Margarida Baptista

Advogada.
Exerce funções de apoio jurídico e contencioso à administração central do Estado.
Formadora, designadamente em entidades do setor público.
Instrutora em procedimentos de natureza disciplinar no âmbito de serviços da Administração Pública, designadamente em instituições hospitalares integradas no Serviço Nacional de Saúde.
Docente (3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário).


Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública Anotado – Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 12 de Janeiro de 2023.

Consulte a obra neste link.


Os serviços e organismos da Administração Pública portuguesa são dirigidos por órgãos, individuais ou coletivos, com competências próprias atribuídas por lei. Em regra, a direção e gestão desses serviços e organismos, assim como das respetivas unidades, é feita por pessoal ao qual se aplica um estatuto próprio, o Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública (EPDAP)[1] [2].

O pessoal dirigente da Administração Pública está sujeito a um regime de incompatibilidades, impedimentos e inibições consignado, não só no artigo 17º do respetivo Estatuto, mas também em diversas disposições legais que regulam os conflitos de interesses resultantes do exercício de funções públicas, as quais constam, designadamente, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei nº 35/2014, de 20 de junho, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pela Lei nº. 4/2015, de 7 de janeiro, bem como da Lei nº 52/2019, de 31 de julho, que estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

 

  1. O regime geral das incompatibilidades e impedimentos previsto na LTFP e no CPA

 

Conforme decorre do nº 2 do artigo 17º do EPDAP, o pessoal dirigente da Administração Pública está sujeito ao regime de incompatibilidades, impedimentos e inibições previstos nas disposições reguladoras de conflitos de interesses resultantes do exercício de funções públicas, designadamente as constantes do artigo 24º da LTFP e dos artigos 69º e 73º do CPA.

Com efeito, o artigo 24º da LTFP estabelece proibições específicas para todos os trabalhadores em funções públicas no tocante a prestações de serviço ou trabalho a terceiros, vedando que aqueles possam beneficiar indevidamente de determinados atos ou contratos.

Desde logo, os trabalhadores não podem prestar a terceiros, por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, serviços no âmbito do estudo, preparação ou financiamento de projetos, candidaturas ou requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços colocados sob sua direta influência (nº 1 do 24º da LTFP).

Por outro lado, não podem beneficiar, pessoal e indevidamente, de atos ou tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou unidades orgânicas colocados sob sua direta influência (nº 2 do artigo 24º da LTFP).

Para os efeitos das mencionadas proibições, a lei explicita que se consideram colocados sob direta influência do trabalhador os órgãos ou serviços que:

a) Estejam sujeitos ao seu poder de direção, superintendência ou tutela;

b) Exerçam poderes por ele delegados ou subdelegados;

c) Tenham sido por ele instituídos, ou relativamente a cujo titular tenha intervindo como representante do empregador público, para o fim específico de intervir nos procedimentos em causa;

d) Sejam integrados, no todo ou em parte, por trabalhadores por ele designados;

e) Cujo titular ou trabalhadores neles integrados tenham, há menos de um ano, sido beneficiados por qualquer vantagem remuneratória, ou obtido menção relativa à avaliação do seu desempenho, em cujo procedimento ele tenha tido intervenção;

f) Com ele colaborem, em situação de paridade hierárquica, no âmbito do mesmo órgão ou serviço (nº. 3 do artigo 24º da LTFP).

Neste âmbito, a LTFP considera como equiparado ao trabalhador:

a) O seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, ascendentes e descendentes em qualquer grau, colaterais até ao segundo grau e pessoa que com ele viva em união de facto;

b) A sociedade em cujo capital o trabalhador detenha, direta ou indiretamente, por si mesmo ou conjuntamente com as pessoas referidas na alínea anterior, uma participação não inferior a dez por cento (nº 4 do artigo 24º da LTFP).

A existência de alguma das situações mencionadas nas alíneas a) e b) precedentes deve ser comunicada pelo trabalhador ao respetivo superior hierárquico antes de tomadas as decisões, praticados os atos ou celebrados os contratos abrangidos pelos nºs 1 e 2 do artigo 24º da LTFP, sob pena de incorrer em infração disciplinar punível no mínimo, em abstrato, com a sanção disciplinar de multa (alínea e) do artigo 185º da LTFP).

Por seu turno, a violação dos deveres referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 24º da LTFP faz o trabalhador incorrer numa infração disciplinar grave, a qual é suscetível de ser punida com a sanção de suspensão (artigos 24º, nº. 5, 76º, nº. 2 do CPA e 186º, alínea n) da LFTP).

A matéria das incompatibilidades, impedimentos e proibições ou inibições no exercício das respetivas funções pelos trabalhadores em funções públicas, prende-se, também, com a observância do princípio da imparcialidade consignado no artigo 9º do CPA, segundo o qual a Administração Pública deve tratar de forma imparcial todos aqueles que com ela entrem em relação, nomeadamente devendo considerar com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.

Nesse sentido, o CPA estabelece nos seus artigos 69º a 76º o regime das designadas garantias de imparcialidade.

Assim, nos termos do nº 1 do artigo 69º do CPA, os titulares de órgãos da AP e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos casos seguintes:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa;

b) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, algum parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil;

c) Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, tenham interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;

d) Quanto tenham intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou hajam dado parecer sobre questão a resolver;

e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim em linha reta ou até ao segundo grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem vivam em economia comum ou com a qual tenham uma relação de adoção, tutela ou apadrinhamento civil;

f) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.

Não estão, porém, abrangidos pela proibição antecedente (cf. nº. 2 do artigo 69º do CPA):

i. As intervenções que se traduzam em atos de mero expediente, como, por exemplo, atos certificativos;

ii. A emissão de parecer, na qualidade de membro do órgão colegial competente para a decisão final, quando tal formalidade seja requerida pelas normas aplicáveis;

iii. A pronúncia do autor do ato recorrido, nos termos do nº 2 do artigo 195º do CPA.

No âmbito do procedimento administrativo, também não pode haver lugar à prestação de serviços de consultoria, ou outros, a favor do responsável pela direção do procedimento ou de quaisquer sujeitos públicos da relação jurídica procedimental, por parte de entidades relativamente às quais se verifique qualquer das situações previstas no nº 1 do artigo 69º do CPA, ou que hajam prestado serviços, há menos de três anos, a qualquer dos sujeitos privados participantes na relação jurídica procedimental  (nº 3 do artigo 69º do CPA).

Mais, se a situação de incompatibilidade for superveniente ao início do procedimento, a entidade prestadora de serviços tem a obrigação de logo comunicar o facto ao responsável pela direção do procedimento e deve cessar toda a sua atividade relacionada com o mesmo (nº 5 do citado artigo do CPA).

Os atos ou os contratos em que tenham intervindo titulares de órgãos ou agentes impedidos ou em cuja preparação tenha ocorrido prestação de serviços à Administração Pública em violação do disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 69.º, são anuláveis, e a prestação de serviços assim prestada constitui o respetivo prestador no dever de indemnizar a Administração e terceiros de boa-fé pelos danos resultantes da anulação do ato ou contrato (nºs 1 e 3 do artigo 76º do CPA).

Constitui dever do titular do órgão ou agente da Administração Pública comunicar qualquer causa de impedimento ao respetivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, consoante os casos, sob pena de incorrer em infração disciplinar grave. Por seu turno, compete ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial conhecer da existência do impedimento e declará-lo, ouvindo, se considerar necessário, o titular do órgão ou agente. Tratando-se, no entanto, de impedimento que afete presidente do órgão colegial, a decisão do incidente compete ao próprio órgão, sem intervenção daquele (nºs 1, 4 e 5º do artigo 70º, e   nº 2 do artigo 76º do CPA).

Quando a causa de impedimento incidir sobre outras entidades que, embora não revestindo a qualidade de titular de órgão ou agente da Administração Pública, se encontrem no exercício de poderes públicos, devem as mesmas comunicar desde logo o facto a quem tenha o poder de proceder à respetiva substituição.

Até ser proferida a decisão definitiva ou praticado o ato, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento, especificando as circunstâncias de facto que constituam a sua causa (nºs 2 e 3 do artigo 70º do CPA).

O titular do órgão ou agente ou outra qualquer entidade no exercício de poderes públicos devem suspender a sua atividade no procedimento, logo que façam a comunicação a que se refere o nº 1 do artigo 70º, ou tenham conhecimento da apresentação de requerimento de declaração de impedimento por parte de interessado, até à decisão do incidente (salvo determinação em contrário de quem tenha o poder de proceder à respetiva substituição).

Por outro lado, os mesmos titulares de órgãos da Administração Pública e respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, devem pedir dispensa (escusa) de intervir no procedimento ou em ato ou contrato de direito público ou privado da AP quando ocorra circunstância pela qual se possa, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão, como são as que se enunciam, a título exemplificativo, no artigo 73º do CPA:

a) Quando, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, nele tenha interesse parente ou afim em linha reta ou até ao terceiro grau da linha colateral, ou tutelado ou curatelado dele, do seu cônjuge ou de pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges;

b) Quando o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, ou algum parente ou afim na linha reta, for credor ou devedor de pessoa singular ou coletiva com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

c) Quando tenha havido lugar ao recebimento de dádivas, antes ou depois de instaurado o procedimento, pelo titular do órgão ou agente, seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente ou afim na linha reta;

d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato;

e) Quando penda em juízo ação em que sejam parte o titular do órgão ou agente, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum, de um lado, e, do outro, o interessado, o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, parente em linha reta ou pessoa com quem viva em economia comum.

Fundado em quaisquer das sobreditas situações ou outras semelhantes, qualquer interessado na relação jurídica procedimental pode, por seu turno, deduzir suspeição quanto a titulares de órgãos da Administração Pública, respetivos agentes ou outras entidades no exercício de poderes públicos que intervenham no procedimento, ato ou contrato.

O pedido de escusa ou de suspeição deve ser formulado logo que haja conhecimento da circunstância que a determina, sendo dirigido à entidade competente para dele conhecer e indicando com precisão os factos que o justifiquem. Quando o pedido seja formulado por interessado na relação jurídica procedimental, é sempre ouvido o titular do órgão ou o agente visado (artigo 74º do CPA).

A decisão sobre o pedido de escusa ou de suspeição deve ser proferida no prazo de oito dias (úteis) pelo superior hierárquico ou presidente do órgão colegial ou pelo próprio órgão, sem intervenção do presidente, consoante os casos (nºs 4 e 5 do artigo 70º e artigo 75º do CPA).

Tanto em caso de declaração de impedimento como de procedência do pedido de escusa ou de suspeição, o impedido, escusado ou suspeito é imediatamente substituído no procedimento pelo respetivo suplente, salvo se houver avocação pelo órgão competente para o efeito. Tratando-se de órgão colegial e se não houver ou não puder ser designado um suplente, o órgão funcionará sem o impedido, escusado ou suspeito (artigos 71º, 72º e nº 3 do artigo 75º, todos do CPA).

 

  1. Incompatibilidades e impedimentos dos titulares de altos cargos públicos

 

No tocante, especificamente, aos titulares de cargos de direção superior da Administração Pública, para além do regime geral acima descrito, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artigos 6º, 8º, 9º, 11º, nºs 1, 2 e 3, 13º, 14º, 15º, 16º e 18º, da Lei nº 52/2019, de 31 de julho, que estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (nº 3 do artigo 17º, nº 3, do EPDAP e nº 1 do artigo 3º da Lei nº 52/2019).

Nos termos da citada Lei nº 52/2019, são considerados titulares de altos cargos públicos:

a) Os gestores públicos e membros de órgão de administração de sociedade anónima de capitais públicos, que exerçam funções executivas;

b) Os titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este;

c) Os membros de órgãos de gestão das empresas que integram os sectores empresarial regional ou local;

d) Os membros de órgãos diretivos dos institutos públicos;

e) Membros do conselho de administração de entidade administrativa independente;

f) Titulares de cargos de direção superior do 1.º grau e do 2.º grau, e equiparados, e dirigentes máximos dos serviços das câmaras municipais e dos serviços municipalizados, quando existam.[3]

Assim, o exercício de funções em regime de exclusividade de titulares de altos cargos públicos (enunciados no nº 1 do artigo 3º da mesma lei), sem prejuízo do disposto, designadamente, no EPDAP, é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos, com exceção das enunciadas no nº 2 do artigo 6º da Lei nº. 52/2019, ou seja (a) das funções ou atividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência, (b) da integração em órgãos ou conselhos consultivos ou fiscalizadores de entidades públicas, (c) das atividades de docência e de investigação no ensino superior, nos termos previstos nos estatutos de cada cargo, bem como nos estatutos das carreiras docentes do ensino superior, (d) da atividade de criação artística e literária, bem como quaisquer outras de que resulte a perceção de remunerações provenientes de direitos de autor ou conexos ou propriedade intelectual, (e) da realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de natureza idêntica, e (f) dos casos em que a lei expressamente admita a compatibilidade de exercício de funções.

O exercício de cargos dirigentes da administração direta e indireta do Estado é incompatível com a função de gestor público, sem prejuízo do exercício de funções em regime de inerência (artigo 22º, nº 1, a contrario, do Estatuto do Gestor Público[4]).

Acresce que, nos termos do nº 1 do artigo 8º da Lei nº. 52/2019, os titulares de altos cargos públicos que, nos últimos três anos anteriores à investidura no cargo, tenham detido, por si ou em sociedades em que exerçam funções de gestão, uma percentagem superior a dez por cento (10%) do respetivo capital social, ou cuja percentagem de capital detida seja superior a 50 000€, ou que tenham integrado corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos, não podem intervir:

a) Em procedimentos de contratação pública de fornecimento de bens ou serviços ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas aos quais aquelas empresas e pessoas coletivas por si detidas sejam opositoras;

b) Na execução de contratos do Estado e demais pessoas coletivas públicas com elas celebrados;

c) Em quaisquer outros procedimentos formalmente administrativos, bem como negócios jurídicos e seus atos preparatórios, em que aquelas empresas e pessoas coletivas sejam destinatárias da decisão, suscetíveis de gerar dúvidas sobre a isenção ou retidão da sua conduta, designadamente nos de concessão ou modificação de autorizações ou licenças, de atos de expropriação, de concessão de benefícios de conteúdo patrimonial e de doação de bens.

No que respeita a altos cargos públicos de âmbito nacional, os respetivos titulares, por si ou nas sociedades em que exerçam funções de gestão, e as sociedades pelos mesmos detidas em percentagem superior a dez por cento do respetivo capital social, ou cuja percentagem de capital detida seja superior a 50 000€ (cinquenta mil euros), não podem (a) participar em procedimentos de contratação pública, nem (b) intervir como consultor, especialista, técnico ou mediador, por qualquer forma, em atos relacionados com os referidos procedimentos de contratação (nº 2 do artigo 9º da Lei nº 52/2019).

Este regime aplica-se, igualmente:

i. Às empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo, detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau e colaterais até ao segundo grau, uma participação superior a dez por cento ou cujo valor seja superior a 50 000€;

ii. Aos cônjuges, não separados de pessoas e bens, dos titulares de altos cargos públicos, à pessoa com quem vivam em união de facto, em relação aos procedimentos de contratação pública desencadeados pela pessoa coletiva de cujos órgãos o cônjuge ou unido de facto seja titular;

iii. Aos demais titulares de altos cargos públicos de âmbito regional e local, aos seus cônjuges e unidos de facto e respetivas sociedades, em relação a procedimentos de contratação pública desenvolvidos pela pessoa coletiva regional ou local de cujos órgãos façam parte;

iv. Aos titulares dos órgãos executivos das autarquias locais, seus cônjuges e unidos de facto e respetivas sociedades, no que se refira aos procedimentos de contratação (a) das freguesias que integrem o âmbito territorial do respetivo município, (b) do município no qual se integre territorialmente a respetiva freguesia, (c) das entidades supramunicipais de que o município faça parte, (d) das entidades do setor empresarial local respetivo (nºs 3 a 6 do artigo 9º da Lei nº 52/2019).

Em ordem à salvaguarda da transparência do procedimento administrativo e de contratação pública, devem ser objeto de averbamento no contrato e de publicidade no portal da Internet dos contratos públicos[5], com indicação da relação em causa, os contratos celebrados pelas pessoas coletivas públicas de cujos órgãos os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos são titulares com as seguintes pessoas com as quais mantêm relações familiares:

a) Ascendentes e descendentes em qualquer grau do titular do cargo;

b) Cônjuges que se encontrem separados de pessoas e bens do titular do cargo;

c) Pessoas que se encontrem numa relação de união de facto com o titular do cargo.

O mesmo regime aplica-se ainda a contratos celebrados com empresas em que as pessoas acima referidas exercem controlo maioritário, bem como a contratos celebrados com sociedades em cujo capital o titular de alto cargo público, detenha, por si ou conjuntamente com o cônjuge ou unido de facto, uma participação inferior a dez por cento ou de valor inferior a 50 000€ (nºs 9 e 10º do artigo 9º da Lei nº 52/2019).

Os titulares de altos cargos públicos estão impedidos de servir de árbitro ou de perito, seja a título gratuito, seja remunerado, em qualquer processo em que seja parte o Estado e demais pessoas coletivas públicas (nº. 1 do artigo 9º da Lei nº 52/2019).

Tudo o antecedentemente enunciado e que consta do artigo 9º da Lei nº 52/2019, é aplicável às sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais (nº. 10 desse preceito).

A infração do disposto no nº 2 do artigo 6º, no artigo 8º, e nos nºs 2 a 5 e 11 do artigo 9º, todos da Lei nº 52/2019, pelos titulares de altos cargos públicos, constitui causa de destituição judicial, através de ação a intentar pelo Ministério Público junto dos tribunais administrativos (nºs. 2 e 6 do artigo 11º da Lei nº 52/2019).

 

  1. Outras obrigações/deveres conexos

 

a. Obrigações declarativas

Embora o artigo 17º do EPDAP não remeta expressamente para a matéria das obrigações declarativas que impendem sobre os titulares de altos cargos públicos, o tema assume, a nosso ver, alguma pertinência no âmbito do regime de impedimentos e proibições aplicável aos titulares de cargos de altos cargos dirigentes da Administração Pública, porquanto complementa, em termos de possibilidade de controlo por via do património ou rendimentos, a almejada atuação isenta e imparcial dos titulares desses cargos dirigentes.

Nos termos do artigo 13º da já citada Lei nº 52/2019, de 31 de julho, na versão vigente, os titulares de altos cargos públicos devem apresentar, por via eletrónica, junto da entidade legalmente competente (cf. artigo 19º, nºs 12 e 15 do EPDAP), declaração dos seus rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos, de constem todos os elementos identificados nos nº2 e 3 do mesmo artigo 13º.

No prazo de 60 dias a contar da cessação de funções que tiverem determinado a apresentação da declaração referida anteriormente, bem como da recondução do titular do cargo, deve ser apresentada nova declaração, atualizada (nº 1 do artigo 14º da Lei nº. 52/2019).

Deve, também, ser apresentada uma nova declaração, desta feita no prazo de 30 dias, sempre que, no decurso do exercício de funções, a) se verifique uma alteração patrimonial efetiva que altere o valor declarado referente a alguma das alíneas do nº 2 do artigo 13º da Lei nº 52/2019 em montante superior a 50 salários mínimos mensais, b) ocorram factos ou circunstâncias que obriguem a novas inscrições nos termos do nº 3 do mesmo artigo 13º (artigo 14º, nº. 2, da Lei nº 52/2019).

A declaração a apresentar pelo titular do alto cargo público no final do mandato deve refletir a evolução patrimonial que tenha ocorrido durante o mesmo (nº. 3 do artigo 14º da Lei nº 52/2019).

E, ainda, três anos após o fim do exercício do cargo ou função que lhe deu origem, devem os mesmos titulares do dever de apresentação das declarações, apresentar declaração final atualizada (artigo 14º, nºs 4 e 5, da Lei nº 52/2019).

A não apresentação ou a apresentação incompleta ou incorreta da declaração e das suas atualizações, e a persistência nessa omissão ou incorreção após notificação para o fazer por parte da entidade responsável pela análise e fiscalização, o titular de cargo de direção superior da Administração Pública nas sanções previstas nos artigos 18º e 18º-A da Lei nº 52/2019.

 

b. Ofertas institucionais e hospitalidades

Por igualmente conexionado com a necessária isenção e imparcialidade dos titulares de cargos dirigentes da Administração Pública (e dos seus demais trabalhadores), cabe aqui mencionar o regime que regula as ofertas institucionais e hospitalidades, o qual se encontra vertido no artigo 16º da Lei nº 52/2019, matéria que, aliás, deve também ser prevista nos Códigos de Conduta que as entidades públicas devem fazer aprovar (cf. artigo 19º da citada Lei nº 52/2019 e regime geral de prevenção da corrupção (RGPC), aprovado pela Lei nº 109-E/2021, de 9 de dezembro).

As ofertas de bens materiais ou de serviços de valor estimado superior a cento e cinquenta euros (150€), recebidas no âmbito do exercício de cargo ou função, são obrigatoriamente apresentadas ao organismo definido no respetivo Código de Conduta.

Quando o titular do cargo receba de uma mesma entidade, no decurso do mesmo ano, várias ofertas de bens materiais que perfaçam o valor estimado referido (150€), deve comunicar esse facto para efeitos de registo das ofertas e proceder à apresentação de todas as que forem recebidas após perfazer aquele valor.  O destino das ofertas sujeitas ao dever de apresentação, tendo em conta a sua natureza e relevância, é estabelecido pelo organismo competente para o registo definido no respetivo Código de Conduta. As ofertas dirigidas a entidade pública são, igualmente e sempre registadas e entregues ao referido organismo, independentemente do seu valor e do destino final que lhes for atribuído.

Os titulares de altos cargos públicos que forem, nessa qualidade convidados, podem aceitar convites que lhes forem dirigidos para eventos oficiais ou de entidades públicas nacionais ou estrangeiras. Podem ainda aceitar quaisquer outros convites de entidades privadas até ao valor máximo, estimado, de 150€, que a) sejam compatíveis com a natureza institucional ou com a relevância de representação própria do cargo; ou que b) configurem uma conduta socialmente adequada e conforme aos usos e costumes.

A aceitação de ofertas, de transporte ou alojamento que ocorra no contexto das relações pessoais ou familiares (sem prejuízo do disposto nas regras relativas aos deveres declaratórios sobre rendimentos e património) não está sujeita a dever de registo.

O incumprimento dos deveres enunciados, com intenção de apropriação de vantagem indevida é suscetível de responsabilidade, nos termos do crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, nos termos da lei que determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.

 

c. Após a cessação de funções

A partir da cessação dos seus cargos, os titulares de cargos de direção superior da AP, bem como os membros dos gabinetes governamentais (que também são equiparados aos primeiros para efeitos das obrigações declarativas previstas na Lei nº 52/2019, de 31 de julho – cf. nº 2 do artigo 3º dessa lei), não podem desempenhar, pelo período de três anos, as funções de inspetor-geral e subinspetor-geral, ou funções a estas expressamente equiparadas, no sector específico em que exerceram atividade dirigente ou prestaram funções de assessoria. Este período de nojo não se aplica nas situações em que o dirigente cessante regressa à atividade exercida à data da investidura no cargo. Fica, no entanto, igualmente sujeito à aplicação das disposições relativas a impedimentos constantes do CPA, já anteriormente enunciadas.

 

Como nota final, assinale-se que a violação, pelo titular de cargo dirigente, do disposto no artigo 17º do EPDAD constitui fundamento para fazer cessar a respetiva comissão de serviço do titular do cargo dirigente, tal como igualmente estatuído na alínea d) do nº 1 do artigo 25º do mesmo Estatuto.

 

[1] Com as salvaguardadas e exceções previstas no artigo 1º da Lei nº 2/2014, de 15 de janeiro, na sua redação vigente.

[2] O atual Estatuto, aprovado pela Lei nº. 2/2004, de 15 de janeiro, iniciou a sua vigência a 1 de fevereiro de 2004, tendo, até ao presente, sofrido alterações introduzidas pelas Leis nºs. 51/2005, de 30 de agosto, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 64/2011, de 22 de dezembro, 68/2013, de 29 de agosto, e 128/2015, de 3 de setembro.

[3] Da leitura deste elenco, constata-se que o conceito de titular de alto cargo público, para efeitos da Lei nº 52/2019, extravasa o conceito de titular de cargo dirigente, tal como delineado no EPDAP (vide, designadamente, o artigo 1º desse Estatuto).

[4] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 71/2007, de 27 de março, alterado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei nº 8/2012, de 18 de janeiro, Retificação nº2/2012, de 25 de janeiro, e Decreto-Lei nº 39/2016, de 28 de julho.

 

[5] https://www.base.gov.pt