Carlos Manuel de Oliveira

Licenciado em Economia, especializado em Economia Europeia (UCP), Marketing Estratégico e Brand Management: PG pela AESE em Direcção de Empresas e Strategic General Management, INSEAD, Fontainebleau. Professor Convidado do IDEFE/ISEG. CEO, “Marketingmania Consulting”, Profissional de marketing desde há 28 anos. Ex-Director Bancário (Direcção de Estudos Económicos, Direcção Internacional e Director de Marketing) e Administrador de Sociedade Financeira (CMO). “Past-President” e Chairman do Board of Directors da EMC, European Marketing Confederation, em Bruxelas (2007-2009). Ex-Presidente da APPM, Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing (2002-2011).

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  1. O novo fenómeno disruptivo e o “novo normal”
  2. Economia mundial e geopolítica
  3. Políticas conjunturais e Portugal
  4. Sectores e Marcas
  5. Algumas lições a retirar
  6. Dúvidas finais
  1. O novo fenómeno disruptivo e o “novo normal”

O mundo e a humanidade não vão acabar em consequência desta pandemia a qual, vai sendo combatida até a uma sua futura irradiação. Embora persista a maior preocupação actual, há que olhar para a frente e reflectir, falar, discutir todos os outros temas que interessam às pessoas, no caso desta nota, aos Estados, às empresas, à sociedade, às marcas.

Estamos perante um verdadeiro fenómeno disruptivo e como qualquer um, todos os pressupostos aceites até aí, têm de ser reequacionados e postos em causa, quer se queira, quer não. Um disrupção que não está ligada a qualquer processo empresarial. Uma disrupção diferente, porque atinge todos os países do mundo, toda a humanidade. Uma disrupção que atinge códigos sociais, regras de convivência, o exercício do amor pelos nossos familiares e amigos, a liberdade de circulação e de reunião.

Todos ansiamos o regresso ao “normal”. Mas esse regresso não vai ter lugar certamente nos próximos 10 a 12 meses. Estamos, assim, na eminência de “um novo normal”. Esse “novo normal” continuará a passar por uma abertura lenta das economias, pela continuação de muitas restrições que nunca imaginaríamos há uns meses atrás, que pudessem ter lugar.

O “novo normal” vai passar pelo uso de máscara protectora, o relativo distanciamento social, na rua, no restaurante, nas lojas, a intensificação do teletrabalho, a inexistência de grandes espectáculos públicos com largas audiências.

  1. Economia mundial e geopolítica

O mundo globalizado vai sofrer múltiplos impactos e alterações, face ao que era a sua forma de funcionar até à crise. Vão haver – já estão a haver – reacções de imediato, no sentido de colmatar as crises conjunturais e pôr as economias a funcionar; outras reacções, se vão impor, de cariz mais estrutural e do necessário reequilíbrio económico.

A economia mundial vive, segundo o FMI, a pior crise desde a Grande Depressão nos EUA e na Europa do fim dos anos 20/30 do século passado. Nós, em Portugal deveremos ter um record histórico de baixa de produção, nunca antes vista.

Alguns Estados e algumas empresas já anunciaram o reequacionamento das suas relações internacionais, nomeadamente com a China, tendo algumas delas já optado

pela deslocação da totalidade, ou parte das suas produções, para outros países do extremo oriente, começando a globalização a ser abalada.

A China vai, no entanto, sair reforçada esta crise. Aparentemente, terá debelado o vírus mais cedo; tem um enorme poder económico; dispõe de um mercado interno gigante e ainda em crescimento; controla grande parte da produção mundial, que exporta para inúmeros outros países.

A Europa sairá mais fraca. Economia abalada; divergências políticas internas de fundo. Uns querem-na mais forte e integrada; outros nem tanto.

Os nacionalismos exacerbados e os populismos continuarão, lamentavelmente digo, a escala ascendente, muitos deles estando na oposição, capitalizarão críticas fáceis a governos que se vão debater com a recuperação das suas economias.

A Rússia mantém o seu quase silêncio, nunca se sabendo muito bem o que por lá se passa. Se estão a ser mais seriamente atingidos ou não, embora existam alguns indicadores disponíveis quanto à pandemia.

Os EUA manterão o braço de ferro face à China. Curiosamente, esta crise acaba por dar mais alguma força a Trump, não obstante as suas declarações iniciais desvalorizando a sua importância. E, em momentos de grande crise como esta, há tendência para – paradoxal mas compreensivamente – o reforço dos nacionalismos, o que contará também a seu favor. Mas as próximas semanas ditarão o sentido da sua popularidade.

A melhor solução futura teria de passar – caso os políticos e os detentores das empresas o quisessem – pela transformação do modelo actual de negócio para um processo de “capitalismo consciente”, no qual o ser humano passasse a ser o protagonista principal; um capitalismo consciente que privilegie, não só os accionistas das empresas, mas também todos os restantes stakeholders: os colaboradores, os fornecedores, os clientes, o ambiente, as comunidades locais e regionais, o Estado.

O tema não é novo, mas será dificilmente implementado, embora já obtenha o apoio de muitos grandes empresários, nomeadamente americanos.

2. Políticas conjunturais e Portugal

As políticas conjunturais vão ter de gerir os efeitos destrutivos sobre as economias provocados pela crise e, simultaneamente, evitar o agravar dos défices e dívidas externas, em particular com o regresso ao financiamento do mercado.

Como se sabe, Portugal depende significativamente das exportações e do turismo, sectores que serão – já estão a ser – seriamente afectados. O ecossistema turístico é no nosso país bastante forte, abrangendo muitíssimas actividades, desde a hotelaria, à restauração, a múltiplos serviços, ao arrendamento temporário de habitações.

A evolução das exportações dependerá dos efeitos, mais ou menos fortes, que se produzam nas economias dos nossos parceiros. 

Cada mês que passa é mais uma machadada nas várias economias. O prolongar do tempo de quase inactividade, vai causando efeitos negativos, cada vez mais profundos.

As empresas portuguesas nunca estiveram fortemente capitalizadas e muitas delas – em especial PME – já não retomarão mais a sua actividade. Múltiplas falências vão certamente atingir cafés e restaurantes, de entre outras. O desemprego vai voltar a níveis pré-Troika. O Estado vai ser sobrecarregado com um nível mais elevado de subsídios.

Perante tudo isto, como se poderá processar a retoma necessária em Portugal? A única solução à falta de recursos internos suficientes, é a do financiamento externo, das instituições e dos mecanismos europeus de financiamento, em primeiro lugar, e do mercado, depois.

É cedo para se tecerem cenários para o futuro económico do país. O FMI refere quedas de 8% no PIB, e 12,9% de taxa de desemprego. Poderá ser mais, esperemos que não. A dívida pública vai ter uma subida acentuada – rácio da dívida para valores acima dos 135% do produto – e, não vale a pena ser demasiado optimista como parece ser a opinião do governo pois, passada a crise, os mercados vão avaliar o risco e castigar – como sempre o fazem e é normal que o façam – os países economicamente mais débeis e com elevadas dívidas.

Em consequência, os principais investidores irão olhar para o país como de risco elevado. A dívida externa já era elevada, e ainda o vai ser mais. A agência de rating Moody’s já baixou a notação do país para negativo. Em consequência, futuros financiamentos serão necessariamente feitos a custos mais elevados.

3. Sectores e Marcas

Em todo este ambiente, as marcas, não só em Portugal – principalmente as mais fortes – terão de sobreviver, embora lutando com consumidores das classes médias e baixa, com mais reduzido poder de compra e, provavelmente, encarando a sua gestão financeira individual de uma forma mais apertada, tentando melhor racionalizar as suas despesas.

Sectores como o da alimentação, continuarão a dispor de um mercado largo, como o que anteriormente tinham. Mais problemático, o ambiente com que muitos outros sectores se vão defrontar. Já referi, e voltando ao nosso país, o turismo, a hotelaria, a restauração e todos os sectores a eles ligados, profissionais liberais, empresas e milhares de trabalhadores do sector cultural, das artes, dos espectáculos.

As marcas que tenham estado mais próximas dos seus clientes na fase mais difícil, capitalizarão alguma simpatia acrescida, que poderá potenciar maiores vendas futuras.

As outras, terão aprendido que a transparência, a proximidade e a verdade, são essenciais para captar e manter a preferência dos seus clientes.

O próximo passo da gestão das marcas vai ter de ser, a gestão combinada e coerente do curto e do longo prazo. No curto, tentando recuperar os efeitos negativos da diminuição das suas vendas, no longo prazo mantendo a consistência dos seus valores com a sua actuação no mercado. No fundo, um esforço continuado de humanização no melhor aproveitamento possível desta era digital.

4. Algumas lições a retirar

Esta crise ajuda a ressaltar algumas situações que, deveriam assumir um maior peso no futuro.

Descentralização do poder

Um desses temas é o da maior autonomia e descentralização das regiões dentro do país. O maior conhecimento, a maior proximidade, o sentir local, a gestão dos recursos locais, permite uma reacção mais rápida e mais ajustada às necessidades das populações.

Necessidade de maior solidariedade institucional – Utopia?

Os governos e os partidos, em particular no nosso país, deveriam concentrar as suas forças na centralidade do cidadão e não nas suas mais profundas divergências ideológicas. Utopia, certamente, mas desejo e convencimento que seria o melhor caminho para o sucesso e o desenvolvimento.

A necessidade de maior alocação de recursos públicos e privados ao interesse comum, à saúde, à investigação aplicada, ao R&D, à segurança interna, ao bem estar, à educação e à cultura.

A necessidade de se encarar a sério, quer pelas organizações internacionais, quer pelos governos dos próprios povos, grandes problemas do mundo, em particular dos países menos desenvolvidos: a fome, as condições sanitárias, a dignificação da pessoa humana, o combate ao terrorismo. O desejo – wishful thinking – da não existência de políticas/diria, políticos, que não se centrem nos seus umbigos e sirvam aqueles que os elegeram.

Uma maior consciência ambiental

Nós somos entes claramente frágeis nesta complexidade ecossistémica da natureza, do mundo, do universo. Temos de consciencializarmo-nos e assumir a responsabilidade pela contribuição que estamos a dar para um futuro mais negro dos nossos descendentes e da humanidade.

A evidência demonstra a necessidade do reequacionamento das estratégias globais de agressão ao planeta. A persistência de uma estratégia de sustentabilidade na gestão dos negócios e da sociedade, impõem-se, sob pena de termos conviver no futuro, com fenómenos disruptivos de destruição massiva, dos ecossistemas naturais, da saúde, do ambiente, da vida.

Paradoxo redes sociais/vida comum/vida social

Embora a crise tenha vindo a acentuar a utilização das redes sociais, seria bom que no pós-crise as pessoas se concentrassem no primado da convivialidade social e presencial.

Um maior envolvimento na vida familiar e contacto com aqueles que possam melhor contribuir para a maior realização pessoal; uma maior preocupação com “o outro”. 

A nossa vida social e pessoal vai ser diferente. Com mais medos, com menor aproximação aos outros, com receio de férias fora. Esperamos que por não demasiado tempo.

Numa perspectiva optimista e de esperança, esperamos que se possa desenvolver um sentimento agregador, de maior proximidade e solidariedade entre as pessoas e as nações.

5. Dúvidas finais

Ao ter escrito estas linhas, poderá ter sido dado a entender que tenho certezas pessoais, num mundo cada vez mais incerto; mais do que certezas, surgiram-me questões, interrogações, dúvidas.

Neste sentido, gostaria de lançar algumas dessas dúvidas, esperando a contribuição para o seu debate, por parte de quem possa assistir a este vídeo:

 – Será que iremos ser confrontados mesmo com “um novo normal”, na pós-crise pandémica?

– O que irá mudar?

– O fenómeno da globalização será afectado? O que se passará com as redes de comércio? E a desejada nova rota da seda pela China?

– O que mudará no equilíbrio geoestratégico mundial?

– Como poderemos gerir a crise económica e da dívida pública que derivará desta crise sanitária?

– Que impactos se vão produzir no ecossistema turístico nacional?

– Haverá impactos no comportamento dos consumidores no que respeita aos hábitos de consumo?

– O que vai acontecer aos grandes projectos, como o do aeroporto do Montijo?

– Qual o novo equilíbrio entre os grandes espaços e o comércio local?

– Será certa uma alteração nos nossos hábitos sociais?

Bem, certamente que para além destas, há múltiplas outras questões que se levantam. Deixo estas. Espero que possam surgir contribuições.