Jorge Morais Carvalho

Professor Associado da NOVA School of Law. Investigador do CEDIS – Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade. Diretor do NOVA Consumer Lab e do NOVA Law & Tech.
Autor de mais de cem livros e artigos científicos e participação em mais de cem seminários e congressos nacionais e internacionais, nas áreas do direito civil, do direito comercial, do direito do consumo, do direito processual civil, da resolução alternativa de litígios e do direito comparado.
Editor da EuCML – Journal of European Consumer and Market Law.

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  1. Introdução: origens e condições para o desenvolvimento do direito do consumo

Apesar de os primeiros sinais da existência de um desequilíbrio na relação de consumo serem anteriores[1], a problemática da proteção dos consumidores, entendida como tal, tem como marco histórico o famoso discurso de John F. Kennedy, proferido no Congresso a 15 de março de 1962. Nesta intervenção, o presidente norte-americano Kennedy salientou que “consumidores, por definição, somos todos nós”, acrescentando que, apesar de não se encontrarem organizados e de não serem ouvidos, constituem o maior grupo económico a atuar no mercado, sendo influenciados por (e influenciando) todas as decisões tomadas a este nível.

O direito do consumo nasceu e desenvolveu-se nas décadas seguintes em condições ímpares de paz, de crescimento económico e de democracia[2]. E desenvolveu-se, em especial, nos locais e nos momentos de maior crescimento económico. Na história recente da humanidade, as condições nunca tinham sido tão favoráveis para que o Estado e os seus cidadãos, seus representantes, incluindo os produtores, os distribuidores e os comercializadores, se preocupassem com a adoção de uma proteção acrescida da posição de uma das partes da relação de consumo, o consumidor.

A crise económica que eclodiu em 2008, com particular vigor nos Estados onde a proteção do consumidor triunfara, veio pôr em causa as condições perfeitas de paz, de crescimento económico e de democracia necessárias para o desenvolvimento do direito do consumo[3]. A crise colocou fundamentalmente em causa o pressuposto do crescimento económico, embora os seus reflexos na paz e na democracia não devam ser negligenciados.

A crise que estamos atualmente a viver – e que ainda está no seu início – volta a colocar em causa as condições ideais para o desenvolvimento do direito do consumo, desde logo, mais uma vez, por colocar em causa o crescimento económico, mas também a paz e a democracia poderão estar em causa em muitos contextos geográficos.

As primeiras medidas legislativas e regulamentares aprovadas ao longo das últimas semanas refletem precisamente esta tendência dos momentos de crise, desprotegendo-se os consumidores para aliviar os profissionais de alguns custos, acentuando-se em simultâneo a proteção de um grupo de pessoas particularmente desprotegidas pelas dificuldades económicas em que se encontram. Deixa de se apostar em primeira linha no direito do consumo, centrado fundamentalmente na atribuição de direitos à classe média, passando a prioridade para um direito dos pobres. Esta constatação não reflete uma análise crítica, uma vez que se compreende que a prioridade, no centro de uma crise, seja a proteção dos mais vulneráveis, mas apenas servir de referência quanto à enunciação dos verdadeiros objetivos do direito do consumo.

Depois de indicar, ainda em geral, os fundamentos do direito do consumo, procede-se a uma análise de algumas normas aprovadas nas últimas semanas, as quais servem de exemplo para a tese que defendemos neste texto de que o nível de proteção dos consumidores decresce em períodos de crise.

  • Fundamentos do direito do consumo

Os fundamentos tradicionalmente apontados para a aprovação e a identificação de normas em matérias de direito do consumo não variam muito, assentando, no essencial, na necessidade de proteção do consumidor, em virtude da existência de uma relação desequilibrada entre consumidor e profissional[4], por se pressupor que este último dispõe, por um lado, de mais e melhor informação, não só técnica, mas também jurídica, no que respeita ao negócio em causa e, por outro lado, de uma capacidade financeira superior. Note-se que esse desequilíbrio não constitui pressuposto para a qualificação, em concreto, de alguém como consumidor[5].

A proteção do mercado deve também ser incluída entre os fundamentos do direito do consumo.

Um dos principais objetivos da legislação de consumo passa por estimular a confiança do consumidor para que este adquira mais bens e serviços[6], apontando-se o consumo como um importante fator de crescimento económico. Os custos associados às normas de proteção dos consumidores, que aumentam em regra na proporção do aumento da proteção[7], tendem a favorecer as grandes empresas, em detrimento das de menor dimensão, uma vez que aquelas têm maior capacidade de adaptação e resistência a eventuais reduções nas margens de lucro. A proteção do consumidor pode ser um fator de competição entre empresas[8].

  • Crise de 2008 e pós-crise de 2008

Ainda antes de analisarmos as medidas tomadas no contexto da pandemia, em março e abril de 2020, vejamos alguns exemplos das consequências da crise económica de 2008.

Esta crise atingiu os Estados onde o sucesso do direito do consumo fora sido mais intenso ao longo das décadas anteriores. Como refere Carlos Ferreira de Almeida, “o consumo tem estado no núcleo do furacão”[9], primeiro devido ao aumento descontrolado do crédito e do consumo, seguido da sua redução abrupta.

Além de um claro “défice de aplicação prática”[10] das normas de direito do consumo, pôde observar-se, nos anos que se seguiram ao início da crise, um fenómeno de estagnação, ou até uma diminuição, do nível de proteção dos consumidores.

A nível europeu, a tendência de adoção de diretivas de harmonização máxima[11] constitui um bom exemplo de que a proteção do mercado prevalece atualmente sobre a proteção do consumidor. Por exemplo, na transposição da Diretiva relativa aos Direitos dos Consumidores, a Áustria teve de revogar uma norma que determinava que o prazo para o exercício do direito de arrependimento apenas começava a contar a partir do momento da receção da primeira fatura pelo consumidor[12]. Em Portugal, na transposição da Diretiva relativa à venda de bens de consumo, terá de passar a prever-se uma hierarquia entre os direitos do consumidor em caso de desconformidade do bem com o contrato.

A nível interno, alguns diplomas apontaram igualmente no sentido de um retrocesso, como a Lei 58/2012, que criou um regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil[13], com requisitos de tal forma exigentes[14] que parece ter sido adotada com o objetivo de travar uma (mais imaginada do que real) tendência da jurisprudência no sentido de permitir a dação em cumprimento do imóvel pelo mutuário[15]. Também a Lei 10/2013, a Lei 47/2014 e o DL 205/2015 podem ser dados como exemplo desta tendência.

Entre 2016/2017 e 2019, com a retoma da economia, quer a nível global quer particularmente em Portugal, a tendência parece ter-se invertido, tendo sido aprovadas, em alguns domínios, em especial em torno da economia digital, novas normas de proteção dos consumidores. Pelo menos, olhando hoje para trás, não encontramos nos últimos dois ou três anos exemplos daquela tendência de estagnação ou diminuição do nível de proteção do consumidor e, pelo contrário, a produção legislativa tem sido intensa quer a nível nacional quer a nível europeu.

  • Covid-19 e direito do consumo

Em 2020, voltamos a confrontar-nos com uma crise, ainda com contornos e alcance desconhecidos, mas já com algumas intervenções legislativas claras no sentido de restringir alguns direitos dos consumidores, essencialmente com o objetivo, neste momento, de garantir a subsistência de alguns profissionais em setores mais afetados ou outros interesses públicos[16].

Na legislação nacional, até ao momento, o exemplo mais claro é o dos espetáculos de natureza artística.

Nos termos do art. 9.º-1-a) do Decreto-Lei n.º 23/2014, de 14 de fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/2019, de 5 de julho, “o promotor do espetáculo constitui-se na obrigação de restituir aos espectadores a importância correspondente ao preço dos bilhetes” no caso de “não realização do espetáculo no local, data e hora marcados”. Esta obrigação de restituir constitui-se independentemente da razão pela qual o espetáculo não se realizou, correndo, assim, o risco por conta do promotor. É o que resulta de forma clara, numa interpretação a contrario sensu, do n.º 2 do mesmo preceito, que determina que o promotor não tem de restituir a importância correspondente ao preço dos bilhetes em caso de interrupção do espetáculo se esta resultar de “motivo de força maior verificado após o início do espetáculo”[17].

Ora, o Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março, veio estabelecer medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19 no âmbito cultural e artístico, em especial quanto aos espetáculos não realizados.

Nos termos do art. 2.º-1. o diploma aplica-se aos “espetáculos não realizados entre os dias 28 de fevereiro de 2020 e até 90 dias úteis após o término do estado de emergência”. No momento da publicação deste texto, ainda não terminou o estado de emergência, pelo que não é possível perceber ao certo a que período se aplica o regime excecional.

Aos espetáculos não realizados neste período não se aplica, assim, o art. 9.º-1-a) do Decreto-Lei n.º 23/2014, pelo que o portador do bilhete não pode exigir de imediato a restituição da importância correspondente ao preço dos bilhetes.

A regra geral prevista no art. 4.º-1 do Decreto-Lei n.º 10-I/2020 é a do reagendamento do espetáculo. Pode ler-se no preâmbulo que, “em primeiro lugar, os espetáculos não realizados devem, sempre que possível, ser reagendados, devendo todos os agentes culturais envolvidos na realização do espetáculo intentar todos os esforços para a sua concretização, segundo as regras da boa fé”.

O espetáculo terá de ocorrer no prazo máximo de um ano após a data inicialmente prevista (art. 4.º-2), admitindo-se a mudança do local, da data (naturalmente, sendo esta mudança o pressuposto do regime) e da hora (n.º 3).

Quanto ao local, a alteração “fica limitada à cidade, área metropolitana ou a um raio de 50 km relativamente à localização inicialmente prevista” (n.º 4). Apesar de não ser claro o sentido da alternativa introduzida neste preceito, parece-nos que a interpretação mais adequada, tendo em conta a letra do preceito e sem discriminar em função de o espetáculo estar marcado ou não para uma cidade, consiste em fazer prevalecer o critério da distância, não podendo o espetáculo ser marcado para um local a mais de 50 km do local inicialmente previsto.

Não pode ser aumentado o preço nem cobrado qualquer valor ao consumidor relativo à substituição do bilhete (n.os 7 e 8).

O promotor só deve cancelar o espetáculo se não for possível o reagendamento do espetáculo, devendo restituir integralmente o preço a quem for portador de bilhete (art. 5.º).

O art. 6.º coloca a hipótese de substituição do espetáculo, mas o efeito desta norma é muito reduzido, uma vez que não se trata de um direito potestativo do portador do bilhete, mas de uma solução que pode ser obtida por acordo entre as partes. Assim, se o portador do bilhete pedir a substituição por outro espetáculo, “os agentes podem proceder à substituição do bilhete” (itálico nosso), não estando, portanto, vinculados a fazê-lo. Ora, por acordo, além desta, qualquer outra solução é admissível.

Em Portugal, também já foram adotadas medidas excecionais no âmbito do crédito à habitação. O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, estabelece medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito do Covid-19.

Este novo regime, embora possa ser útil, em concreto, para alguns consumidores, não é particularmente protetor e tem alguns riscos de sobreendividamento associados.

Nos termos do art. 2.º-2-a), podem beneficiar deste regime, no que respeita à parte do diploma relativa a consumidores, as pessoas em relação às quais se verifiquem os seguintes pressupostos:

  • Pessoa singular;
  • Contrato de crédito para habitação própria permanente;
  • Inexistência de situação de mora ou de incumprimento;
  • Situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social;
  • Residência em Portugal;
  • Situação problemática.

Qualificamos como situação problemática os seguintes factos, indicados, de forma aparentemente taxativa, no preceito referido: a) isolamento profilático; b) doença; c) necessidade de prestação de assistência a filhos ou netos; d) colocação em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial; e) desemprego; f) ser trabalhador elegível para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente; g) ser trabalhador de entidade cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência. É suficiente que se verifique uma das situações indicadas para a pessoa beneficiar do regime.

A medida relevante no que respeita a consumidores é que se encontra prevista no art. 4.º-1-c): “suspensão, relativamente a créditos com reembolso parcelar de capital ou com vencimento parcelar de outras prestações pecuniárias, durante o período em que vigorar a presente medida, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao término desse período, sendo o plano contratual de pagamento das parcelas de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos estendido automaticamente por um período idêntico ao da suspensão, de forma a garantir que não haja outros encargos para além dos que possam decorrer da variabilidade da taxa de juro de referência subjacente ao contrato, sendo igualmente prolongados todos os elementos associados aos contratos abrangidos pela medida, incluindo garantias”.

No fundo, a ideia passa por suspender o contrato durante o período de vigência da medida, estendendo o prazo de pagamento do capital e de todos os outros encargos indicados.

No entanto, a suspensão não é total, uma vez que, nos termos do art. 4.º-3-c), a extensão não dá origem a qualquer “suspensão do vencimento de juros devidos durante o período da prorrogação, que serão capitalizados no valor do empréstimo com referência ao momento em que são devidos à taxa do contrato em vigor”. Portanto, o consumidor pode – licitamente – não pagar as prestações durante o período previsto no diploma, mas são devidos juros relativamente a este período, incluindo juros sobre juros. Neste sentido, parece-nos que o regime, embora positivo, não é particularmente generoso em relação aos consumidores em dificuldade.

No setor do turismo, apenas foi adotada legislação de crise em matéria de relações de consumo no que respeita às viagens de finalistas.

O art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, ratificado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interditada a realização de viagens de finalistas ou similares e determina que as agências ou outras entidades organizadoras das viagens previstas no número anterior ficam obrigados ao reagendamento das mesmas, salvo acordo em contrário entre as partes.

Não é clara a configuração exata deste regime enquanto exceção ao regime das viagens organizadas (Decreto-Lei n.º 17/2018, de 8 de março), que permite a resolução do contrato por parte do viajante, nos termos do art. 25.º-4, conferindo-lhe o direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados (n.º 5).

Salvaguardando o efeito útil da norma e o provável objetivo de garantir a subsistência das empresas do setor, a melhor interpretação destas regras parece passar por considerar que se trata de um regime excecional, que afasta o regime geral durante o período de crise, dando a possibilidade às empresas de, independentemente da vontade dos consumidores, reagendar as viagens que não puderam ser realizadas. Trata-se de uma solução idêntica à que resulta do Decreto-Lei n.º 10-I/2020 relativamente aos espetáculos.

Em matéria de cancelamento de voos, vigora o Regulamento (CE) n.º 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos. A única novidade das últimas semanas neste domínio é a Comunicação da Comissão, de 18 de março de 2020, com orientações interpretativas relativas aos direitos dos passageiros no contexto da pandemia[18]. Neste documento, defende-se que o cancelamento resultante de medidas restritivas adotadas a nível nacional se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias, para efeito do art. 5.º-3 do Regulamento 261/2004, o que determina que a transportadora aérea não é obrigada a pagar uma indemnização aos passageiros. Não fica, naturalmente, afastado o direito ao reembolso do preço total do bilhete, previsto nos arts. 5.º-1-a) e 8.º-1-a) do Regulamento, o qual deve ser feito no prazo máximo de sete dias, “em numerário, através de transferência bancária eletrónica, de ordens de pagamento bancário, de cheques bancários ou, com o acordo escrito do passageiro, através de vales de viagem e/ou outros serviços”. O passageiro não tem, portanto, de aceitar qualquer solução que passe pelo reagendamento da viagem ou pela atribuição de um vale para utilização em momento posterior. Em alterativa ao reembolso do preço, o passageiro pode também exigir o reencaminhamento. O direito a assistência (art. 9.º do Regulamento) também se mantém.

No que respeita aos serviços públicos essenciais, realçamos o Decreto-Lei n.º 10-D/2020, de 23 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia da doença Covid-19 relacionadas com o setor das comunicações eletrónicas. Estas medidas não parecem, no entanto, visar uma proteção, pelo menos direta, do utente-consumidor. Em sentido contrário, salientamos que o art. 8.º-a) e b) estabelece que são suspensas as obrigações de “cumprimento dos parâmetros de qualidade de serviço” e de “cumprimento dos prazos de resposta a reclamações de utilizadores finais, apresentadas através do livro de reclamações em formato físico ou eletrónico”. Ou seja, nestes aspetos, a lei vem desproteger o utente-consumidor.

No sentido de proteger os consumidores mais vulneráveis, referimos ainda o Regulamento n.º 255-A/2020, da ERSE (Regulamento Que estabelece Medidas Extraordinárias no Setor Energético por Emergência Epidemiológica Covid-19), que contém normas muito relevantes quanto à interrupção do fornecimento de eletricidade e gás natural e ao pagamento fracionado da fatura. Nos termos do art. 2.º-1, “o fornecimento de energia elétrica e de gás natural em Baixa Tensão Normal e baixa pressão com consumo anual igual ou inferior a 10 000 m3 (n) passa apenas a poder ser interrompido, nos casos de facto imputável ao cliente, volvidos 30 dias adicionais face ao termo regulamentarmente previsto”. Portanto, a um cliente doméstico de eletricidade ou gás natural não pode ser interrompida a prestação do serviço antes de ser concedido um pré-aviso, por escrito, com uma antecedência mínima de 50 dias (os 20 dias atualmente previstos na Lei n.º 23/96[19], mais os 30 dias de alargamento constantes da norma regulamentar). Este prazo adicional de 30 dias poderá ainda vir a ser prorrogado pela ERSE “em função do evoluir das circunstâncias” (art. 2.º-2 do Regulamento). O art. 4.º-1 do Regulamento estabelece que “os consumidores fornecidos que, em função da aplicação dos artigos anteriores, gerem dívida aos comercializadores têm direito, mediante pedido, ao pagamento fracionado dos montantes faturados”, sendo que, “pelo período de 30 dias adicionais estabelecido pelo art. 2.º, sem prejuízo de prorrogação que venha a ser decidida pela ERSE, não há lugar à cobrança de juros de mora nos valores faturados a clientes finais”. Os consumidores terão, assim, direito ao pagamento fracionado do valor da fatura, não sendo devidos juros de mora no que respeita aos 30 dias adicionados nos termos do Regulamento.

A 7 de abril, foi aprovado pelo Conselho de Administração da ERSE um novo Regulamento, que prevê, entre outros aspetos, que “os prazos de aplicação do regime excecional estabelecidos no Regulamento n.º 255-A/2020, de 18 de março, são prorrogados até 30 de junho de 2020, sem prejuízo de nova prorrogação que venha a ser decidida” (art. 2.º).

A 8 de abril, foi aprovada na Assembleia da República uma Lei que vem proibir a interrupção do fornecimento dos serviços públicos essenciais de eletricidade, gás, água e comunicações eletrónicas e impor a elaboração de um plano de pagamento dos valores em dívida relativos a esses serviços.

Em Espanha, o Real Decreto-Ley 11/2020, de 31 de março, que adota medidas urgentes adicionais no domínio social e económico para fazer face à Covid-19, contém regras de proteção de consumidores vulneráveis no que respeita a créditos hipotecários e não-hipotecários (v. arts. 16 e segs.) e proíbe a suspensão da prestação dos serviços de fornecimento de serviços públicos essenciais, como a eletricidade, o gás natural ou a água, na residência habitual dos consumidores, podendo estes provar através de qualquer documento que se trata da sua residência habitual (art. 29.º).

Numa secção autónoma, que tem como título “medidas de proteção dos consumidores”, regula-se a resolução de certos contratos sem penalização por parte de consumidores (art. 36.º) e prevê-se medidas restritivas relativas a comunicações comerciais feitas por entidades que exercem atividades de jogo (art. 37.º).

O n.º 1 do art. 36.º estabelece que, “se, em resultado das medidas tomadas durante o estado de emergência, os contratos celebrados por consumidores (…) se revelarem impossíveis de cumprir, o consumidor (…) tem o direito de resolver o contrato por um período de 14 dias. O pedido de resolução só pode ser considerado quando não for possível obter da proposta ou propostas de revisão apresentadas por cada uma das partes, com base na boa fé, uma solução que restabeleça a reciprocidade de interesses do contrato. As propostas de revisão podem incluir, nomeadamente, a oferta de vales. Para o efeito, entende-se que não pode ser obtida qualquer proposta de revisão quando tiver decorrido um período de 60 dias desde a impossibilidade de execução do contrato sem o acordo das partes sobre a proposta de revisão”. Salvo acordo expresso entre as partes, “o profissional é obrigado a devolver os montantes pagos pelo consumidor, com exceção das despesas efetuadas, devidamente discriminadas e fornecidas ao consumidor, na mesma forma em que o pagamento foi efetuado, num prazo máximo de 14 dias” (n.º 2).

Ao contrário do que poderia parecer, esta norma não aumenta o nível de proteção do consumidor, uma vez que a resolução seria a solução já prevista na lei para estes casos. A lei impõe ao consumidor a negociação com o profissional de propostas de revisão do contrato, considerando-se encerrada a negociação apenas 60 dias depois de se ter verificado a impossibilidade do cumprimento do contrato. Trata-se de uma solução que apela à adoção de uma solução concertada entre partes, visando essencialmente a proteção do profissional.

No que respeita a contratos duradouros de prestação de serviços, “o profissional pode propor soluções para a prestação do serviço em momento posterior e apenas se o consumidor não puder ou não aceitar a prestação em momento posterior, os montantes já pagos devem ser reembolsados ou, mediante aceitação por parte do consumidor, o montante resultante de pagamentos futuros a cobrar pela prestação do serviço deve ser reduzido. Do mesmo modo, o prestador de serviços deve abster-se de enviar novas faturas mensais até que o serviço possa ser prestado normalmente, sem que tal implique a resolução do contrato, exceto por acordo entre as partes” (art. 36-3).

Esta norma parece inovadora no que respeita à proteção do consumidor, proibindo, desde logo, a faturação mensal no período em que o serviço não está a ser prestado. Procura evitar-se que o profissional tenha a tentação de faturar neste período. De qualquer forma, a norma também é clara na sua preferência por uma solução concertada.

O n.º 4 do art. 36 trata de viagens organizadas e, no essencial, permite que, no caso de viagens canceladas, o profissional atribua um vale ao consumidor, a utilizar no prazo de um ano a contar do final da situação de estado de emergência. O consumidor poderá exigir o reembolso total do valor pago se não tiver utilizado o valor, o que significa que apenas poderá receber o valor em causa pelo menos um ano após o final da situação de estado de emergência (o profissional terá ainda depois 60 dias para proceder ao reembolso). Trata-se de um regime claramente protetor do profissional, em detrimento do consumidor, que apenas é excecionado nos casos em que o profissional tiver sido reembolsado, por sua vez, pelos prestadores de serviços (por exemplo, hotéis ou transportadores aéreos), com quem contratou.

O art. 37.º visa proteger os consumidores, em especial os mais vulneráveis, relativamente a uma questão bastante relevante, relacionada com os contratos de jogo e aposta e o vício associado que poderá ser intensificado neste período conturbado. Por um lado, proíbe-se a publicidade que se refira expressa ou tacitamente “à situação excecional resultante da doença Covid-19 ou que apele ao consumo de atividades de jogo neste contexto”. Por outro lado, limita-se consideravelmente a publicidade que pode ser feita por entidades que se dediquem a atividades de jogo.

É interessante notar que, em Portugal, o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que procedeu à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, apesar de proibir o funcionamento de espaços de jogos e apostas presenciais (Anexo I-5), inclui os “jogos sociais” entre os “bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura” (arts. 8.º-1, 9.º-1 e 12.º-2 e Anexo II-16). Este enquadramento mantém-se no Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, que regulamenta a prorrogação do estado de emergência (Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril).

Parece-nos que, no atual contexto de aumento geral do nível de ansiedade nas pessoas, qualquer medida que possa ser tomada no sentido de não incentivar ao jogo e à aposta deve ser aplaudida.

No Brasil, a Medida Provisória n.º 925, de 18 de março de 2020, dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19[20].

Em linha com algumas normas de Portugal e Espanha que já aqui analisamos, o art. 3.º prevê que “o prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses, observadas as regras do serviço contratado e mantida a assistência material, nos termos da regulamentação vigente”, regra que se aplica a todos os contratos celebrados até ao dia 31 de dezembro de 2020. É garantida, portanto, ao profissional uma moratória no que respeita ao reembolso do valor pago pelo consumidor. O § 1º deste art. 3.º procura incentivar os consumidores a aceitar uma solução que passe pela atribuição de um crédito (em vez do reembolso), estabelecendo que “ficarão isentos das penalidades contratuais”.

Igualmente relevante, no Brasil, é a Portaria n.º 15, de 27 de março de 2020, que vem, no essencial, obrigar os prestadores de serviços públicos essenciais, os profissionais que celebram contratos através da Internet e as empresas com mais reclamações (“agentes econômicos listados entre as duzentas empresas mais reclamadas no Sistema…”) a inscrever-se na plataforma Consumidor.gov.br para viabilizar a mediação via internet, pela Secretaria Nacional do Consumidor, dos conflitos de consumo notificados eletronicamente. Já a Portaria n.º 156, de 1 de abril de 2020, vem “suspender, temporária e excecionalmente, o tempo máximo para o contato direto com o atendente no Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC”. O art. 3.º prevê que “o atendimento ao consumidor deverá ocorrer, durante o período de suspensão, por canais alternativos que possibilitem a resolução de problemas sem a necessidade de exposição aos riscos de contaminação de operadores dos SACs, devendo ser priorizado o atendimento de urgência e de emergência”. Privilegia-se com estas medidas, de forma clara, a resolução de litígios à distância.

Também em linha com a legislação aprovada em Portugal e Espanha, a Medida Provisória n.º 948, de 8 de abril de 2020, dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Nos termos do art. 2.º, “na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem (…) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; (…) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respetivas empresas; ou (…) outro acordo a ser formalizado com o consumidor”. O § 1º do preceito esclarece que o consumidor não pode incorrer em custos resultantes das operações indicadas, enquanto o § 2º determina que o crédito disponibilizado pode ser utilizado pelo consumidor no prazo de doze meses a contar da data de encerramento do estado de calamidade pública e o § 3º estabelece que a remarcação deve respeitar a sazonalidade e os valores dos serviços originalmente contratados e ser feita no máximo para uma data dentro dos doze meses seguintes à data de encerramento indicada. Apenas se nenhuma das soluções se revelar possível o consumidor terá direito à restituição do valor pago (§ 4º).

O art. 5.º estatui, em linha com as orientações interpretativas relativas aos direitos dos passageiros no contexto da pandemia aprovadas pela Comissão Europeia, embora nessas orientações apenas no domínio do transporte aéreo, que o cancelamento resultante do estado de calamidade público caraterizam “hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades” nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Julgamos que a restrição deste preceito a relações de consumo visa afastar a possibilidade de responsabilização objetiva, i.e., independente de culpa, do fornecedor pelo cancelamento. Fora do domínio do Direito do Consumo, não se colocarão dúvidas quanto à impossibilidade de responsabilização do fornecedor independentemente de culpa. Em Portugal, também não há dúvidas de que, mesmo em relações de consumo, a aplicação de sanções contraordenacionais e o direito a indemnização pressupõe, embora em termos distintos, a verificação de pressuposto relativo à culpa.

A principal nota de destaque no que respeita a este diploma é a sua grande amplitude, aplicando-se, em geral, a cancelamentos de serviços nos setores do turismo e da cultura, incluindo, nos termos do art. 3.º, por referência aos prestadores de serviços, meios de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos e acampamentos turísticos e podendo incluir restaurantes, cafeterias, bares e similares, centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares, parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer, marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva, casas de espetáculos e equipamentos de animação turística, organizadores, promotores e prestadores de serviços de infraestrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos e locadoras de veículos para turista.

Defende-se igualmente, no Brasil, a aprovação de uma moratória aos consumidores[21].

  • Conclusões

Os períodos de crise têm um impacto negativo no nível de proteção dos consumidores, privilegiando-se outros objetivos, nomeadamente os ligados ao funcionamento do mercado e à garantia de salvaguarda das empresas. Este aspeto é revelador da circunstância de as normas de proteção dos consumidores constituírem um custo para as empresas, sendo vistas como mais positivas em momentos de prosperidade, em especial pelas grandes empresas, que têm uma margem maior para o seu cumprimento, e como menos positivas em momentos de crise como aquele que hoje vivemos. Também nestes momentos o efeito é particularmente nocivo para as grandes empresas. Veja-se o exemplo do transporte aéreo e dos direitos dos passageiros no caso de cancelamento de voos.

As medidas adotadas em períodos de crise dividem-se normalmente entre as que reduzem o nível de proteção dos consumidores em geral e as que visam proteger grupos de consumidores particularmente vulneráveis, normalmente mais afetados pela crise em causa.

Estamos a assistir nas últimas semanas precisamente à adoção de medidas compreendidas nestes dois grupos. Referindo apenas as medidas adotadas em Portugal, realçamos, no primeiro grupo, o regime excecional relativo ao reagendamento de espetáculos de natureza artística ou as regras que flexibilizam o cumprimento dos requisitos de qualidade e os prazos de resposta a reclamações no domínio das comunicações eletrónicas. No segundo grupo, podemos incluir as medidas relativas à proteção do mutuário no crédito à habitação ou as regras aprovadas pela ERSE no que respeita à suspensão do fornecimento de energia e ao pagamento fracionado.


[1] António Menezes Cordeiro, “Da Natureza Civil do Direito do Consumo”, in O Direito, Ano 136.º, IV, 2004, pp. 605-640, p. 608. Com mais desenvolvimentos, v. Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 25 e segs..

[2] Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2005, p. 211.

[3] Carlos Ferreira de Almeida, “A Crise do Direito do Consumo”, in A Crise e o Direito, Coleção SPEED, Vol. 6, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 215-223, p. 215.

[4] Jorge Pegado Liz, Introdução ao Direito e à Política do Consumo, Editorial Notícias, Lisboa, 1999, p. 294; Jean Calais-Auloy & Frank Steinmetz, Droit de la Consommation, 7.ª edição, Dalloz, Paris, 2006, p. 1; Gilles Paisant, Défense et Illustration du Droit de la Consommation, LexisNexis, Paris, 2015, p. 39.

[5] Como refere Vanessa Mak, “The Consumer in European Regulatory Private Law”, in Tilburg Private Law Working Paper Series, n.º 5, 2015 (http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2600474), p. 2, “a «imagem» do consumidor na lei é uma imagem ficcionada”, acrescentando que, “para a lei, o confiante Ulisses de Homero é tratado da mesma forma do que o menos sofisticado Homer Simpson”. Parecendo criticar esta opção, embora de forma algo enigmática, José Engrácia Antunes, Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2019, p. 81, entende que “as fronteiras entre o consumidor débil e o consumidor sonso ou finório nas atuais sociedades de consumo são cada vez mais ténues e difíceis de traçar com rigor”.

[6] Carlos Ferreira de Almeida, “A Crise do Direito do Consumo”, cit., p. 217; António Pinto Monteiro, “O Direito do Consumidor em Debate: Evolução e Desafios”, in I Congresso de Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 11-26, p. 25. Segundo José de Oliveira Ascensão, “Direito Autoral e Direito do Consumidor”, in I Congresso de Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 35-38, p. 38, a visão norte-americana do direito do consumo “protege diretamente o mercado e só mediatamente o consumidor”. José Miguel Júdice, “Regime da Responsabilidade Objetiva do Produtor – Há Bens que Vêm para Mal ou a História do Zé dos Anzóis”, in I Congresso de Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 211-217, p. 212, refere que “o fim das ideologias tradicionais substituiu os partidos de produtores com eleitorados relativamente estáveis por um conjunto de partidos que se dirigem apenas ao que em nós é consumidor. A política passou a fazer-se nos supermercados onde antes se fazia nas fábricas, nos campos, nos escritórios e nas lojas comerciais”. Noutra perspetiva, Mário Tenreiro, “O Consumidor como Artesão de um Novo Paradigma Político”, in Estudos de Direito do Consumo – Homenagem a Manuel Cabeçadas Ataíde Ferreira, DECO, 2016, pp. 396-410, p. 406, defende que o cidadão “pode, cansado e desiludido da política, baixar os braços e resignar-se a levar a sua cruz e deixar o mundo levar a sua. Mas quer queira quer não, pelo seu comportamento enquanto consumidor, ele está constantemente a contribuir para dar forma ao mundo. […] Sendo todos consumidores, com o nosso modo de consumo, com as nossas escolhas do dia a dia enquanto consumidores, nós estamos, quer queiramos quer não, a fazer política, a contribuir para perpetuar certas formas político económicas ou, ao contrário, a dar um empurrão ao nascimento de outros modos de viver, um empurrão para sair do paradigma dominante”.

[7] António Menezes Cordeiro, “A Tutela do Consumidor de Produtos Financeiros”, in Liber Amicorum Mário Frota – A Causa dos Direitos dos Consumidores, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 51-60, p. 53.

[8] Cristina Torres, “MEO – O Direito do Consumo e as Empresas: A Proteção dos Consumidores como Fator Competitivo”, in I Congresso de Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 131-137.

[9] Carlos Ferreira de Almeida, “A Crise do Direito do Consumo”, cit., p. 216.

[10] Gilles Paisant, Défense et Illustration du Droit de la Consommation, cit., p. 257.

[11] Carlos Ferreira de Almeida, “O Futuro do Direito do Consumo na Crise Económica Global”, in I Congresso Luso-Brasileiro de Direito, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 33-39, p. 37; Maria Raquel Guimarães, “A Protecção do Consumidor na União Europeia entre o Universalismo e a Fragmentação: A Imposição e Difusão de «Valores Europeus» em Matéria de Contratos de Consumo Dentro e Fora das Fronteiras Europeias”, in Retos para la Acción Exterior de la Unión Europea, Tirant lo Blach, Valencia, 2017, pp. 711-727, p. 712.

[12] Marco Loos, “Implementation of CRD (Almost) Completed, Harmonisation Achieved?”, in euvr – Zeitschrift für Europäisches Unternehmens- und Verbraucherrecht – Journal of European Consumer and Market Law, Vol. 3, n.º 4, 2014, pp. 213-214, p. 214. Gilles Paisant, Défense et Illustration du Droit de la Consommation, cit., pp. 93 e 94, refere outros exemplos de regras de diretivas de harmonização máxima menos favoráveis ao consumidor do que o regime nacional anterior, em especial tendo como referência o direito francês.

[13] Este diploma aponta provavelmente no sentido de que estamos mesmo a caminhar para “um direito dos pobres”: Carlos Ferreira de Almeida, “A Crise do Direito do Consumo”, cit., p. 222; Carlos Ferreira de Almeida, “Presságios sobre o Direito do Consumo”, in Estudos de Direito do Consumo – Homenagem a Manuel Cabeçadas Ataíde Ferreira, DECO, 2016, pp. 125-135, p. 133.

[14] Ana Sofia Carvalho & Mariana Pinheiro de Almeida, “A Dignidade da Pessoa Humana e o Consumidor Sobre-Endividado”, in Estudos de Direito do Consumo – Homenagem a Manuel Cabeçadas Ataíde Ferreira, DECO, 2016, pp. 64-87, pp. 82 e 83, referem a “dificuldade de o cliente bancário reunir todos os pressupostos necessários à sua integração neste tipo de procedimento”.

[15] Jorge Morais Carvalho, “Crise e Consumo”, in Revista de Direito Público, n.º 12, 2014, pp. 103-112, pp. 109 e 110; Andreia Engenheiro, O Crédito Bancário: A Prevenção do Risco e Gestão de Situações de Incumprimento, NOVA School of Law, Lisboa, 2015, pp. 78 a 80.

[16] Como defende Bruno Miragem, “Nota Relativa à Pandemia de Coronavírus e suas Repercussões sobre os Contratos e a Responsabilidade Civil” in Revista dos Tribunais, Vol. 1015, 2020, p. 7, é necessário interpretar as normas vigentes tendo em conta que as consequências da sua aplicação “podem ser de grave repercussão ao interesse das partes envolvidas”, acrescentando que “tais circunstâncias exigem do intérprete o exame da disciplina destas várias relações jurídicas envolvidas, articulando a incidência das diversas leis incidentes, emprestando-lhes sentido útil ao interesse das partes envolvidas e do interesse público a ser preservado no enfrentamento da pandemia”.

[17] Se não existisse esta norma especial, aplicar-se-ia o regime resultante do Código Civil. No caso de um espetáculo, o prazo encontra-se estipulado pelas partes (integrado no contrato, em regra, na sequência da sua inclusão na proposta contratual emitida pelo promotor, a qual é depois objeto de aceitação por parte do consumidor), sendo um elemento essencial do contrato. Não podendo o promotor cumprir a sua obrigação por motivo que não lhe é imputável, teremos uma situação de impossibilidade objetiva, que determina a extinção da obrigação (art. 790.º do Código Civil). Sendo o contrato sinalagmático, fica neste caso o consumidor “desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa” (art. 795.º-1 do Código Civil). Da remissão para o regime do enriquecimento sem causa poderá eventualmente resultar que o promotor não tenha de proceder à restituição por inteiro. No entanto, sendo liberado de uma dúvida, verifica-se um não-empobrecimento (poupança) do promotor do espetáculo com as despesas relativas a este. O promotor teria, assim, sempre, se se aplicasse o regime geral do Código Civil, de restituir um valor próximo daquele que foi pago pelo consumidor.

[18] https://ec.europa.eu/transport/sites/transport/files/legislation/c20201830.pdf.

[19] Lei n.º 23/96, de 26 de julho, alterada pelas Leis n.os 5/2004, de 10 de fevereiro, 12/2008, de 26 de fevereiro, 24/2008, de 2 de junho, 6/2011, de 10 de março, 44/2011, de 22 de junho, 10/2013, de 28 de janeiro, e 51/2019, de 29 de julho.

[20] Para uma análise da situação antes da adoção da Medida Provisória, v. Guilherme Mucelin & Lúcio Souza d’Aquino, “O Papel do Direito do Consumidor para o Bem-Estar da População Brasileira e o Enfrentamento à Pandemia de Covid-19”, in Revista de Direito do Consumidor, Vol. 129, 2020. Já com análise da Medida Provisória, v. Maria Luiza Baillo Targa & Tatiana Cardoso Squeff, “Os Direitos dos Passageiros-Consumidores de Transporte Aéreo em Tempos de Pandemia”, in Revista de Direito do Consumidor, Vol. 129, 2020.

[21] Claudia Lima Marques, Káren Rick Danilevicz Bertoncello & Clarissa Costa de Lima, “Exceção Dilatória para os Consumidores frente à Força Maior da Pandemia de COVID-19: Pela Urgente Aprovação do PL 3.515/2015 de Atualização do CDC e por uma Moratória aos Consumidores”, in Revista de Direito do Consumidor, Vol. 129, 2020.