotidiano! Sinto desconforto permanente por não ter tempo para ler mais livros.

Consegue arranjar tempo para “ler por prazer”? Que tipo de livros prefere neste sentido?

Ler livros que me ajudam a compreender o mundo é sempre um prazer. Ver livros na minha frente, que não consigo ler por falta de tempo, é uma fonte de desprazer. Os livros que mais me entusiasmam são boas biografias de líderes políticos ou empresariais (note-se que ler “boas biografias” não significa ler biografias de “bons líderes”). Aprecio relatos fundamentados de escândalos empresariais, e obras bem escritas sobre os meandros da vida organizacional e da condição humana nas organizações. Também gosto de relatos históricos. Não aprecio ficção nem o romance. Prefiro obras que descrevem e discutem a “realidade real”.

Que livros recomenda para aqueles que querem melhor compreender a situação económica atual?

Não sendo economista, evitarei fazer recomendações sobre a matéria. Estou a ler Forged in Crisis, de Nancy Koehn – para compreender como alguns líderes se excederam em tempos críticos e atuaram como fontes regenerativas. Li, há anos, Team of Rivals, uma extraordinária biografia de Abraham Lincoln – que recomendo vivamente. É uma obra extensa, escrita por Doris Goodwin, que retrata uma figura ímpar. Quando lemos a obra, ficamos ainda mais deprimidos e ansiosos perante a emergência de figurões como Trump, Bolsonaro, Duterte, Salvini ou Orban (apenas para citar alguns).

Os livros são uma ferramenta importante na actividade do Coaching? Podem ser úteis apenas os livros técnicos ou também os livros de ficção?

Bons livros podem ajudar tanto o coach como o “coachee”. Como coach, por vezes recomendo aos executivos que apoio a leitura de livros. Acresce que, sem a leitura de livros, o meu trabalho de coaching – e, em geral, o de professor e formador – ficaria mais pobre. Como referi, não sou fã de obras de ficção – mas admito que possam ser úteis em atividades de coaching.

Pode sugerir um livro que tenha tido um grande impacto no professor, isto é, que tenha alterado radicalmente a maneira como o professor vê um determinado assunto?

Referirei vários de que me recordo agora, muito distintos. Team of Rivals, que já referi, está entre um dos eleitos. Dying For a Paycheck, de Jeffrey Pfeffer, mostrou-me como a vida organizacional pode ser altamente tóxica e danificar a saúde mental. O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, não é apenas um tratado político – é também uma perspetiva realista sobre aspetos da vida, e da vida organizacional em geral. Manhunt, de Peter Bergen, que descreve o longo processo de decisão conducente à captura de Bin Laden, ilustra bem como, em matérias complexas, as decisões requerem tempo, reflexão e, acima de tudo, lideranças que concedam espaço à discussão, ao debate e à discordância explícita. Bad Blood, de John Carreyrou, descreve minuciosamente como uma líder empresarial (Elizabeth Holmes, fundadora e líder da Theranos), celebrada pela alegada nobreza do seu propósito, pode enganar muitos durante anos – mas não consegue enganar todos durante o tempo todo. The Fearless Organization, de Amy Edmondson, mostra a importância de estimular a discordância e o debate, e alerta para os riscos do “respeitinho”. Para quem ainda tenha dúvidas sobre Trump, sugiro The Truth About Trump, de Michael D’Antonio. O atual presidente dos EUA sempre foi um figurão sem escrúpulos.

Quais são para si 3 livros geniais da área da economia e gestão nos últimos 50 anos?

Não consigo responder a essa questão, pois há inúmeros bons livros que gostei de ler. Acresce que “bons” livros de gestão são bons enquanto não se compreende que são maus. Na Senda da Excelência deslumbrou muita gente, eu incluído – mas sabe-se hoje que a “excelência” era frágil. Se os segredos do sucesso fossem tão óbvios quanto os prometidos em alguns best-sellers, não precisaríamos de ler outras obras – aplicávamos a receita e o sucesso estaria garantido. A realidade é mais complexa. Phil Rosenzweig explica isso muito bem em The Halo Effect. Quando o sucesso é alcançado, atribuímo-lo às práticas de gestão, que entronizamos. Mas, num ápice, os resultados caem – e passamos a considerar fraca a gestão que antes tomávamos por brilhante. A gestão não é uma ciência, e o desempenho de uma organização depende de numerosos fatores, alguns dos quais os líderes não controlam. Fico preocupado quando me deparo com estudantes e executivos deslumbrados com o best-seller do momento. A “fezada”, por vezes, afeta o discernimento crítico.

Onde vai buscar a inspiração para ter ideias para novos livros?

A inspiração emerge de várias fontes e é frequentemente partilhada com coautores. Primeira fonte: uma nova linha de investigação desponta e sinto que importa partilhar essa evidência com um público não académico. Segunda: entusiasmo-me com um tema e sinto que, escrevendo sobre ele, posso compreendê-lo melhor. Terceira: sou movido pelo desejo de contribuir para uma gestão mais humanizada da vida organizacional. Quarta: como professor, leciono um tema para o qual a literatura é escassa – e decido escrever para apoiar estudantes e docentes. Quinta: o puro prazer (com sacrifício, por vezes!!!) de partilhar o que (julgo que) estou a aprender. Sexta: o acaso! Escrevi (em coautoria com Miguel Pina e Cunha) um livro sobre cães nas organizações que jamais pensei escrever. Os humanos podem aprender muito com os nossos amigos caninos!

Que livros está a ler neste momento?

Comecei a ler The Confidence Game (por Maria Konnikova): para vivermos saudavelmente em sociedade, precisamos de confiar – mas a confiança coloca-nos na mira dos oportunistas e psicopatas. Como antes referi, também estou a ler Forged in Crisis, de Nancy Koehn. Ainda não dispus de tempo (não tem havido viagens aéreas!) para ler Homo Deus, por Yuval Noah, nem The Age Of Surveillance Capitalism, por Shoshana Zuboff. Espero vir a ler as obras que a revista “Sábado” está a distribuir sobre Trump, Bolsonaro, Putin e Kim Jong-un.