Alexandra Caetano Domingues

Licenciada em Direito, em 2019, e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas, em 2021, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Assistente Convidada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, entre os anos letivos 2019/2020 e 2022/2023.
Auditora de Justiça no 40. º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais.


Inteligência Artificial e Patentes é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 9 de Novembro de 2023.

Consulte a obra neste link.


A Inteligência Artificial (doravante, “IA”), que durante muito tempo pareceu um fenómeno distante e própria dos filmes de ficção científica, está, hoje, mais do que nunca, presente na nossa realidade quotidiana.

O enorme potencial inerente à IA no âmbito da inovação tem, naturalmente, impacto no Direito da Propriedade Intelectual, em especial, no sistema de patentes, que visa, entre outros objetivos, tutelar o progresso científico-tecnológico.

Não obstante, note-se que (ainda) não existem disposições específicas que regulem a incidência da IA no âmbito do sistema de patentes. Pois bem, essa ausência reclama que se reflita se se justifica que passem a existir, e, em caso afirmativo, em que termos. Em concreto, coloca-se a questão de saber se deverá o conceito de inventor ser reformulado.

No âmbito do estudo da interseção da IA e do sistema jurídico de patentes, são vulgarmente apresentadas diversas classificações possíveis de invenções. Do leque de propostas avançadas, concordamos e adotaremos a classificação apresentada pelo Max Planck Institute for Innovation and Competition, que distingue três categorias de invenções com IA:

  1. as invenções geradas por IA (em que a IA atua autonomamente sem intervenção humana);
  2. as invenções assistidas por IA (em que o ser humano utiliza a IA como instrumento para inventar); e
  3. as invenções implementadas por IA (em que o Homem implementa a invenção com IA).

De todo o modo, atendendo a que, segundo o entendimento maioritário, à data de hoje, todas as invenções que envolvam IA requerem, ainda e sempre,a intervenção de um ser humano, variando apenas o grau da contribuição humana, focar-nos-emos tão-só nas invenções assistidas e nas invenções implementadas por IA, ficando, desde já, afastadas as invenções geradas por IA.

Antes de se analisar a eventual necessidade de reforma quando em causa estejam invenções assistidas ou implementadas por IA, convém ter presente a quem é reconhecido o estatuto de inventor, desde logo, porque, à luz do art. 61.º, n.º 1, alínea c) do Código da Propriedade Industrial e dos arts. 62.º e 81.º da Convenção da Patente Europeia, o pedido de patente deve designá-lo.

Note-se, porém, que nenhum destes diplomas prevê uma definição expressa de inventor, não especificando quem pode assumir essa posição, nem que requisitos são necessários que um sujeito observe para ocupar tal papel, deles resultando tão-só que a sua indicação constitui uma exigência, pelo que a tarefa de densificar este conceito coube à doutrina e à jurisprudência.

De todo o modo, é, hoje, unanimemente aceite que inventor é aquele que tem o domínio total da invenção, desde a sua conceção à sua concretização, denotando, assim, o controlo pleno sobre a execução técnica do invento.

Recorde-se, ainda, que a invenção é uma criação da mente humana, constituindo o ato de inventar um facto jurídico natural com relevo jurídico. Até à data de hoje, o entendimento maioritário é o de que a capacidade de inventar se trata de uma característica exclusiva do ser humano, pois apenas este é portador de um pensamento criativo. Do mesmo modo, atualmente, a maioria dos ordenamentos jurídicos assumem que a criatividade e a originalidade – características indispensáveis para a proteção de invenções – dependem de um ser humano.

Consequentemente, apenas pode gozar da qualidade de inventor uma pessoa humana, pelo que as demais pessoas jurídicas não são suscetíveis de merecer tal título. Deste modo, à luz do regime atualmente vigente, inventores são somente as pessoas singulares (humanas), pois apenas estas são portadoras de um pensamento e atividade intelectual criativa, que constituem condições indispensáveis e decisivas para o efeito.

Sem prejuízo, destaque-se que esta não é a orientação unânime da doutrina e que há quem defenda posições híbridas e, inclusivamente, opostas a esta.  Por conseguinte, podemos questionar se esta posição deve ser reconsiderada e se, à luz dos significativos avanços na tecnologia e ciência subjacentes ao domínio da IA, é tempo de os sistemas de patentes serem reformulados de modo a que os sistemas de IA possam também ser reconhecidos como inventores.

A título de exemplo,Ryan Abbott propugna reiterada e ativamente o reconhecimento dos sistemas de IA como inventores, inclusivamente como coinventores com os seres humanos.

Contudo, rejeitamos o acolhimento do entendimento segundo o qual a qualidade de inventor pode e deve ser reconhecida aos sistemas de IA, uma vez que entendemos que a conceção de uma invenção está inexoravelmente dependente de um ator humano, uma vez que, no presente, não é provável que um sistema de IA conceba o conceito inventivo de uma invenção – pressuposto de que depende a qualidade de inventor –, pelo que o estatuto de inventor apenas pode ser atribuído a um ser humano.

Como tal, ainda que a utilização de IA possa não ser apenas instrumental no processo inventivo, mas inclusivamente decisiva para o sucesso da resolução de um problema técnico, esta não pode ser considerada como a criadora da invenção, já que a conceção requer um processo de reflexão que está ausente nos sistemas de IA.

Consequentemente, o facto de se lograr desenvolver uma invenção, recorrendo a IA, não afeta a posição do ser humano enquanto inventor, mesmo que esta desenvolva uma parte substancial do trabalho, na medida em que quem intui o problema técnico a resolver e o conceito inventivo na IA é a pessoa humana. Deste modo, o processo inventivo requer (ainda e) sempre um input humano.

Note-se, ainda, que defender o reconhecimento do estatuto de inventor a um sistema de IA com base no facto de que este ajudou significativamente na criação de uma invenção é um argumento que poderia ser utilizado em relação a muitos outros meios cruciais que são utilizados no processo inventivo e que, claramente, reconhecemos como um argumento desprovido de sentido. Na realidade, a IA é tão-só (mais) uma ferramenta sofisticada nas mãos dos operadores humanos.

Com efeito, depois deste périplo, tudo nos leva a crer que, no estado atual de desenvolvimento da IA, não se justifica uma reforma sobre o conceito de inventor.