Jorge Morais Carvalho

Professor da NOVA School of Law e Diretor do NOVA Consumer Lab.


Direito do Consumo e Inovação Sustentável é a mais recente obra de sua co-autoria. Obra que o Grupo Almedina publica e disponibiliza no mercado a 31 de Julho 2025.

Consulte a sua obra neste link.


O Direito do Consumo pode hoje ser ensinado e aprendido de uma forma inovadora. Por um lado, deve atender-se aos princípios fundamentais de Direito do Consumo, realçando-se, assim, de forma clara a autonomia desta área científica. Por outro lado, justifica-se a autonomização e referência clara ao mercado, à inovação e à sustentabilidade enquanto valores fundamentais do consumo e, portanto, do Direito do Consumo.

O Direito do Consumo deve ser analisado tendo em conta a sua teleologia e os valores subjacentes, identificando-se a razão de ser das normas jurídicas que o regem e a sua justificação. O princípio geral do Direito Privado da autonomia privada, ou da liberdade contratual, vigora plenamente no Direito do Consumo, apenas se justificando a sua limitação nas situações em que outros princípios ou valores, gerais ou específicos desta área do Direito, o imponham. Sem estudar com profundidade os princípios do Direito do Consumo, não é possível valorar as normas jurídicas aplicáveis, de fonte legal, jurisprudencial ou consuetudinária, compreendendo as razões que justificam a sua adoção. A aplicação do Direito pressupõe necessariamente esta análise, não sendo possível interpretar uma norma de Direito do Consumo, identificar a norma aplicável aos casos análogos, criar uma norma, na ausência de caso análogo, decidir um caso ou aprovar um ato normativo sem proceder a uma investigação das razões justificativas do regime em causa.

No Direito do Consumo, importa sobretudo ter em conta os interesses gerais, nomeadamente no que diz respeito à proteção do regular funcionamento do mercado e da inovação, por um lado, e à sustentabilidade, por outro lado, e os interesses de uma das partes do contrato, normalmente o consumidor, enquanto parte tendencialmente mais fraca e, por isso, com maior dificuldade em salvaguardar, na relação concreta com o profissional, os seus interesses. Os interesses do profissional devem, no entanto, ser igualmente protegidos e muitas normas de Direito do Consumo visam, precisamente, salvaguardá-los, em vários casos limitando direitos do consumidor.

Na obra Direito do Consumo e Inovação Sustentável, publicada pela Almedina, identifico oito princípios do Direito do Consumo: transparência, lealdade, reflexão, equilíbrio, conformidade, solvabilidade, orientação para o mercado e para a inovação e orientação para o consumo sustentável. Estes princípios permitem explicar as especificidades do Direito do Consumo, constituindo, em conjunto com os princípios gerais da ordem jurídica portuguesa e os princípios gerais do Direito Privado, a base para a análise de qualquer norma jurídica ou decisão neste âmbito. Se não for possível encontrar a justificação num dos princípios, ou num conjunto de princípios, então a norma ou a decisão não deve ser válida, sendo necessário encontrar outra norma, interpretar a norma de outro modo ou decidir em sentido diverso.

Uma das principais inovações desta abordagem consiste na inserção da orientação para o mercado e para a inovação e da orientação para o consumo sustentável no centro do Direito do Consumo.

O regular funcionamento do mercado, a inovação e a sustentabilidade não visam apenas limitar os direitos dos consumidores, mas é nestes pontos que encontramos as discussões mais interessantes em torno da validade última das normas de Direito do Consumo. É precisamente no confronto com estes princípios, a par de outros princípios gerais de Direito Privado, como os da autonomia privada, da igualdade ou da dignidade da pessoa humana, que os restantes princípios devem ser, em muitos casos, testados. Assim, por exemplo, a atribuição de um direito adicional ao consumidor para a salvaguarda do princípio da reflexão deve ser feita tendo em conta o impacto que poderá ter ao nível do regular funcionamento do mercado, do estímulo à inovação e da sustentabilidade.

Esta ligação permite a discussão em torno de temas muito atuais e desafiantes, sem uma solução evidente, em que é imprescindível perceber se e em que medida se deve acautelar os direitos dos consumidores, tendo em conta a necessidade de transparência, lealdade, reflexão, equilíbrio, conformidade e solvabilidade, mas também o respeito pela autonomia privada e a necessidade de, por um lado, não coartar a criatividade e a inovação que permita a adoção de novos modelos de negócio, numa economia de mercado concorrencial, com mercados emergentes pujantes e mais desregulados, e, por outro lado, garantir que as soluções são sustentáveis, de um ponto de vista ambiental, social e económico.

Exemplificando, pode discutir-se, entre muitos outros temas, (i) a tensão entre o princípio da transparência e a inovação, nos casos em que os algoritmos permitem definir preços personalizados, mas possam encontrar-se abrangidos por segredo de negócio; (ii) os modelos de negócio que incentivam a decisões de contratação apressadas, colocando em causa o princípio da reflexão; (iii) a relação entre inteligência artificial e conformidade, contrapondo os benefícios da inovação e os riscos para a segurança nos casos de novos bens; (iv) a restrição do acesso a coisas de baixo custo e menor desempenho ambiental em nome da sustentabilidade; (v) a responsabilidade das plataformas digitais por danos causados por terceiros que operam no seu ecossistema digital.