
José Gonçalves Machado
Professor Auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade Lusófona.
Advogado.
Investigador Integrado no Centro de Estudos Avançados Francisco Suárez.
O tema é tratado em duas obras publicadas:
Instrumentos de Recuperação de Empresas Pré-insolventes
Reflexões sobre a Conduta Devida dos Gestores na Pré-Insolvência
1. A origem dos conceitos
1.1. A situação económica difícil
A noção legal de “situação económica difícil” terá surgido, pela primeira vez, no nosso ordenamento jurídico na fase do sistema de falência-saneamento[i]. Em concreto, podemos destacar duas normas: o art. 2.º do Decreto-Lei 353-H/77, de 29 de agosto, e com mais enlevo o art. 3.º, n.º 2 do CPEREF, na redação dada pelo Decreto-Lei 315/98, de 20 de outubro.
Na primeira norma apresentava-se um elenco exemplificativo de indícios de situação económica difícil, a saber: a) A existência de responsabilidades da empresa por financiamentos concedidos por instituições de crédito nacionais, cujo montante global atingisse, pelo menos, 60% do seu ativo líquido de amortizações; b) O recurso a avales e subsídios do Estado não atribuíveis a compensação de custos sociais ou imposições de serviço público ou de interesse nacional de forma reiterada ou em montante elevado, destinados, no todo ou em parte, à cobertura de saldos negativos de exploração e não reembolsados; c) O incumprimento, sobretudo quando reiterado, de obrigações para com o Estado, a Previdência Social ou o sistema bancário.
À luz da segunda norma, considerava-se em situação económica difícil a empresa que, não devendo considerar-se em situação de insolvência (por não se encontrar impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu ativo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível[ii])[iii], indiciasse ter dificuldades económicas e financeiras, designadamente por incumprimento das suas obrigações.
Com a introdução do PER, por via da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, recupera-se a expressão “situação económica difícil”, agora definida no art. 17.º-B do CIRE nos seguintes termos: encontra-se em situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
A adequada compreensão deste renovado conceito assenta em três ideias fortes que, sinteticamente, passamos a expor. Primeira: a situação económica difícil é um status construído a partir da situação de insolvência (atual), sendo esta mais gravosa do que aquela; segunda: as circunstâncias reveladoras da situação económica difícil são, potencialmente, as mesmas que podem conduzir a uma situação de insolvência atual e devem ser apreciadas casuisticamente; terceira: o pressuposto objetivo subjacente ao CIRE assenta num conceito unitário e (suficientemente) amplo, a situação de insolvência, ainda que esta, na situação económica difícil, se manifeste num grau inferior ou apenas de forma potencial.
A doutrina[iv] e a jurisprudência[v] têm reconhecido que a noção legal de situação económica difícil não é particularmente feliz por incluir termos vagos e indeterminados, como sucede com a expressão “dificuldade séria”, e por integrar o objeto definido (“situação económica difícil”) na definição. Acresce que o legislador identifica duas hipóteses exemplificativas que, em boa medida, dizem respeito a dificuldades tipicamente financeiras e não propriamente a dificuldades de natureza económica (ou de mercado)[vi], como são a “falta de liquidez” ou o facto de a empresa “não conseguir obter crédito”, sendo que esta se traduz, na prática, numa situação de iliquidez.
Entre as causas tipicamente económicas (ou de mercado) poderemos ter, por exemplo, a falta de matéria-prima, o aumento significativo do seu custo, a quebra de receitas por perda de um cliente importante, a perturbação na estrutura ou processo de produção por algum evento externo ou por inadequação, a perda de competitividade face à entrada de novas empresas e a suspensão temporária da atividade. O que releva, em última análise, é que estejam em causa circunstâncias que se traduzam em dificuldades sérias, qualquer que seja a sua origem, económica ou financeira, que coloquem a empresa numa situação próxima da insolvência (atual) por (futura) falta de liquidez.
1.2. A situação de insolvência iminente
A situação de insolvência iminente não se encontra definida na lei, o que naturalmente dificulta a sua compreensão e a distinção da noção de situação económica difícil[vii]. Em todo o caso, o texto preambular do CIRE, conjugado com o disposto nos seus arts. 3.º, n.º 4.º, 23.º, n.º 2, al. a), e 28.º, permitem inferir, por um lado, que está em causa uma situação em que a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas ainda não se verifica (ainda não é atual), mas está próxima de acontecer e, por outro lado, que, na sua génese, tal status (a par da manutenção da administração pelo devedor prevista no art. 224.º do CIRE)constitui(em) um incentivo para que as empresas se apresentem (antecipadamente) à insolvência, tendo em vista (preferencialmente) a sua recuperação por via do plano de insolvência, pela circunstância de se encontrarem numa situação menos grave do que estariam se estivessem numa situação de insolvência atual[viii].
Catarina Serra [ix] considera que estamos perante uma situação de insolvência iminente quando “é possível prever ou antever que o devedor ficará impossibilitado de cumprir as suas obrigações num futuro próximo, designadamente quando se vencerem estas (ou algumas destas) obrigações”. Também Jorge Coutinho de Abreu[x] defende que “existe essa situação quando se antevê como provável que o devedor não terá meios para cumprir a generalidade das suas obrigações (já existentes) no momento em que se vençam”. Em sentido idêntico, Alexandre de Soveral Martins[xi] refere que existe um estado de insolvência iminente se houver uma “probabilidade de o devedor não pagar as obrigações vencidas e as obrigações atuais não vencidas no momento em que se vencerem”. Este Autor, tal como Maria do Rosário Epifânio, apoiados no direito e na doutrina alemãs, sublinham que a probabilidade é resultado de um juízo de prognose[xii], feito com base em circunstâncias objetivas, que permitam concluir que a verificação da situação de insolvência seria mais provável do que a hipótese de a evitar[xiii]. Segundo Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[xiv], na formulação desse juízo, “haverá, pois, que levar em conta a expectativa de homem médio face à evolução normal da situação do devedor”, no sentido de aferir se existem circunstâncias que, não tendo ainda conduzido à situação de insolvência atual, vão, a curto prazo e com toda a probabilidade, conduzir a esta situação, em virtude da insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[xv].
2. Origens da distinção entre conceitos
2.1. No direito português
Alguma doutrina[xvi] considera que a situação económica difícil e a situação de insolvência iminente são materialmente distintas. A primeira corresponde a um status patrimonial e financeiro menos gravoso do que ocorre na segunda. Miguel Pestana Vasconcelos[xvii] sugere que na primeira situação a empresa devedora tem uma dificuldade séria para cumprir e não é ainda previsível que vá incumprir; na segunda situação, é já previsível que a empresa devedora vai incumprir. Este entendimento é sufragado igualmente por Alexandre de Soveral Martins[xviii], para quem, na insolvência iminente, a probabilidade de ocorrer a insolvência atual é maior do que a de não se verificar essa insolvência atual, ao passo que numa situação económica difícil a probabilidade de a insolvência ocorrer é menor.
Nessa conformidade, a doutrina tende a aproximar a insolvência meramente iminente da situação de insolvência atual e a deslocar a situação económica difícil para um nível de gravidade inferior à situação de insolvência iminente. Este entendimento parece resultar, por um lado, da equiparação expressamente feita pelo legislador entre as situações de insolvência atual e insolvência iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência (artigo 3.º, n. 4, do CIRE); por outro lado, ao reservar a situação económica difícil (enquanto pressuposto material) aos mecanismos pré-insolvenciais (maxime ao PER, ao RERE e ao PEAP), o legislador (aparentemente) sugere que este conceito se afasta ligeiramente da insolvência iminente e ainda mais da insolvência atual.
Assim, a insolvência iminente seria um ponto de passagem, uma zona cinzenta, entre uma situação económica difícil e uma situação de insolvência atual.
2.2. No direito europeu
No quadro da Diretiva (UE) 2019/1023, a pré-insolvência expressa-se pelo conceito de probabilidade de insolvência que equivale, na versão inglesa, à likelihood of insolvency e, na versão alemã, à wahrscheinliche Insolvenz. Porém, em nenhum lugar da Diretiva se apresenta uma definição ou concretização clara de probabilidade de insolvência[xix]. O legislador europeu absteve-se de harmonizar este aspeto, dizendo expressamente que caberá aos Estados-Membros defini-lo[xx].
Ao percorrer a Diretiva (UE) 2019/1023 e as iniciativas legislativas que a antecederam, em particular a Recomendação 2014/135, de 12 de março, e a Proposta de Diretiva COM(2016) 723 final, de 22 de novembro, é possível retirar os traços gerais da noção que o legislador europeu teria em mente[xxi].
Começando pela Recomendação da Comissão 2014/135 [xxii], cumpre sublinhar que aí se faz referência a empresas viáveis com dificuldades financeiras ou com uma situação financeira difícil, acrescentando-se que tais dificuldades devem respeitar a uma fase precoce com vista a evitar a sua insolvência, mas devem ser de tal nível que seja provável a sua insolvência[xxiii]. Entre a situação em que existem dificuldades financeiras e o caso em que existe uma situação financeira difícil parece haver (aparentemente) uma diferença substancial. As dificuldades financeiras tout court podem existir sempre, independentemente de haver ou não uma situação próxima da insolvência. A situação financeira difícil sugere que estamos perante um estado de dificuldade acrescida e significativa. Por outras palavras: as dificuldades financeiras stricto sensu aparentam situar-se numa fase precoce e a situação financeira difícil mais próxima de um tal nível de dificuldade em que a insolvência é provável.[xxiv]
Esta aparente dualidade de situações parece ter sido mantida na Proposta de Diretiva, mas noutros termos. Nuno Pinto Oliveira[xxv], partindo do Considerando 36 da Proposta de Diretiva apresenta duas situações distintas: uma em que existem (apenas) dificuldades financeiras e outra (mais gravosa) em que (já) existe uma situação de insolvência iminente[xxvi]. Não é claro se, para o referido Autor, as meras dificuldades financeiras, a que se reporta o legislador europeu, correspondem à noção legal de situação económica difícil tal como definida no art. 17.º-B do CIRE. Certo é que as meras dificuldades financeiras representariam uma situação menos gravosa do que uma situação de insolvência iminente. Havendo apenas dificuldades financeiras, teríamos uma probabilidade simples de a insolvência vir a ocorrer; havendo uma situação de insolvência iminente, já teríamos uma probabilidade qualificada de a insolvência vir a acontecer. Para a probabilidade simples bastaria que a insolvência fosse previsível a médio ou longo prazo. Para que a probabilidade de insolvência fosse qualificada não bastaria que a insolvência fosse previsível a médio ou longo prazo, era preciso que ela fosse previsível a curto ou a curtíssimo prazo[xxvii].
Acolhendo esta divisão, os Considerandos 70 e 71 da Diretiva (UE) 2019/1023 continuam a distinguir entre dificuldades financeiras e insolvência iminente, como que sugerindo que os gestores devem adotar medidas distintas em função da gravidade da situação, designadamente quando exista uma probabilidade (de insolvência) simples ou qualificada. Porém, este entendimento não é pacífico.
3. Crítica
3.1. Perspetiva portuguesa
Na doutrina portuguesa há quem questione se existe alguma vantagem ou utilidade em fragmentar os conceitos de situação económica difícil e de insolvência iminente e defenda que os mesmos são praticamente coincidentes ou mesmo sobrepostos.
Luís Menezes Leitão refere que são conceitos “bastante próximos entre si” e “[é] difícil, por isso, efetuar uma delimitação precisa entre os dois conceitos, parecendo que as duas situações podem facilmente ser agregadas num único conceito de “pré-insolvência”, em que a empresa manifestamente se encontra em vias de atingir a situação de insolvência efetiva, se não forem atempadamente tomadas providências de recuperação” [xxviii].
Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[xxix] sustentam, por sua vez, que o legislador, por não apresentar qualquer noção legal de insolvência iminente e por não explicitar o sentido e o alcance do conceito de situação económica difícil, “acaba por fazer convergir de tal modo a situação económica difícil com a insolvência iminente que resultam praticamente coincidentes realidades”. Os Autores assumem ainda que a situação económica difícil, tendo sido apresentada pelo legislador em termos amplos e imprecisos, consome (pode consumir) a situação de insolvência iminente, entendida, em termos teóricos, como situação económica difícil agravada[xxx].
António Menezes Cordeiro parece partilhar do mesmo entendimento quando refere que “está em situação económica difícil a pessoa ou entidade que, de acordo com as regras comuns da experiência, se vá defrontar brevemente com a situação de não poder cumprir as suas obrigações”[xxxi]. Como se pode constatar, o Autor recorre à noção de situação de insolvência iminente para caracterizar a situação económica difícil. Também Catarina Serra[xxxii] admite que não é fácil distinguir os conceitos porque, na prática, correspondem (tendem a corresponder) materialmente à mesma situação.
3.2. Perspetivas alemã e inglesa (breve referência)
Para a doutrina alemã a questão também não é totalmente pacífica. Para quem a drohende Zahlungsunfähigkeit se traduz numa crise de liquidez iminente, muito próxima da insolvência, o uso da mesma terminologia para a reestruturação preventiva proposta pelo legislador europeu poderá causar estranheza[xxxiii]. Para quem a drohende Zahlungsunfähigkeit se reporta a uma fase inicial, em princípio, não terá qualquer reserva em aplicar tal conceito ao âmbito da reestruturação preventiva[xxxiv]. Considera-se, neste caso, que a forma lata com que tem sido definida e concretizada a drohende Zahlungsunfähigkeit permite que esta possa abarcar o conceito de “drohende Insolvenz” (insolvência provável) tal como é apresentado na Diretiva (UE) 2019/1023[xxxv].
No direito inglês, o conceito de likelihood of insolvency (“probabilidade de insolvência”) surge normalmente associado a uma perspetiva razoável de vir a ocorrer insolvência num prazo curto, de modo que seja, razoavelmente, possível prever a situação de insolvência[xxxvi]. Este conceito, quando comparado com a insolvência iminente, de origem tipicamente alemã, é normalmente conotado por ter uma maior elasticidade ou flexibilidade e representar uma situação menos gravosa[xxxvii].
Por essa razão, o Company Law Review Steering Group[xxxviii], responsável pela revisão da legislação societária no Reino Unido, terá, em 2001, rejeitado a introdução de um conceito de “substantial probability of an insolvent liquidation”, reforçando a sua posição com o argumento de que a sua eventual consagração seria contrária à “rescue culture”, pois poderia potenciar um tipo de gestão mais temerária que resultaria em liquidações e insolvências prematuras e desnecessárias.
Este entendimento foi, de alguma forma, acolhido recentemente na Sec. 901A (2), da Companies Act 1986, onde se prevê que está em situação de dificuldade financeira a “company has encountered, or is likely to encounter, financial difficulties that are affecting, or will or may affect, its ability to carry on business as a going concern”. Sob esta perspetiva, poder-se-á dizer que o conceito de likelihood of insolvency estaria em perfeita sintonia com a flexibilidade que uma perspetiva razoável de insolvência encerra, já que se coaduna melhor com o objetivo de incentivar os gestores a promover a recuperação atempada das empresas[xxxix].
3.3. Posição adotada
A expressão “enfrentar dificuldade séria” que encontramos na noção legal de situação económica difícil parece ser equivalente à ideia de “ameaça” que encontramos na situação de insolvência iminente. Tanto se pode dizer que o devedor enfrenta dificuldades sérias para cumprir as suas obrigações, como se pode afirmar que o devedor vive sob a ameaça de não cumprir as suas obrigações[xl]. Quer isto dizer que um devedor com problemas de liquidez, por não conseguir obter crédito e ou por outras razões, enfrenta sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações e, consequentemente, terá receio de, num curto prazo, por essas mesmas razões, ficar impossibilitado de cumprir as suas obrigações[xli].
Acresce que a situação de insolvência iminente também é um conceito suficientemente amplo capaz de abranger as situações hipoteticamente enquadráveis na noção de situação económica difícil, nomeadamente todas aquelas que se traduzem em dificuldades sérias em cumprir as obrigações, por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito. Aliás, devemos ter como admissíveis, tanto no plano teórico como no plano prático, hipóteses em que a ameaça de insolvência está presente de uma forma menos gravosa do que, abstratamente, parece pressupor a noção de “dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito” [xlii].
Assim, acompanhando a doutrina nacional supra mencionada (3.1.), parece-nos que a noção legal de situação económica difícil consome a situação de insolvência iminente e esta não deixa de compreender os casos de situação económica difícil[xliii], havendo uma sobreposição e coincidência ao nível do seu conteúdo e do seu alcance[xliv]. Não cremos que o “bom rigor” dos conceitos possa (deva) ser encontrado numa divisão que tem muito mais de aparente do que real, o que é evidenciado num estudo recente sobre o conceito de insolvência e também sobre os conceitos de insolvência provável ou iminente (“likely and iminent inability do pay debts”)[xlv]. Neste estudo conclui-se que, numa primeira abordagem, poderíamos supor que insolvência “provável” e “iminente” não são a mesma coisa; a primeira refere-se a uma probabilidade, enquanto a segunda a uma situação de urgência, sendo esta última temporalmente mais próxima da situação de insolvência atual do que a anterior. No entanto, ao analisar as legislações nacionais, verifica-se que algumas equiparam os termos “provável” a “iminente” (ou vice-versa), como sucede no §6(2) da Restrukturierungsordnung austríaca, onde se diz que existe insolvência provável se a existência da empresa estiver em risco, em particular devido incapacidade iminente de pagar as dívidas”[xlvi]. O estudo refere ainda que noutras jurisdições não se assume uma distinção entre aqueles conceitos ou não se apresenta uma distinção clara; em termos de juízo de prognose, existe um consenso generalizado de que os dois conceitos exigem uma probabilidade predominante, ou seja, uma probabilidade superior a 50 %, tendo por base os testes (critérios) da liquidez e do balanço[xlvii]. Daqui não se pode retirar que a probabilidade de insolvência ou insolvência provável não corresponde, em rigor, à insolvência iminente ou à situação económica difícil[xlviii]. Como temos defendido, o conceito de insolvência provável (ou de pré-insolvência) consome os conceitos de insolvência iminente ou de situação económica difícil que em si mesmos são materialmente sobrepostos[xlix].
Esta posição condiz melhor com a centralidade que a situação de insolvência assume enquanto pressuposto objetivo que funciona como referencial para as situações próximas da insolvência (a situação económica difícil e a insolvência iminente). Estas situações, tal como a situação de insolvência, traduzem-se, em concreto, em diferentes graus ou patamares de gravidade económico-financeira. Com efeito, não existem (ou dificilmente existem) situações de pré-insolvência ou de insolvência iguais ou exatamente coincidentes. Cada caso tem especificidades próprias que traduzem um certo grau ou patamar de gravidade económico-financeira. Assim como na situação de insolvência existem casos mais graves do que outros, também na situação de pré-insolvência existem estados mais graves do que outros. Essa diferença não é suficientemente forte ou significativa para que se atribua um nomen juris para cada grau ou patamar de gravidade. O que é significativo para efeitos de verificação do pressuposto material e objetivo em que assenta o CIRE é saber se o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (situação de insolvência) ou se proximamente ficará impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (situação próxima da insolvência).
Parece-nos que esta ideia não foi alterada com a reintrodução do conceito de situação económica difícil em 2012. No texto preambular que aprovou o atual CIRE em 2004 diz-se expressamente que este diploma assenta num único pressuposto objetivo, a insolvência, que consiste na impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, que pode ser apenas iminente quando seja o devedor a apresentar-se à insolvência ou – podemos agora acrescentar – quando o devedor pretenda recuperar-se preventivamente (através do RERE, PER ou, não sendo titular de empresa, do PEAP).
Consequentemente, do nosso ponto de vista, não é (totalmente) correto dizer-se que a introdução da “situação económica difícil” veio romper com aquela ideia de unicidade. Na verdade, mesmo o critério da superioridade do seu passivo sobre o ativo (específico da determinação da insolvência de pessoas coletivas e patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente), previsto no art. 3.º, n.º 2 e 3, do CIRE, não possui total autonomia face à situação de insolvência, apenas relevando, efetivamente, à semelhança do que sucede no direito alemão (Überschuldung, § 19.InsO), quando não seja possível ao devedor assegurar a continuação da atividade da empresa num curto prazo, por se encontrar numa situação de não retorno (e não apenas temporária ou transitória), por impossibilidade de dar cumprimento às suas obrigações por falta de meios líquidos para o efeito. [l]
Esta ideia de unicidade joga a favor de uma maior certeza e segurança no comércio jurídico[li]. Podendo concorrer diversas causas para uma futura situação de insolvência, com diferentes pesos e todas elas incertas e com interligações inseparáveis, de pouco ou nada serviria ao legislador apresentar dois conceitos distintos. Fragmentar uma realidade que é, por natureza, ampla, incerta e semelhante, seria inócuo e inconsequente sob o ponto de vista prático. Também não existe, segundo nos parece, qualquer vantagem em tentar separar aquilo que, por definição está próximo ou é mesmo coincidente e pertence a um mesmo estado, a pré-insolvência. A utilização de conceitos que expressam realidades materialmente sobrepostas ou de muito difícil diferenciação reforça o significado conjunto e coincidente, na medida em que, por termos e elementos distintos, mas equivalentes, apontam para a mesma realidade. O contrário tenderia a resultar em maior insegurança e incerteza, sem que haja qualquer razão para a sua separação.
Perante a insusceptibilidade (sobretudo prática) de distinção entre a insolvência iminente e a situação económica difícil, Catarina Serra[lii], Jorge Coutinho de Abreu[liii] e Ricardo Costa[liv] admitem que a probabilidade de insolvência a que se refere a Diretiva (UE) 2019/1023 abrange tanto a situação económica difícil como o estado de insolvência iminente. Por isso, devemos admitir, concordando com Jorge Coutinho de Abreu[lv], que a “probabilidade de insolvência” referida na Diretiva acolhe tanto o conceito de situação económica difícil, como o conceito de insolvência iminente. Ricardo Costa[lvi] partilhará do mesmo entendimento quando defende que o conceito operativo é o de insolvência provável e não de mera possibilidade e inclui no conceito operativo tanto a situação económica difícil, como a insolvência iminente[lvii]. Como bem observa Robbert Goosens[lviii], a definição da probabilidade de insolvência, tal como está estabelecida na Diretiva (UE) 2019/1023, não impõe, no caso de o devedor ser titular de uma empresa, um dever de os gestores liquidarem a empresa ou de a apresentarem à insolvência, mas precisamente o contrário. O objetivo dos regimes de reestruturação preventiva a que se refere a Diretiva é precisamente o de evitar a insolvência através da adoção atempada de medidas preventivas da insolvência que, no caso das empresas, assegurem a sua continuidade e minimizem os prejuízos para os credores[lix]. Ora, se o objetivo nestes casos passa por promover a adoção de medidas preventivas da insolvência, diríamos que os gestores devem agir logo que o grau de probabilidade seja razoável, para que ainda disponham de tempo e discricionariedade suficiente para implementar, de forma eficaz, medidas destinadas a evitar a insolvência[lx].
Em súmula, a situação económica difícil e a
situação de insolvência iminente são materialmente coincidentes, expressando
uma mesma realidade: uma situação de insolvência provável ou próxima do estado
de insolvência atual.
* O presente trabalho foi desenvolvido a partir dos escritos da nossa tese de doutoramento “A responsabilidade civil dos gestores por violação do dever de promover a negociação no âmbito dos instrumentos pré-insolvenciais de recuperação de empresas”, apresentada e defendida em provas públicas em setembro 2021, publicada em edição de autor em 2022, tendo em conta os mais recentes estudos e desenvolvimentos doutrinários, nacionais e estrangeiros.
** Professor da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa, Investigador do CEAD – Francisco Suárez e Advogado.
[i] Ver, por exemplo, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 3ª Ed., 2025, pp. 416-417.
[ii] Cfr. art. 3.º, n.º 1 do CPEREF.
[iii] A doutrina revelou-se bastante crítica deste preceito por desconsiderar a falta de liquidez como causa relevante e decisiva da situação de insolvência, enquanto impossibilidade de satisfazer obrigações que à luz das circunstâncias do caso revelem uma impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade (ou parte significativa) das suas obrigações. Neste sentido, Álvaro Lopes-Cardoso, Comentário ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, Livraria Petrony, 1994, pp. 23-25; Catarina Serra, Falências derivadas e âmbito subjetivo da falência, coleção Stvdia Iuridica, N.º 37, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 42-47; A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de créditos, Coimbra Editora, 2009, pp. 235-241; Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 2ª Ed.,Quid Juris, 1995, pp. 63-66.
[iv] Por exemplo, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., p. 48; Ana Prata / Jorge Morais Carvalho / Rui Simões, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, p. 55; Catarina Serra, «Revitalização – a designação e o misterioso objeto designado: p processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE», I Congresso de Direito da Insolvência, Edições Almedina, 2013, pp. 85-106; Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 1016, pp. 310-312; Luís Carvalho Fernandes /João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Ed., Quid Juris, 2013, p. 145; e Miguel Pestana Vasconcelos, Recuperação de empresas: processo especial de revitalização, Almedina, 2017, pp. 40-46.
[v] Por exemplo, Ac. do STJ de 27.10.2016, Proc. 741/16.0T8LRA-A.C1.S1, (José Rainho).
[vi] As dificuldades económicas referem-se normalmente aos problemas que a empresa enfrenta no mercado onde se insere e que poderão traduzir-se, por exemplo, na escassez de procura e ou na dificuldade de escoamento dos produtos, bem como na impossibilidade de fabricar os produtos com melhor qualidade ou a um preço reduzido. As dificuldades financeiras, por seu lado, dizem respeito à falta de liquidez para pagar as dívidas, seja pela incapacidade de gerar receita pelos seus próprios meios, seja pela dificuldade ou impossibilidade de obter crédito. Neste sentido, Douglas Baird, «Bankruptcy’s uncontested axioms», The Yale Law Journal, Vol. 108, Nr. 3, 1997, pp. 580- 581.
[vii] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 3ª Ed., Almedina, 2025, p.416.
[viii] Devemos notar que, além do conceito de insolvência, o nosso legislador já consagrou termos como “quebra” e “falência”. O termo “quebra” tem origem na expressão inglesa “bankruptcy” que à letra quer dizer “bancarrota”. Por sua vez, o termo “falência” deriva da expressão latina “fallens(fallentis)” que significa fingir, dissimular, induzir em erro, enganar. O primeiro termo a ser usado entre nós, no período das Ordenações do Reino, foi o de “quebra”, que viria a ser sistematizado no Código Comercial de Ferreira Borges em 1833. Com a entrada em vigor do Código das Falências de 1935, abandonou-se o conceito de “quebra” e passou a usar-se o termo “falência”, definido então como impossibilidade do comerciante em solver os seus compromissos. A “insolvência” era o termo utilizado quando estavam em causa não-comerciantes. Mais tarde o CPEREF pôs termo à distinção entre “falência” e “insolvência”, e fez aplicar o regime a todas as empresas, independentemente de serem ou não-comerciantes. A “falência” designava para ambos a “impossibilidade de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu ativo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível” (artigo 3.º, n.º do CPEREF). Seguiu-se a versão que consta no atual CIRE. Para mais desenvolvimentos, António Menezes Cordeiro, «Introdução ao Direito da Insolvência», O Direito, Ano 137.º, Vol. III, 2005, pp. 465-506; «Perspetivas evolutivas do direito da insolvência», Direito das Sociedades em Revista, Ano IV, Nr. 3, 2012, pp. 551-591; Catarina Serra, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito: o Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência no Direito Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 233-250; Falências derivadas e âmbito subjetivo da falência, Boletim da Faculdade de Direito,Studia Juridica 37, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 42-46; Pedo Sousa Macedo, Manual de Direito das Falências, Vol. I, Almedina, 1961, pp. 199 e s.
[ix] Lições de Direito da Insolvência, 3ª Ed., cit., pp. 64-65.
[x] Curso de Direito Comercial, Vol. I, 12ª Ed., Almedina, 2020, p. 135.
[xi] Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 55-56.
[xii] A deteção da situação de pré-insolvência realiza-se por meio de um juízo de prognose, isto é, através de uma operação de ponderação e estimativa. Para o efeito devem ser consideradas, pelo menos, três variáveis: o valor percentual a partir do qual se pode considerar que existe uma probabilidade (de insolvência) relevante, o tipo de teste a aplicar no apuramento da futura situação de insolvência (o teste da liquidez e do balanço), e o período de previsão em que se projeta a estimativa ou prognose. Estas variáveis têm sido discutidos com especial enfâse na Alemanha (ver, designadamente, Harald Bußhardt, «§ 17 Zahlungsunfähigkeit», «§ 18 Drohende Zahlungsunfähigkeit» e «§ 19 Überschuldung», Insolvenzordenung (InsO), 8ª Ed., C. H. Beck, München, 2020, pp. 158-189; Karsten Schmidt, Insolvenzordnung, 19.ª Ed., C.H. Beck, München, 2016, pp. 153-237; Karsten Schmidt, «Überschuldung», Die GmbH in Krise, Sanierung und Insolvenz, 5.ª Ed., Ottoschmidt, Köln, 2016, pp. 464-491; Moritz Brinkmann, «Zahlungsunfähigkeit», «Drohende Zahlungsunfähigkeit», Die GmbH in Krise, Sanierung und Insolvenz, 5.ª Ed., Ottoschmidt, Köln, 2016, pp. 441-464). Relativamente à primeira variável, é maioritariamente aceite que o valor percentual deve ser superior a 50%. Quanto à segunda variável, existe uma clara tendência para considerar o teste da liquidez (apesar de, em termos práticos, haver uma tendência para se sobrevalorizar o critério do balanço). Sobre a terceira variável, podemos dizer que o entendimento prevalecente é que o período de previsão pode variar entre 6 meses e 2 anos. Tendo em conta estas três variáveis, pretende-se que os gestores, ao acompanharem e fiscalizarem a atividade da empresa, possam prever, com antecedência, razoabilidade e relativamente segurança, que, num futuro relativamente próximo a empresa ficará impossibilitada de cumprir (ou solver) as obrigações vencidas, isto é, de ficará numa situação de insolvência atual (cfr. art. 3.º CIRE). Para mais desenvolvimentos, José Gonçalves Machado, Reflexões sobre a “Conduta Devida” dos Gestores na Pré-insolvência, Almedina, 2024, pp. 35-52; Instrumentos de Recuperação de Empresas Pré-Insolventes: Princípios Orientadores, RERE e PER, Almedina, 2023, pp. 52-68.
[xiii] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., p. 56. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª Ed., Almedina, 2019, pp. 24-25. No mesmo sentido, Miguel Pestana Vasconcelos, Recuperação de empresas: processo especial de revitalização, cit., pp. 12-38
[xiv] Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 86.
[xv] Na doutrina alemã tem-se discutido qual é (ou dever ser) o período temporal em que se projeta o juízo de prognose. Hans-Friedrich Müller («§ 64», Münchener Kommentar zum Gesetz betreffend die Gesellschaften mit beschränkter Haftung: GmbHG, cit., p. 694), por exemplo, assumindo que o prazo não pode ser definido a priori e em abstrato, refere que o período temporal deve ter em conta características específicas do setor e da empresa, bem como as obrigações existentes e os fluxos de caixa necessários para cumprir essas obrigações. Sem se afastar deste entendimento, Michael Frege / Ulrich Keller / Ernst Riedel (Insolvenzrecht, 8.ª Ed., C. H. Beck-Verlag, München, 2015, pp. 181, 189-191) dão-nos conta que a doutrina e jurisprudência alemãs maioritariamente consideram que o período de previsão deve ser de um a dois anos, de forma a contemplar o exercício fiscal do ano em curso e do seguinte. Igual posição foi defendida pela comissão de especialistas “Recht des IDW – Das Institut der Wirtschaftsprüfer in Deutschland”, considerando que em períodos mais curtos não haverá base suficiente para formular uma previsão e que em períodos mais longos a previsão sobre a provável situação de insolvência da empresa perde a objetividade e segurança exigíveis[xv] e, consequentemente, dificilmente pode ser tida como fiável, como defende Hans-Friedrich Müller («§ 64», Münchener Kommentar zum Gesetz betreffend die Gesellschaften mit beschränkter Haftung: GmbHG, 3ª Ed., Vol. 3, C. H. Beck, München, 2018, p. 692). Moritz Brinkmann («Drohende Zahlungsunfähigkeit», Die GmbH in Krise, Sanierung und Insolvenz, 5. Ed., Ottoschmidt, Köln, 2016, pp. 463), por sua vez, parece afastar-se desta perspetiva mais restritiva e admite que, em determinados casos, poderá ser possível estabelecer um juízo de prognose sobre a insolvência eminente num período de cinco anos, se, por exemplo, existir uma obrigação de elevado montante a ser reembolsada dentro desse prazo e que permite, assim, antecipar a futura insolvência, caso nada seja feito (de significativo) para alterar o curso das coisas. Por isso, o autor considera que não há razão para se postular um limite absoluto de um, dois ou no máximo três anos quando a lei não o prevê. Esta posição é apoiada por importantes estudos desenvolvidos no domínio das ciências económico-financeiras, como é o caso do trabalho realizado por William Beaver («Financial Ratios as Predictors of Failure», Journal of Accounting Research, Vol. 4, 1966, pp. 71-111), em que se conclui que a situação de insolvência, nalguns casos, pode ser prevista com a antecedência de cinco anos. Com a alteração recentemente promovida pela SanInsFoG, passou a estar consagrado um período de previsão é de 24 meses para efeitos de determinação da situação de insolvência iminente. Porém, tal regra não é absoluta, conforme sustenta, por exemplo, Moritz Brinkmann, «Drohende Zahlungsunfähigkeit», cit., p. 463. As circunstâncias do caso poderão justificar um período diferente, entre três semanas, no mínimo, um a dois anos, no máximo. Entre nós tem sido, maioritariamente, defendia a aplicação de um critério “afinado no caso concreto” por se considerar que não é possível determinar com rigor o período temporal (cfr. Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., p. 57, nota 39; Ana Filipa Conceição, «A noção de insolvência iminente – Breve análise da sua aplicação à insolvência de consumidores em Espanha e Portugal», Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, Nr. 23, 2013, p. 34; Mária do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., p. 31; e Pedro de Albuquerque, «Declaração da situação de Insolvência», O Direito, Ano 137.º, Vol. III, 2005, p. 513, nota 22).
[xvi] Neste sentido, por exemplo, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 54-60, 511-512; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, cit., pp. 310-312; e Miguel Pestana Vasconcelos, Recuperação de empresas: processo especial de revitalização, cit., pp. 42-43.
[xvii] Recuperação de empresas: processo especial de revitalização, cit., p. 43.
[xviii] Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 54-60, 511-512; Administração de sociedades anónimas e responsabilidade dos administradores, Almedina, 2020, pp. 344-345.
[xix] Esta posição tem suscitado alguma crítica por contrariar o objetivo de harmonização. Neste sentido, por exemplo, Bob Wessels / Stephan Madaus, Rescue of Business in Insolvency Law, European Law Institute, Vienna, 2017, p. 166; Gaia Balp, «Early Warning Tools at the Crossroads of Insolvency Law and Company Law», Bocconi Legal Studies, Research Paper Nr. 3010300, 2018, p. 31; Horst Eidenmüller, «Contracting for a European Insolvency Regime», European Business Organization Law Review, Vol. 18, Nr. 2, 2017, p. 279; Nicolaes Tollenaar, «The European Commission’s Proposal for a Directive on Preventive Restructuring Proceedings», Insolvency Intelligence, Vol. 30, Nr. 5, 2017, p. 71; Robert Freitag, «Grundfragen der Richtlinie über präventive Restrukturierungsrahmen und ihrer Umsetzung in das deutsche Recht», Zeitschrift für Wirtschftsrecht, Nr. 12, 2019, pp. 542-543; e Robbert Goosens, «The European Initiative on the Harmonisation of Directors’ Duties in the Vicinity of Insolvency», Nottingham Insolvency and Business Law e-Journal, Vol. 5, Nr. 4, 2017.
[xx] Art. 2.º, n.º 2, al. b) da Diretiva 2019/1023/UE. Note-se que no art. 1.º, n.º 2, § 2, do Regulamento (UE) 2015/848, relativo aos processos de insolvência, faz-se também uma referência à “probabilidade de insolvência”, mas nenhuma definição é apresentada.
[xxi] Neste sentido, Francisco Garcimartin, «Article 4 – Availability of preventive restructuring frameworks», cit., pp. 85-96.
[xxii] Note-se que, por via da Legge Delega 155/2017 del 19 ottobre, o legislador italiano impunha que se tivesse em conta a legislação europeia e, em particular a Recomendação da Comissão 2014/135/EU, de 12 de março (art. 1.º, n.º 2), e que se introduzisse uma definição do stato di crisi (art. 2.º, n.º 1, al. c)), entendida como a probabilidade de futura insolvência, levando também em consideração os cálculos da ciência empresarial. Em consequência, com o Decreto Legge n. 14/2009 del 12 gennaio, passou estabelecer-se que no art. 2.º, n.º 1, al. a) do Codice della Crisi d’Impresa e dell’Insolvenza passaria a estar consagrada uma definição legal de crise, entendida como estado de dificuldade económico-financeira que torne provável a insolvência do devedor e que para as empresas se manifeste em fluxos de caixa (futuros) inadequados para o cumprimento regular das obrigações previstas (tradução livre de “stato di difficolta’ economico-finanziaria che rende probabile l’insolvenza del debitore, e che per le imprese si manifesta come inadeguatezza dei flussi di cassa prospettici a far fronte regolarmente alle obbligazioni pianificate”). Com o Decreto legislativo n. 147/2020 del 26 ottobre, através do qual foram introduzidas disposições suplementares e retificativas designadamente do Decreto Legge n. 14/2009 del 12 gennaio, substitui-se a expressão “difficoltà” (“economico-finanziaria”) por “squilibrio” (“economico-finanziario”) por se considerar que este termo é, segundo os parâmetros das ciências empresariais, mais adequado, e altera-se ainda o art. 13.º relativo aos indicadores da crisi, passando a constar que a mesma deverá ser detetada por meio de indícios específicos – tendo por base os fluxos de caixa que a empresa consegue gerar, a insuficiência de recursos para fazer face às obrigações existentes e ou os atrasos reiterados e significativos nos pagamentos – que evidenciem a insustentabilidade das dívidas por um período de, pelo menos, seis meses e a ausência de perspetivas de continuidade de negócios para o ano em curso ou, quando este for inferior a seis meses, nos seis meses seguintes. Para mais desenvolvimentos sobre o impacto da legislação europeia em matéria de reestruturação preventiva no ordenamento jurídico italiano, Alessandro Nigro, «La proposta di direttiva comunitaria in materia di disciplina della crisi delle imprese», Rivista del diritto commerciale e del diritto generale delle obbligazioni, Vol. 115, Nr. 2, 2017, pp. 201 ss; Andréa Zorzi, «Concordato con continuità e concordato liquidatorio: oltre le etichette», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 95, Nr. 1, 2020, pp. 58-83; Filippo Lamanna, «La corretta definizione di “crisi” e di “indici della crisi” secondo il primo Correttivo al Codice della crisi e dell’insolvenza», Il Fallimentarista, 2020; Francesco D’Angelo, «Il concordato preventivo con continuità aziendale nel nuovo codice della crisi e dell’insolvenza», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 95, Nr. 1, 2020, pp. 27-57; Lorenzo Stanghellini, «La Proposta di Direttiva EU in materia di Insolvenza», Il Fallimento, Vol. 39, Nr. 8-9, 2017, pp. 873-879; Luciano Panzani, «La proposta di Direttiva della Commissione UE: early warning, ristrutturazione e seconda chance», Fallimento, Soluzioni Negoziate della Crisi e Disciplina Bancaria: dopo le Riforme del 2015 e del 2016, Zanichelli Editore, Bologna, 2017, pp. 1087 s.; «Il preventive restructuring framework nella Direttiva 2019/1023 del 20 giugno 2019 ed il codice della crisi. Assonanze e dissonanze», Approfondimenti, 14/10/2019, pp. 1-29; «La riforma delle procedure concorsuali: arriva il decreto corretivo», Approfondimenti, 22/10/2019, pp. 1-7; Maria Cecilia Cardarelli, «Insolvenza e stato di crisi tra scienza giuridica e aziendalistica», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 94, Nr. 1, 2019, pp. 11-31; Massimo Bianca, «I nuovi doveri dell’organo di controllo tra Codice della crisi e Codice civile», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 94, Nr. 6, 2019, pp. 1339-1363; Renato Santagata, «Concordato preventivo ‘meramente dilatorio’ e nuovo ‘Codice della crisi e dell’insolvenza’», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 94, Nr. 2, 2019, pp. 333-363; Paolo Costanzo / Alberto Canclini / Francesco Carnevali, Rischio d’impresa e early warning. Legge 155/2017: nuova e vecchia normativa a confronto, EGEA, Milano, 2019; Patrizia de Cesari / Galeazzo Montella, Il nuovo diritto europeo della crisi d’impresa: Il regolamento UE n. 2015/848 relativo alla procedura di insolvenza, Giappichelli Editore, Torino 2017; Sabrina Masturzi, «Le misure di prevenzione della crisi e i controlli nel sistema dell´allerta», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 95, Nr. 5, 2020, pp. 1067-1101; Sante Casonato, «Allerta interna, allerta esterna e tecnocrazia della crisi d’impresa», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 94, Nr. 6, 2019, pp. 1390-1418; Stefania Pacchi, «La ristrutturazione dell’impresa come strumento per la continuità nella direttiva del parlamento europeo e del consiglio 2019/1023», Il Diritto Fallimentare e delle Società Commerciali, Vol. 94, Nr. 6, 2019, pp. 1259-1294; Stefano Ambrosini / Cesare Trapuzzano, Codice del fallimento e delle procedure concorsuali. Annotato con dottrina, giurisprudenza e formule, Neldiritto Editore, Molfetta, 2019.
[xxiii] Considerandos 1 e 16 e Pontos 1., 5. a) e 6. a) da Recomendação da Comissão 2014/135/EU, de 12 de março de 2014. Para mais desenvolvimentos, Gerard McCormack / Andrew Keay / Sarah Brown, European Insolvency Law Reform and Harmonization, Edward Elgar Publishing, Cheltenham 2017, pp. 225-362.
[xxiv] Francisco Garcimartin («Article 4 – Availability of preventive restructuring frameworks», European Preventive Restructuring, Directive (EU) 2019/1023, Article-by-Article Commentary, C. H. Beck, München, 2021, p. 91) refere que entre a distância mínima e máxima à situação de insolvência efetiva, o legislador europeu confere grande flexibilidade aos Estados-Membros. Porém, estes não podem perder de vista que a ideia de que a aplicação de princípios próprios de um processo de insolvência só se justificam quando a insolvência é inevitável, a menos que algo seja feito. Por conseguinte, o autor sugere que deve existir uma probabilidade forte de a insolvência se verificar (ibidem, p. 91). Para o efeito, Reinhard Dammann («Article 1 – Subject matter and scope», European Preventive Restructuring, cit., p. 38) sugere que deve haver uma “medium-term liquidity situation”, que não seja uma mera hipótese, mas uma probabilidade séria.
[xxv] «Responsabilidade civil dos administradores pela violação do dever de apresentação à insolvência», Revista de Direito Comercial, 2018, pp. 612-613.
[xxvi] Esta distinção resulta com clareza do Considerando 36 quando se começa por dizer que “[s]e uma empresa enfrentar dificuldades financeiras, os administradores devem tomar medidas no sentido de procurar aconselhamento profissional (…)” e, em seguida, se acrescenta que “[c]aso o devedor esteja numa situação de insolvência iminente, importa também proteger os interesses legítimos dos credores (…)”. A natureza e conteúdo das medidas associadas a cada uma das situações vem corroborar que, de facto, a segunda situação é mais gravosa do que a primeira. Deve ainda notar-se que a mesma ideia perpassa na versão alemã e inglesa, só para citar dois exemplos: no primeiro caso as expressões são “[w]enn ein Unternehmen in finanzielle Schwierigkeiten gerät (…)” e “[w]enn dem Schuldner die Insolvenz droht (…)”; no segundo as expressões são “[w]here the enterprise experiences financial difficulties (…)” e [w]here the debtor is in the vicinity of insolvency (…)”.
[xxvii] Nuno Pinto Oliveira («Responsabilidade civil dos administradores pela violação do dever de apresentação à insolvência», cit., p. 611) considera que, no primeiro caso (probabilidade simples), os gestores estariam vinculados a um dever genérico de tomar medidas imediatas para minimizar as perdas de todas as partes interessadas. No segundo caso (probabilidade qualificada), os gestores estariam vinculados a um dever específico de adotar medidas, imediatas e não imediatas, tendo em consideração acrescida ou reforçada os interesses legítimos dos credores.
[xxviii] A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2019, p. 12. O Autor acrescenta, noutra passagem, que “parece que todos os casos em que o devedor inicia um processo de revitalização poderiam constituir igualmente casos de apresentação do devedor à insolvência” («A responsabilidade pela abertura indevida do processo especial de revitalização», II Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, pp. 145-146).
[xxix] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 146.
[xxx] Ibidem, p. 147.
[xxxi] «O princípio da boa-fé e o dever de renegociação em contextos de “situação económica difícil”», II Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, p. 65.
[xxxii] «Revitalização – a designação e o misterioso objeto designado…, cit., pp. 89-90.
[xxxiii] Jürgen Neuberger («Überschuldung abschaffen? Überschuldung stärken! Warum und wie der Überschuldungstatbestand beibehalten werden sollte», Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, Nr. 33, 2019, pp. 1549 s.) propõe a abolição do conceito de insolvência iminente (drohende Zahlungsunfahigkeit) e defende uma redefinição da Überschuldung, deixnado de ser fundamento do dever de apresentação à insolvência, de modo a dar preferência, efetiva, à restruturação preventiva. Christoph Alexander Jacobi («Das Präventive Restrukturierungsverfahren», Zeitschrift für das gesamte Insolvenz- und Sanierungsrecht, Vol. 20, Nr. 1/2, 2017, pp. 5-6) não vai tão longe, mas considera que o conceito de drohende Zahlungsunfahigkeit é demasiado próximo da situação de insolvência e isso contraria o objetivo de recuperação preventiva.
[xxxiv] Olaf Spiekermann, «Die Implementierung des EU-Restrukturierungsverfahrens…», cit., p. 431; e Robert Freitag, «Grundfragen der Richtlinie über präventive Restrukturierungsrahmen…», cit., pp. 545-546 e 550-552.
[xxxv] Aa.Vv., Insolvenzordnung, Heidelberger Kommentar, cit., pp. 220-221.
[xxxvi] Este tem sido o entendimento maioritário da jurisprudência inglesa, de que são exemplo os casos Re Purpoint Ltd [1991] B.C.C. 121 e Re Rod Gunner Organisation [2004] B.C.L.C. 110, apontados por Robbert Goosens, «The European Initiative on the Harmonisation of Directors’ Duties in the Vicinity of Insolvency», cit., nota 44.
[xxxvii] Aa.Vv., «Business judgement and director accountability: a study of case-law over time», Journal of Corporate Law Studies, Vol. 20, Nr. 2, 2019, pp. 359-387; Aa.Vv., «The European Union preventive restructuring framework: A hole in one?», International Insolvency Review, Vol. 28, Nr. 2, 2019, pp. 199-203; Robbert Goosens, «The European Initiative on the Harmonisation of Directors’ Duties in the Vicinity of Insolvency», cit.; e Tetyana Bersheda, «Insolvency Act 1986, Section 214: A Model for the European Intiative on Wrongful Trading?, Cambridge Student Law Review, Vol. 1, 2005, pp. 63-73.
[xxxviii] Modern Company Law for a Competitive Economy – Final Report, Vol. I, Department of Trade and Industry, London, 2001, pp. 44-45. Para mais desenvolvimentos, Eilís Ferran, «Company Law Reform in the United Kingdom: A Progress Report», Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, Vol. 69, Nr. 4, 2005, pp. 629-657; e Tetyana Bersheda, «Insolvency Act 1986, Section 214…», cit., pp. 63-73.
[xxxix] Andrew Keay («The shifting of directors’ duties in the vicinity of insolvency», International Insolvency Review, Vol. 24, Nr. 2, 2015, p. 153) realça que o carácter aberto e relativamente impreciso da pré-insolvência não é necessariamente negativo. A lei pode, propositadamente, não ser prescritiva e conferir maior espaço para se adaptar às circunstâncias.
[xl] Repare-se que a ideia de “cumprir pontualmente as suas obrigações” é inerente à ideia de “cumprir as suas obrigações vencidas”, uma vez que o cumprimento das obrigações vencidas pressupõe que a sua satisfação ocorra no tempo devido. Segundo Luís Carvalho Fernandes / João Labareda (Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, cit., pp. 83-84) “não interessa somente que (ainda) se possa cumprir num momento futuro qualquer; importa igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente”. Nesse sentido, a referência à “impossibilidade de cumprir obrigações vencidas – e, logo, exigíveis – é suficiente para justificar a necessidade da pontualidade na atuação do devedor”. Como tal, a referência à pontualidade seria não só desnecessária como também redundante.
[xli] Neste sentido, Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 146-147; Luís Menezes Leitão, A Recuperação Económica dos Devedores, cit., p. 12; e António Menezes Cordeiro, «O princípio da boa-fé e o dever de renegociação em contextos de “situação económica difícil”», cit., p. 65.
[xlii] Pensemos, por exemplo, na hipótese de haver um conjunto de obrigações que se vencem no prazo de dois ou três anos e que, pela sua grandeza, permite já antever, à distância de dois, três ou quatro anos, que a empresa poderá ficar insolvente se nada for feito para reverter o rumo das coisas. Esta situação é (poderá ser) certamente menos gravosa do que uma hipótese em que a empresa enfrenta (no presente) dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou não obtenção de crédito. Em boa verdade, a não obtenção de crédito é (poderá ser) um indício muito forte de que a empresa estará à beira da insolvência, uma vez que a concessão de crédito é, normalmente, precedida de uma análise cuidada da informação contabilística e da capacidade de liquidez. Portanto, se uma empresa não consegue obter financiamento podem e devem “soar os alarmes” pois a empresa não estará muito longe da insolvência.
[xliii] Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 147.
[xliv] A respeito da situação de insolvência Karsten Schmidt («Interaction of Corporate Law and Insolvency Law: German Experience and International Background», cit., p. 131-133; Insolvenzordnung, cit., p. 236-237; «Überschuldung und Insolvenzantragspflicht nach dem Finanzmarkt-stabilisierungsgesetz», Der Betrieb, 2008, Nr. 45, p. 2467-2471), por exemplo, recusa a ideia de que uma definição clara e perfeitamente delimitada da situação de insolvência, considerando-a meramente ilusória e irrealista. Para o autor, a experiência demonstra que a análise da situação financeira e a previsão de continuidade devem inserir-se no quadro de uma certa discricionariedade e autonomia de decisão dos gestores. Esse poder discricionário concedido aos gestores deve incluir uma certa amplitude ou margem de decisão relativamente indefinida que serve para colmatar a falta de exatidão de qualquer previsão e para evitar que os gestores possam ser responsabilizados nos casos de incumprimento meramente negligente do dever de apresentação à insolvência, designadamente quando, no seu entender, havia fortes probabilidades (condições objetivas) de a empresa se manter em atividade.
[xlv] Reinhard Bork / Michael Veder / Ben Shuijling (Org.), Definition of Insolvency: Proposals of Harmonisation in the European Union, Intersentia, 2024, pp. 55-62.
[xlvi] Ibidem, p. 56.
[xlvii] Ibidem, pp. 57-61.
[xlviii] Cfr. Catarina Serra, “Dever de prevenção da insolvência e (des)responsabilização dos administradores de sociedades”, Revista de Direito Comercial, 2023-02-08, 2023, p. 368.
[xlix] José Gonçalves Machado, Reflexões sobre a “Conduta Devida” dos Gestores na Pré-insolvência, Almedina, 2024, pp. 35-52; Instrumentos de Recuperação de Empresas Pré-Insolventes: Princípios Orientadores, RERE e PER, Almedina, 2023, pp. 52-68.
[l] Em sintonia com esta posição, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido que advérbio “manifestamente” referido no art. 3.º, n.º 2 do CIRE deve ser interpretado como elemento de intensidade, isto é, como superioridade evidente, substancial, clamorosa e não como uma excedência ou superioridade meramente contabilística; assim, estaria em causa uma superioridade substancial, tendencialmente grave e duradoura, que, previsivelmente, levará a uma situação de iliquidez. Neste sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª Ed., Almedina, pp. 52-53; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 3ª Ed., pp. 60-64; Filipe Cassiano dos Santos / Hugo Duarte Fonseca, «Pressupostos da declaração de insolvência no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa», Cadernos de Direito Privado, Nr. 29, 2010, p. 24; Luís Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Ed., Quid Juris, 2015, p. 88; Manuel Requicha Ferreira, «Estado de Insolvência», Direito da Insolvência, Estudos, Coimbra Editora, 2011, p. 286; Maria de Fátima Ribeiro, «A responsabilidade de gerentes e administradores pela atuação na proximidade da insolvência da sociedade», O Direito, Ano 142, Nr. 1, 2010, pp. 81-83; e Miguel Pestana Vasconcelos, Recuperação de empresas: processo especial de revitalização, Almedina, 2017, p. 51. Na jurisprudência ver, nomeadamente, Ac. do TRE de 07.03.2013, Proc.785/12.1T2STC.E1 (Maria Alexandra Santos) sustenta-se que “a relação entre o activo e o passivo não se basta com qualquer défice do activo. Exige-se uma desconformidade significativa, traduzida na superioridade manifesta, expressiva, do passivo sobre o activo”). Do mesmo Tribunal, Ac. de 03.07.2008, Proc. 928/08-3 (Tavares de Paiva) onde se refere que o “estado de falência [existe] quando é patente ser o activo insuficiente para liquidar o passivo”. No Ac. do TRC de 16.03.2016, Proc. 953/14.1T8ACB.C1 (Maria João Areias) refere-se ainda que “o estado de ‘impossibilidade de cumprimento das suas obrigações vencidas’, em que se concretiza a situação de insolvência do devedor, não prescinde da análise da relação entre o ativo e o passivo do devedor”.
[li] João Baptista Machado (Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Almedina, 2007, pp. 55-59) ensina que a certeza e a segurança jurídicas são dois imperativos contidos na própria ideia de direito e que a segurança jurídica aparece-nos sob a forma de certeza jurídica, entendida “como conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta”. De facto, quem estiver colocado na posição de ter que acompanhar e avaliar a situação financeira da empresa, por um lado, e de desenvolver os esforços necessários a evitar a insolvência, por outro, não ficará assombrado e inquieto com as quezílias inerentes à incerteza e indefinição de uma eventual precedência da situação económica difícil em relação à situação de insolvência iminente. Para essa pessoa (que normalmente será o gestor) é mais seguro e claro saber que a situação económica difícil e a insolvência eminente são uma e a mesma coisa e que se traduzem numa tarefa muito precisa: saber, com a antecedência possível, se existem razões ou ameaças sérias e objetivas que, a curto prazo, coloquem em causa a continuidade da empresa se nada for feito. O papel de quem é (ou pode ser) chamado a apreciar a sua conduta (designadamente, os sócios, os credores e até os tribunais) fica também mais clarificado. Trata-se de aferir se a empresa, de facto, apresenta sinais sérios de degradação económico-financeira que justifiquem uma rápida recuperação de forma a evitar a insolvência.
[lii] «O dever de prevenção da insolvência na perspectiva dos deveres fundamentais dos administradores (a crescente encruzilhada do Direito das Sociedades e do Direito da Insolvência)», cit., pp. 171-175.
[liii] «Administradores e (novo?) dever geral de prevenção da insolvência», cit., p. 229.
[liv] «Gestão das Sociedades em Contexto de “Crise da Empresa”», cit., p. 178.
[lv] «Administradores e (novo?) dever geral de prevenção da insolvência», cit., p. 229.
[lvi] «Gestão das Sociedades em Contexto de “Crise da Empresa”», cit., p. 178.
[lvii] Sublinhe-se que a tarefa de deteção da situação insolvência (provável ou atual) deverá, necessariamente, ter por base os melhores conhecimentos e critérios em uso no domínio das ciências económico-financeiras. Pois, tal como salienta Vanessa Finch («The Recasting of Insolvency Law», The Modern Law Review, Vol. 68, Nr. 5, 2005, p. 150), ao remeter, expressa ou implicitamente para as normas de contabilidade, adiantando poucos detalhes sobre os critérios jurídicos a aplicar, o legislador exige que a apreciação jurídica da situação de insolvência ou de pré-insolvência fique altamente dependente dos peritos das ciências económico-financeiras, onde podemos incluir os contabilistas e os economistas. O que faz com que a deteção da situação de insolvência ou de pré-insolvência seja objeto de intenso debate em torno das fórmulas de cálculo desenvolvidas e aplicadas pelos profissionais do domínio das ciências económico-financeiras, tal como evidenciam vários estudos que têm sido realizados sobre a matéria (destcamos os contributos de Edward Altman, «Financial ratios, discriminant analysis and the prediction of corporate bankruptcy», The Journal of Finance, Vol. 23, Nr.4, 1968, p. 589–609, e William Beaver, «Financial Ratios as Predictors of Failure», cit., pp. 71-111)).
[lviii] «The European Initiative on the Harmonisation of Directors’ Duties in the Vicinity of Insolvency», cit.
[lix] Neste sentido, José Gonçalves Machado, O dever de promover a negociação e a responsabilidade civil dos gestores no âmbito dos instrumentos pré-insolvenciais de recuperação de empresas, ML Books,2022, pp. 33 e s.
[lx] Tem sido reconhecido que a solução europeia se inspirou no regime inglês da wrongful trading. Neste sentido, Casten Gerner-Beuerle / Philip Paech / Edmund Philip Schuster, Study on directors’ duties and liability, Department of Law – London School of Economics, London, 2013, pp. 208 e s.; Report of the Group on a Modern Regulatory Framework for Company Law in Europe, Brussels, 4 November, 2002, p. 92, Modernising Company Law and Enhancing Corporate Governance in the European Union – A Plan to Move Forward’ COM(2003) 284 final 23; Robbert Goosens, «The European Initiative on the Harmonisation of Directors’ Duties in the Vicinity of Insolvency», cit.; e Thomas Bachner, «Wrongful Trading – A New European Model for Creditor Protection», European Business Organization Law Review, Vol. 5, 2004, pp. 293-319.
