Célia Dias Pereira

Advogada 

Professora convidada equiparada a professora auxiliar na Escola de Direito da Universidade do Minho e na Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona – Centro Universitário do Porto 

Investigadora Integrada do JusGov – Centro de Investigação em Justiça e Governação da Escola de Direito da Universidade do Minho

Doutora, Mestre e Licenciada em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho


O carácter disruptivo da inteligência artificial (IA), que marcará as próximas gerações, é altamente suscetível de romper com os paradigmas vigentes. Por isso, mais do que nunca, a reflexão e a construção de soluções para esta nova realidade são prementes. 

Ora, o Direito não poderia escapar incólume a tal fenómeno. Inevitavelmente, a ordem jurídica é colocada à prova, impondo-se novas soluções para os desafios relacionados com a IA. Entre as diversas temáticas, trazemos para o debate as problemáticas em torno da responsabilidade civil pelo uso de robots advisors revestidos de certas características.  

À semelhança do que sucede na generalidade dos setores económicos, no seio das atividades de investimento financeiro, a utilização de robots advisors adquire crescente relevância, designadamente na prestação dos serviços de consultoria para investimento e de gestão de carteiras. A utilização de algoritmos de IA pelo intermediário financeiro como simples ferramenta auxiliadora na realização das suas tarefas ficará ultrapassada. O investidor passará a interagir com um sistema de IA que, v.g., responde às suas dúvidas, presta aconselhamento, define a sua carteira de ativos financeiros e realiza as respetivas operações de investimento (com pouco ou nenhum controlo humano). 

A imprevisibilidade, a autonomia e a opacidade são as características que destacamos. A par das dificuldades acrescidas na aferição dos pressupostos da responsabilidade civil, o recurso a sistemas de IA com estes atributos contribuirá para certas vicissitudes nas relações jusmobiliárias. Projetamos a criação de uma falsa ideia de efetivo conhecimento do cliente, um cumprimento do dever de adequação meramente aparente, a errónea convicção de isenção de conflitos de interesses ou uma tendência para a atenuação da fidúcia entre intermediário financeiro e cliente. 

A elevada sofisticação dos sistemas de IA, em geral, e dos robots advisors, em particular, tornará inviável a previsão de todos os seus possíveis comportamentos e fará com que o ser humano se depare com a inexplicabilidade do seu processo decisório. Por conseguinte, a capacidade de autoaprendizagem, ao potenciar resultados imprevisíveis, suscetíveis de gerar danos, colocará a descoberto as insuficiências do nosso ordenamento jurídico. 

Desta feita, parece-nos incontornável que, na prestação dos serviços de consultoria para investimento e de gestão de carteiras, a solução adequada para o efetivo ressarcimento dos danos causados por este tipo de robots advisors – dotados de capacidade de autoaprendizagem –, residirá na responsabilidade objetiva do intermediário financeiro.

Foi precisamente a necessidade de encontrar algumas respostas que originou a investigação realizada no âmbito do doutoramento em Direito. O estudo culminou na obra intitulada “A Inteligência Artificial na Gestão de Carteiras e na Consultoria para Investimento: Fundamento da Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro pela Utilização de Robots Advisors”, que será publicada em breve.