Pedro Sá Machado
Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Macau; Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Advogado
Teoria da Conduta na Realização Jurisdicional do Direito Penal – Pressupostos e fundamentos do comportamento ilícito-típico é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 12 de Janeiro de 2023.
Teoria da conduta, dogmática e processo penal (uma breve nota introdutória)
Estou convencido de que o significado teórico de conceitos consolidados e familiares de direito penal substantivo pode ser repensado de modo a incluir características inerentes ao processo penal, fazendo corresponder (continuamente) teoria e prática. Aliás, estou convencido de que esses mesmos conceitos substantivos só ganham todo o seu verdadeiro significado jurídico (para o bem e para o mal) quando relacionados com outros conceitos e princípios no contexto da sua aplicação prática – e, nesse caso, na resolução dos problemas que o caso concreto oferece. Assim, caso exista uma “ciência” associada à tarefa de aplicar o direito penal, essa ciência encontra-se estreitamente ligada ao processo penal. E isto porque uma decisão judicial que tenha por objecto decidir a existência do crime não produz apenas jurisprudência, produz também direito penal. É evidente que, com o fim da vingança privada e com o princípio da separação de poderes, o processo penal é hoje a única fonte que se encontra legitimada a vivificar a noção de crime e colocar em prática os fundamentos político-criminais do sistema. Não se trata apenas de uma simples disciplina auxiliar da dogmática, como muitas vezes é caracterizada, trata-se da única disciplina dotada de finalidades publicistas e prático-normativas autónomas que visa converter direito em justiça no caso concreto. Direito penal, no seu conjunto,confunde-se e é sinónimo de justiça penal. Também por esse motivo, estamos perante um direito em sentido topológico, exclusivo do local onde a justiça é realizada. Se quisermos retirar o processo penal da equação, o direito substantivo perderá o seu conteúdo “real” e “histórico” e passará a afigurar-se uma fórmula abstracta, de conteúdo genérico, alienada da sua superior tarefa jurisdicional de se realizar, da forma mais justa possível, num determinado contexto. E não estamos a confundir direito penal com a lei penal, sabendo que esta última traduz-se em “matéria-prima” (em virtude do princípio nullum crimen sine lege), entre outras existentes (como os princípios de justiça, o precedente jurisprudencial, a doutrina ou a fundamentação-argumentação), a partir das quais é possível proceder à descoberta daquele. Portanto, no que diz respeito à existência do crime, o processo penal é o único espaço publicamente legitimado para realizar as experiências simultaneamente teóricas e práticas que fornecem as soluções (que procuram ser as mais justas, adequadas e razoáveis) para os problemas do caso concreto – quanto à matéria de facto e quanto à matéria de direito.
A partir desta linha de raciocínio, inspirada em autores de teoria e filosofia de direito, escrevi a “teoria da conduta na realização jurisdicional do direito penal”. Procurei então demonstrar que o conceito jurídico-processual de “matéria de facto” é susceptível de influenciar a interpretação da natureza dos elementos dogmáticos e sistemáticos do crime, nomeadamente a noção de “conduta”. Em poucas palavras, entendo que, na realização jurisdicional do direito penal, ao conjugarmos direito substantivo, direito adjectivo e, dentro deste último, direito probatório, podemos elaborar um conceito de “conduta” fundamentado na matéria de facto e na matéria de direito – admitindo que o processo penal estabelece as suas próprias regras quanto à forma como as pessoas podem conhecer e comprovar a realidade onde assumem os comportamentos, admitindo que o direito penal substantivo tem os seus próprios pressupostos, formais e informais, para qualificar os comportamentos, e admitindo, finalmente, objectivos práticos e operativos que visam renovar e actualizar o significado jurídico-criminal desses mesmos comportamentos processualmente adquiridos com base num sistema de orientação valorativa.