Artur Flamínio da Silva
Professor Associado da Universidade Autónoma de Lisboa, responsável pela disciplina de Direito Processual Administrativo.
Consulte a sua obra neste link.
1. É comum que um dos argumentos invocados para promover um ataque à arbitragem seja que o Estado perde (e muito) quando assume a posição de parte em processos arbitrais. Foi, a este respeito, mencionado em dois projectos de lei (do PCP[1] e do Bloco de Esquerda[2]) que a arbitragem é, para o Estado, “invariavelmente desfavorável” (PCP) ou uma “perversidade” que tem “sido invariavelmente prejudicial para o interesse público” (Bloco de Esquerda);
2. A menção às “derrotas” do Estado – expressamente mencionada no caso da iniciativa legislativa do PCP – tem ganho projecção na opinião pública por uma associação a um conjunto de percentagens (baixas!) de vitórias do Estado na arbitragem;
3. É evidente que esta circunstância manifesta uma desconfiança e um ataque – especialmente injustificado quando comparado com outros regimes jurídicos – à arbitragem administrativa e arbitragem fiscal institucionalizada;
4. Devo, porém, fazer uma declaração de princípio relativamente ao argumento: não há nenhuma garantia, nem pode haver sob pena de se comprometerem os princípios mais basilares do Estado de Direito, de vitória (contra os particulares) nem nos tribunais arbitrais e, muito menos, nos tribunais estaduais;
5. O argumento da derrota – aparentemente por uma comparação (sem dados estatísticos) com os tribunais estaduais – é perigoso e indicia que o Estado tem, a todo o custo, de ganhar num processo em que seja a contraparte de um cidadão;
6. O que falta, entre outras coisas, para convencer, de forma sustentada, séria e adequada à realidade, não é um estudo sobre a percentagem das vitórias do Estado na arbitragem fiscal ou administrativa, mas antes uma investigação que não seja selectiva e nos explique se, verdadeiramente, o Estado vence mais ou menos em todas as arbitragens em que participa quando comparado com as situações em que o Estado é parte num litígio que corre termos nos tribunais estaduais;
7. É que, como é sabido, cada ramo de Direito tem especificidades que enformam o processo arbitral, tal como existem processos arbitrais mais garantísticos do que outros. É este o caso da arbitragem fiscal e da arbitragem administrativa (se, para este efeito, excluirmos a arbitragem do Tribunal Arbitral do Desporto), que são genericamente mais próximas das garantias processuais dos tribunais estaduais do que a arbitragem regulada só pela Lei da Arbitragem Voluntária, designadamente, exceptuando o caso da arbitragem de consumo, aquela que envolve litígios de Direito Privado;
8. O problema mais relevante, atendendo a estes dados e se vier a ser constatado que é verídico que o Estado perde mesmo mais vezes na arbitragem do que nos tribunais estaduais, será começar por discutir o porquê de esta circunstância acontecer e é aqui que verdadeiramente reside o ponto cardeal da discussão;
9. De entre as possíveis causas, sem suspeições ou ataques gratuitos, podemos, desde logo, pensar – e é perfeitamente aceitável – que o recurso à arbitragem por parte do Estado possa não ser acompanhado de um conhecimento – pela inexperiência com este meio de resolução alternativa de litígios – do que é a arbitragem. A flexibilidade e a existência de conceitos próprios e regras diferentes pode condicionar um comportamento condizente com as especificidades da arbitragem;
10. É, neste contexto, nossa convicção que o Estado tanto perde nos tribunais arbitrais, como perde nos tribunais estaduais, pelo que qualquer argumentação que se cinja a um facto ou dado estatístico muito particular não tem relevância suficiente para, sem ser para lançar suspeitas e fomentar a desconfiança e o populismo, convencer sobre as causas que levam ao Estado perder nos tribunais (sejam elas quais forem).
O presente texto já foi objecto de
publicação inicial no jornal Público.
[1] Projecto de Lei n.º 799/XIV/2.ª.
[2] Projecto de Lei n.º 837/XIV/2.ª.