João Osório

Advogado, Licenciado em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Forenses pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.


Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária O Problema do Objeto Social é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 1 de Dezembro de 2022.

Consulte a obra neste link.


As Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI), criadas pelo Decreto-Lei 19/2019, de 28 de Janeiro e alteradas pela Lei nº 97/2019, de 4 de Setembro, têm a sua génese nos Real Estate Investiment Trust (REIT) que surgiram nos Estados Unidos nos anos 60, tendo também paralelo em vários ordenamentos jurídicos europeus nomeadamente no espanhol, onde se designam por Sociedades Cotizadas de Inversión en el Mercado Inmobiliario (SOCIMI) (criadas pela Ley 11/2009, de 26 de Octubre). Dispõe o Decreto-Lei, na sua introdução, que “as SIGI são um novo tipo de sociedade de investimento imobiliário que se constitui e opera nos termos do presente decreto-lei e das disposições legais aplicáveis às sociedades anónimas. Têm como atividade principal a aquisição de direitos reais sobre imóveis, para arrendamento ou outras formas de exploração económica, a aquisição de participações em sociedades com objeto e requisitos equivalentes e a aquisição de participações em fundos de investimento imobiliário cuja política de distribuição de rendimentos seja similar, e as suas ações são obrigatoriamente negociadas em mercado. Além disso, as SIGI estão sujeitas a requisitos específicos de dispersão do capital, a determinadas regras de composição do património e à obrigação de distribuição dos respetivos lucros.”

         A especificidade deste tipo de sociedades prende-se na diferença destas para com as ditas “comuns” dispostas no Código das Sociedades Comerciais (CSC), não pela forma jurídica que adquirem mas, concretamente, pela forma de definição do seu objeto.

         Nas sociedades comuns regidas pelo CSC o objeto social é definido nos estatutos por acordo dos sócios-contraentes. Nestas, o objeto que se propõem a desenvolver deve ser indicado tendo em conta o art. 980.º CC, o que significa que o objeto deverá ser certo. Este deverá ser indicado com “suficiente precisão, não bastando dizer, por exemplo, que a sociedade se dedicará ao comércio e à indústria”, tal como seguiu o Parecer da PGR de 09/03/1995. Diz-nos o CSC, no n.º 4 do artigo 6.º que, independentemente do objeto social que venha a ser definido pelos sócios contraentes, a sua capacidade jurídica nunca pode ser delimitada por esse mesmo objeto, não sendo, por isso, os atos praticados fora dele, nulos.

         O critério que delimita a capacidade da sociedade é, por seu turno, o fim da sociedade, concretamente o escopo lucrativo, e não o fim imediato que será aquele delimitado pelos estatutos. Conforme alude CASSIANO DOS SANTOS: “o CSC, aliás, nunca se refere ao objeto em termos de fim (imediato), distinguindo-os perfeitamente e quaisquer as dúvidas que pudessem subsistir quanto ao sentido do vocábulo fim no n.º 1 seriam removidas com o prescrito no n.º4: este preceito afasta expressamente o objeto da delimitação da capacidade.”[1]

         Não obstante, naquelas sociedades específicas, como as SIGI, Sociedades de Capital de Risco ou Sociedades Financeiras, entre outras, o objeto é definido, a priori, pela lei, sem possibilidade de derrogação estatutária. Referem ANTÓNIO PINTO MONTEIRO e CASSIANO DOS SANTOS que esta diferença para as sociedades comuns do CSC implica que o preceito do art. 6.º CSC não se aplique àquelas cujo objeto é delimitado por lei.Isto acontece porque, referem os autores, “não há uma identidade de situações e, portanto, por absoluta falta do pressuposto da lei (e de sentido lógico), o regime do CSC está apenas previsto para sociedades de objeto não especializado.”[2] Assim, afastando-se a aplicação do art. 6.º CSC, estas sociedades, por terem um objeto delimitado pela lei, “não podem ir além do seu objeto – de outro modo, frustrar-se-iam as limitações legais, alargando-se, por via da capacidade prevista numa lei geral, aquilo que a lei especial restringe expressamente”[3].

         Aparentemente será também este o caso das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária. No entanto, nestas surgem, quando analisado o seu diploma comparando com os preceitos de outras sociedades de objeto especializado[4], questões dúbias de regime (iminentemente interpretativas) que não podemos ignorar.

         Desde logo, o regime das SIGI não prevê expressamente uma regra da especialidade nem a proibição manifesta de atividades fora daquele objeto, e, por outro lado, mais ostensivamente, quando analisados conjuntamente os preceitos do objeto social e da composição dos ativos surge a questão de perceber se se poderão praticar atos não contemplados naquele objeto social previsto e, no caso de a resposta ser afirmativa, se poderemos considerar qualquer tipo de ato.

         Ao analisar os referidos preceitos, concluímos que o artigo 8.º dispõe que o ativo das SIGI deve ser constituído maioritariamente por direitos de propriedade, direitos de superfície ou outros direitos de conteúdo equivalente sobre imóveis, para arrendamento, abrangendo formas contratuais atípicas que incluam prestações de serviços necessárias à utilização do imóvel, ou seja, dispõe exatamente o mesmo texto que a al. a) do n.º 1 do art 7.º. Ao fazê-lo, parece que o legislador quis consagrar uma regra geral de que, apesar de as SIGI poderem ter outras atividades principais (expressamente previstas), os seus ativos devem ser compostos maioritariamente pelos direitos reais sobre imóveis para que sejam dados de arrendamento, numa percentagem de, pelo menos, 75% ou 80% conforme nos alude o citado artigo.

         Crendo, então, que os valores que resultem da atividade principal da sociedade disposto no nº1 do art. 7.º podem constituir 100%, é certo também que podem cumprir o mínimo legal e, por isso, 75% se forem só ativos que resultem do valor dos direitos sobre os imóveis, ou ainda, 80% se aliado a estes existirem ativos que resultem de participações em outras sociedades ou fundos; ressalta, por isso, a questão de saber se, de facto, apenas for cumprindo este mínimo legal, de que poderá ser constituído o restante dos 20% ou 25% dos ativos da sociedade. Se teremos de encontrar a solução dentro do objeto principal e acessório já previsto na lei, se, por outro lado, assemelhar-se-ão às sociedades comuns do código por não preverem tipificadamente a regra da especialidade ou se, numa perspetiva intermédia, se encontrará uma solução que não afasta a especialidade inerente a estas sociedades mas que na conjugação dos interesses da sociedade e de terceiros a tutelar se encontre o fundamento da vontade do legislador em abrir esta hipotética brecha, possibilitando uma prática limitada de atos fora do objeto social, tanto a nível do seu conteúdo como na sua consequência económica enquanto ativo para a sociedade.

         Cremos, também, que esta análise poderá ter consequências no plano de Representação e de Vinculação das sociedades, nomeadamente, na eventual aplicabilidade do artigo 9º da Primeira Diretiva nº 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, igualmente previsto na Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Julho de 2017, onde está disposto o regime sobre a Vinculação da Sociedade em relação a terceiros.

         Questões que levantamos e procuramos analisar, atendendo e fundamentando através dos diferentes interesses a tutelar conjugados com o intuito da sua criação na obra “Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária – O Problema do Objeto Social”.


[1] CASSIANO DOS SANTOS, O art. 6.º do CSC, a capacidade jurídica da sociedade e a prestação de garantias a dívidas de outros sujeitos, III Congresso DSR, 2014.

[2] CASSIANO DOS SANTOS e ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Parecer…

[3] CASSIANO DOS SANTOS e ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Parecer…

[4] Com especial relevo na nossa análise as Sociedades de Capital de Risco, Sociedades Financeiras e as Sociedades Gestoras de Participações Sociais.