Jorge Morais Carvalho

Professor da NOVA School of Law e Diretor do NOVA Consumer Lab.


Consulte a sua obra neste link.


O artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que regula a compra e venda e o fornecimento de conteúdos e serviços digitais para consumo, tem como epígrafe “direito de rejeição” e estabelece que, “nos casos em que a falta de conformidade se manifeste no prazo de trinta dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato”.

Apesar de constituir uma novidade no direito português, a figura do direito de rejeição não é, no entanto, original. Tem a sua origem no direito inglês (right to reject). O art. 3.º-7 da Diretiva (UE) 2019/771 autoriza os Estados-Membros a permitir que “os consumidores escolham um meio de ressarcimento específico caso a falta de conformidade dos bens se manifeste dentro de um prazo curto após a entrega, que não deve exceder trinta dias”. No considerando 19 da Diretiva, desenvolve-se o âmbito desta autorização, esclarecendo-se que estão em causa “as disposições nacionais que prevejam o direito de o consumidor rejeitar os bens com defeito e denunciar o contrato, ou de solicitar a substituição imediata”. Apesar de o Reino Unido ter, entretanto, abandonado a União Europeia e, portanto, ter deixado de ter o dever de transpor as diretivas europeias, a norma manteve-se e foi aproveitada por alguns Estados-Membros. Portugal foi um desses países.

A circunstância de se tratar de uma das principais inovações do DL 84/2021, em comparação com o regime anterior (DL 67/2003), não levou a que o tema fosse até hoje abordado com profundidade em Portugal. Tal levou a que procedesse a um estudo aprofundado da figura, publicado pela Almedina, com o título “Direito de Rejeição – Um Novo Direito do Consumidor”.

Na obra, começo por fazer um enquadramento do direito de rejeição no âmbito do DL 84/2021. De seguida, analiso os pressupostos do direito de rejeição e das regras relativas ao seu exercício e respetivos efeitos. Investigo depois a forma como o instituto se encontra consagrado noutros ordenamentos jurídicos, em especial no direito inglês, mas também em direitos que incluíram o direito de rejeição na sua legislação, tentando perceber se existem semelhanças e diferenças em comparação com o direito português. Segue-se o estudo breve das características principais de algumas figuras potencialmente próximas da rejeição, como, entre outras, a rejeição da proposta contratual, a recusa da prestação, o direito de arrependimento, a rejeição da obra no regime geral do contrato de empreitada, a rejeição da coisa na CISG e nos PECL e a resolução do contrato no regime das viagens organizadas, com o objetivo de concluir se a figura é reconduzível a alguma delas. Segue-se uma síntese dos fundamentos e da natureza jurídica do direito de rejeição, respondendo-se, entre outros aspetos, à questão de saber se se trata de um direito novo e autónomo. Por fim, analiso a relação entre o direito de rejeição e os princípios fundamentais do Direito do Consumo: transparência, lealdade, reflexão, equilíbrio, conformidade, solvabilidade, orientação para o mercado e para a inovação e orientação para o consumo sustentável.

Sem prejuízo da necessidade de uma leitura global para compreensão das questões suscitadas e do impacto da figura, concluo na obra que Portugal é o único país em que o direito de rejeição constitui uma figura relevante e distintiva do direito do consumo. Noutros países, como o Reino Unido, a Irlanda ou Chipre, trata-se de uma figura geral do direito dos contratos, que se encontra igualmente prevista em matéria de direito do consumo, permitindo que o consumidor não seja mais protegido pelo regime geral do que pela legislação de consumo.

O direito de rejeição constitui um direito potestativo do consumidor, com duas vertentes. Cabe ao consumidor a escolha entre a imediata substituição da coisa ou a resolução do contrato de imediato.

O exercício do direito de rejeição gera na esfera jurídica do consumidor e do profissional novos direitos e obrigações, que variam, em parte, em função da decisão tomada pelo consumidor no sentido de exigir a imediata substituição da coisa ou de resolver o contrato de imediato. O consumidor tem sempre como obrigação principal a restituição ao profissional da coisa desconforme. Já o profissional terá a obrigação principal de entregar imediatamente a nova coisa ao consumidor ou de reembolsar o consumidor dos pagamentos efetuados, conforme se trate, respetivamente, de substituição ou de resolução do contrato. O reembolso abrange todos os valores recebidos, incluindo os que não digam diretamente respeito à coisa, como os relativos à entrega ou à instalação.

O direito de rejeição visa salvaguardar o princípio da conformidade, princípio fundamental do direito do consumo. Parece, no entanto, exceder o necessário para a salvaguarda desse princípio, constituindo uma solução que pode colocar em causa o princípio da orientação para o mercado e a inovação. Este aspeto é particularmente relevante se tivermos em conta o mercado único europeu, no qual se pretende que as diferenças de regime entre os Estados-Membros sejam justificadas e proporcionadas. Ora, não tendo a figura qualquer tradição em Portugal, pode colocar-se em causa a sua consagração no nosso direito.

Esta conclusão torna-se ainda mais evidente no confronto com o princípio da orientação para o consumo sustentável, que se orienta atualmente com clareza para soluções que passem pela reparabilidade das coisas, privilegiando-se, no que respeita ao regime da compra e venda, a reparação em detrimento da substituição ou da resolução. Na União Europeia, a razão de ser da Diretiva (UE) 2024/825 (capacitação dos consumidores para a transição ecológica) e da Diretiva (UE) 2024/1799 (promoção da reparação de bens), que visam incentivar a reparação e a circularidade das coisas, parece ser incompatível com um direito de rejeição, pelo menos na vertente de imediata substituição da coisa, que torna a substituição uma opção (muito) mais benéfica para o consumidor.