Natalina Gonçalves Hermano
Mestre em Direito e Prática Jurídica – Direito Comercial Internacional, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).
Pós-Graduada em Direito da Arbitragem, pelo Centro de Investigação de Direito Privado (FDUL).
O Amicus Curiae na Arbitragem de Investimento é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a partir de 21 de Março de 2024.
A pouco mais de um mês de se marcar um ano desde a defesa em provas públicas da Dissertação de Mestrado em Direito Comercial Internacional, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, publica-se a obra que naquela se baseia: intitula-se O Amicus Curiae na Arbitragem de Investimento.
O amicus curiae é uma figura que, em si, guarda uma ambiguidade caraterística. A designação latina significa literalmente “amigo do Tribunal” e é isso mesmo que pretende ser: um terceiro que, não sendo Parte, procura participar no processo, com vista ao esclarecimento de determinado aspeto. Ou seja, a sua função é assistencial na sua essência.
No fundo, o amicus visa auxiliar o Tribunal na tomada de decisão, fornecendo-lhe informação nova, de modo a ampliar a sua perspetiva em relação a questões sensíveis, que amiúde envolvem o contexto em que surgiu o litígio. Deste modo, a participação do amicus visa evitar que o Tribunal profira uma decisão equivocada ou incompleta.
Efetivamente, o amicus pretende servir de ponte entre o Tribunal e aqueles potencialmente afetados pela decisão. Isto porque não são raras as ocasiões em que o amicus procura chamar a atenção para controvérsias de cariz social, económico e político, bem como de questões relacionadas com a proteção ambiental e de direitos humanos, presentes no enquadramento mais lato em que se localiza o litígio. A ideia é a de que o Tribunal esteja ciente de todos os factos relevantes e das consequências futuras da sua decisão, que se repercutirão além das Partes litigantes.
Posto isto, este é o momento em que a ambiguidade começa a revelar-se e em que se tornam evidentes as dificuldades em traçar um perfil concreto do amicus curiae. Apresentar uma definição cabal da figura, determinar-lhe a origem ou elencar as funções por ela desempenhadas, por exemplo, demonstram a inatenção com que a figura tem sido tratada, não obstante a sua longevidade temporal. De facto, o amicus marca presença sobretudo pela via prática, pela jurisprudência e é esta que informa a evolução das regras que lhe são aplicadas. Ainda assim, esta indefinição confere-lhe versatilidade, dinamismo e flexibilidade, o que lhe permite sobreviver e adaptar-se em diversos sistemas ao longo do tempo.
Um dos domínios em que o amicus se tem revelado particularmente presente, nas últimas duas décadas, é o da Arbitragem de Investimento. Este mecanismo de resolução de litígios tem visto a sua legitimidade colocada em causa e a relativa ascensão do amicus tem acompanhado esta crise existencial, sendo apontado como possível solução para a mesma[1]. Isto prende-se com o facto de a Arbitragem de Investimento poder ser considerada um mecanismo inadequado para a resolução de certo tipo de disputas, cujas ramificações vão muito além do diferendo que opõe as Partes. Coincidentemente, é neste âmbito que o amicus procura intervir.
Não obstante, na prática, apurar a medida do sucesso ou insucesso da participação do amicus é tarefa complicada[2], uma vez que a decisão última recai no âmbito da discricionariedade do Tribunal Arbitral e este é amiúde esparso na clarificação do seu pensamento neste domínio.
Pelo que é para clarificar este e outros
aspetos e averiguar em que medida o amicus
curiae cumprirá o seu desígnio, que convidamos agora à leitura da obra O Amicus Curiae na Arbitragem de Investimento.
[1] Neste sentido, leia-se BRUNNER, Lukas (2022), Can Amicus Curiae Lead Investor-State Arbitration out of its Legitimacy Crisis and Towards More Efficient Dispute Resolution?, Kluwer Arbitration Blog, julho de 2022, disponível em https://arbitrationblog.kluwerarbitration.com/2022/07/15/can-amicus-curiae-lead-investor-state-arbitration-out-of-its-legitimacy-crisis-and-towards-more-efficient-dispute-resolution/ (consultado em 20 de fevereiro de 2024), em que se pesam as implicações positivas e negativas da participação do amicus curiae na Arbitragem de Investimento e em que se avalia o seu impacto efetivo no processo arbitral.
[2] A este respeito, analisem-se os novos dados disponíveis em https://jusmundi.com/en/document/publication/en-amici-curiae-in-investment-arbitration (consultado em 20 de fevereiro de 2024).