Edgar Valles

Advogado e autor de vasta obra jurídica.


Arrendamento Urbano é a mais recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 2 de Novembro de 2023.

Consulte a obra neste link.


Será que o programa “Mais Habitação” atenta contra os legítimos interesses dos senhorios, desferindo uma machadada nas suas legítimas expetativas de recebimento de renda?

Sem prejuízo de se reconhecer a existência de medidas controversas, há sobejos motivos para considerar não fundados os queixumes das associações representativas dos proprietários, com realce para a associação liderada pelo ex-bastonário da Ordem dos Advogados, prof. Menezes Leitão.

Em 6 de outubro, foi publicada a Lei nº 56/2023, que implementou, finalmente, a proposta de lei aprovada (por duas vezes) na Assembleia da República e que contém grande parte das medidas do “Mais Habitação”, anunciadas em 30 de março por António Costa.

Com esta nova lei, registam-se alterações substanciais, de que destacamos apenas duas.

A primeira diz respeito à garantia de pagamento de rendas pelo Estado, quando o inquilino deixa de as pagar.

Uma das queixas mais frequentes dos senhorios tem sido a demora nos processos de despejo, que se arrastam muito tempo. O arrendatário deixa de pagar a renda, o senhorio resolve o contrato de arrendamento e recorre ao Balcão Nacional do Arrendamento.  Mas, para conseguir o despejo, tem habitualmente de aguardar vários meses, em que fica continua privado do recebimento de rendas. A partir de 1 de janeiro, este quadro sombrio será alterado: findo o prazo de oposição pelo arrendatário, o Estado passa a substituir-se ao inquilino, pagando ao senhorio as rendas que se vençam a partir daí, por um período de nove meses. O valor máximo a pagar corresponde a 1,5 vezes a remuneração mínima mensal garantida, o que corresponderá a 1230 euros por mês. Ou seja, a penalização do atraso da Justiça recairá sobre o Estado, se não na totalidade pelo menos parcialmente.

A segunda medida que realçamos diz respeito aos incentivos fiscais.

Atualmente, o senhorio paga sobre o valor que recebe de renda a taxa autónoma (de IRS) de 28 %. Ou seja, se a renda for de 1.000 euros, 280 euros vão para o Estado. Com a nova lei, foram introduzidas alterações significativas em matéria fiscal, sendo a taxa autónoma reduzida para   25 %, ou seja, uma diminuição de três pontos percentuais. Mas o realce vai para as reduções suplementares. Se o contrato tiver duração igual ou superior a cinco anos e inferior a 10, é aplicada uma redução de 10 pontos percentuais, em relação à taxa de 25 %, ou seja, a taxa queda-se pelos 15 %.

Assim, basta o senhorio convencionar, por exemplo, o prazo de seis anos (em vez dos habituais cinco anos) para apenas pagar de IRS 15 %. Ou seja, em vez de pagar ao Estado os tais 280 euros, no exemplo dos 1000 euros de renda, apenas terá de entregar 150 euros.

Não é possível, num quadro de polarização de interesses, satisfazer apenas uma parte. Por isso, é natural que hajam também medidas que não satisfaçam os proprietários, como seja o facto de a atualização anual de rendas não acompanhar a inflação. No entanto, afigura-se que o Governo, desta vez, tomará uma atitude razoável. Assim, prevê-se que o próximo aumento anual para o ano de 2024 apenas seja especialmente reduzido para os casos de arrendatários vulneráveis….