Bernardo Faria

Exerceu funções enquanto jurista na Direção de Serviços Jurídicos da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Atualmente exerce funções como assessor jurídico no gabinete do juiz português, Nuno Cardoso da Silva Piçarra, no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em Kirsberg (Luxemburgo).


Perda Alargada de Bens no Sistema Penal Português é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 13 de Outubro 2022.

Consulte a obra neste link.


No passado dia 2 de agosto de 2022, entrou em vigor a décima primeira alteração à polémica, mas resiliente, Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro. A referida alteração, levada a cabo pela Lei n.º 13/2022, de 1 de agosto, não obstante cirúrgica em relevância serve, todavia, de mote para escrevermos este pequeno texto a propósito da apelidada “lei do confisco” que, não obstante a sua redação controversa, subsiste no ordenamento jurídico português há mais de vinte anos, tendo já sobrevivido a diversos exames de constitucionalidade.

O mecanismo de confisco aqui presente, na modalidade de “perda alargada”, por contraposição à denominada “perda clássica” estabelecida na Parte Geral do Código Penal (CP) vigente, requer três requisitos cumulativos para operar: (i) condenação pela prática de crime do catálogo; (ii) existência de património; e (iii) incongruência patrimonial. Com base na verificação destas três condições identificadas, o legislador presume que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito provém de atividade criminosa.

Em direito penal vigora o princípio basilar da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) e, neste sentido, poderia até mesmo o mais atento dos juristas ser levado a pensar que se estaria aqui perante uma flagrante violação da lei suprema da República. Ora, não tem sido esse o entendimento do Tribunal Constitucional, posição essa à qual aderimos com os fundamentos e análise que poderá consultar e estudar na obra da nossa autoria “Perda Alargada de Bens no Sistema Penal Português” que muito brevemente estará à disposição de qualquer pessoa que por estes assuntos nutra simpatia.

Relativamente à alteração infligida pela Lei n.º 13/2022 no catálogo de crimes cuja condenação transitada em julgado poderá levar ao confisco, o legislador optou por suprimir a redundante menção existente na antiga alínea m) referente aos crimes de dano relativo a programas ou outros dados informáticos, à sabotagem informática e ainda o acesso ilegítimo a sistema informático, na medida em que a mesma já constava da antiga alínea o). Assim sendo, esta última alínea foi reposicionada, correspondendo agora à atual alínea m), agregando os referidos crimes com os de contrafação, uso e aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos e respetivos atos preparatórios, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático. Por sua vez, da atual alínea o), consta agora um novo tipo penal, o crime de contrafação de moeda e títulos equiparados (artigos 262.º e 267.º do Código Penal).

Não colocando em causa a bondade e mérito da solução, não podemos deixar de constatar que, muito embora a presunção de que o património do arguido consiste em vantagens de atividade criminosa só funcione no âmbito de uma condenação por um dos crimes de “catálogo” taxativo e restrito, a evolução legislativa prosseguida nos últimos 20 anos ampliou sucessivamente o elenco de tipos legais, pelo que, o dito catálogo já não é tão restrito assim. Em resultado, tem-se alargado profundamente o leque de possibilidades de aplicação do confisco.

Assim sendo, e assim terminamos, é legítimo questionar se o uso de um mecanismo como o confisco, ablativo de direitos fundamentais como o direito de propriedade privada (artigo 62.º CRP), não estará a vulgarizar-se em demasia como arma de combate ao crime e à prossecução da justiça pelo poder público, violando princípios constitucionais basilares como a proporcionalidade, a adequação e a proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2 CRP)?