Sofia Estopa

Licenciada e Mestre em Direito Forense e Arbitragem pela Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA School of Law);
Doutoranda em Direito na Faculdade de Direito da Universidade NOVA de Lisboa (NOVA School of Law);
Investigadora do NOVA Dispute Resolution Forum.


O Regime da Impenhorabilidade Processual – Da Ratio Legis é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado desde de 15 de Fevereiro de 2024.

Consulte a obra neste link.


RESUMO: Na indagação de necessárias considerações, objetiva-se uma contributiva reflexão no que concerne ao acesso ao direito e à justiça em Portugal: pese embora seja tal um direito fundamental, por variados entraves encontra-se este direito obstaculizado, sendo a falta de recursos financeiros um dos mais preponderantes. Neste sentido, o cidadão médio, desprovido de apoio judiciário e cujos rendimentos quiçá poderão não ser suficientes para suportar os elevados custos judiciais, vezes tantas se vê colocado numa posição de incapacidade para obtenção de uma proteção jurídica adequada. Tornar-se-á, como tal, essencial repensar o acesso ao direito e à justiça na procura de uma sociedade cada vez mais justa e igualitária. Alteamos para tal a presente indagação: poderá uma norma ser injusta, mas ainda assim ser constitucional?

  1. Considerações iniciais

Enquanto direito fundamental de âmbito social, alicerçando-se no direito que assiste aos cidadãos de que se vertam concretizadas as suas pretensões jurídicas, o acesso ao direito e à justiça emana diretamente do Artigo 20 CRP[1], sob epígrafe “acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva”.

Neste sentido, de meritória consideração será atentar que este direito não se trata tão somente de uma questão económico-social, encontrando-se antes interligado à conceção de Estado de Direito Democrático, princípio vital de qualquer sociedade democrática, na qual, independentemente do seus status económico-social, se encontram os indivíduos sujeitos às mesmas leis de forma equitativa e consistente.

A sua concretização, aliás, obriga-nos a procurar o pluralismo assente na diversidade de circunstâncias e condições dentro do ordenamento jurídico, sendo, por isso, o acesso ao direito e à justiça pedra angular de um Estado de Direito Democrático, assegurando e conferindo a cada indivíduo igualdade na proteção perante a lei e na procura de reparação de qualquer direito que previsível ou eventualmente venha a ser ou tenha sido violado.

Não obstante, continua este acesso a ser um significativo desafio no ordenamento jurídico português, existindo ainda cidadãos à margem de uma sua efetiva concretização: pese embora o sistema de apoio judiciário almeje que se reduza tal encargo a quem efetivamente não o possa suportar, certo é que não só não cobre este todas as despesas, como vezes tantas não é acessível a todo e qualquer cidadão.

Num presente onde a conceção de justiça se torna gradativamente necessária e decaindo-se, vezes tantas, no seu merecimento, de notória relevância será retomar a temática, alicerçando-nos em questão, aliás, já previamente alteada: será a justiça tão somente acessível aos que sendo abastados a podem pagar ou aos que não detendo qualquer ou fracos meios económicos beneficiam do sistema de apoio judiciário?[2]

Atente-se, neste sentido, que é a legis processual expressa: salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei, a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito[3], tendo o Estado reservado para si, por via da função jurisdicional, o tendencial[4] monopólio de resolução de conflitos.[5] Não obstante, é a jurisdição inerte, não podendo ativar-se sem que o titular exerça o direito de ação com vista à satisfação da prestação jurisdicional.[6]

Assim, em regra aos particulares se encontrando vedada a possibilidade de recurso à própria força, deve o Estado assegurar através dos seus órgãos jurisdicionais que a todo o titular do direito violado sejam concedidas as necessárias providências para a sua efetiva reparação.

Hodiernamente, denota-se, porém, falta de confiança no sistema judicial, insatisfação com a justiça e a perceção de um elevado sistema de custas processuais[7], indagando-se, neste sentido, se se torna a justiça somente tão acessível a alguns dos cidadãos.

Embora se encontre a legis arquitetada para garantir uma justiça acessível a todo e qualquer indivíduo, vezes tantas se resvala para significativas contrariedades, assim se dificultando ou impedindo a que se tenha esse acesso de plena e igualitária forma.

Existirá efetiva capacidade de procura e obtenção da justiça, independentemente da origem, status social ou económico dos indivíduos ou quiçá consagre a Constituição as necessárias virtualidades para transcender a problemática aqui associada, mas apenas quando sistemicamente observada?

In facto, é o quesito referente aos custos associados ao acesso ao direito e à justiça pertinente, não podendo ser descurado. Não se trata de um problema novo, é aliás já remota a sua discrepância com a consagração constitucional, em suma se constatando que a denegação do acesso ao direito e à justiça acarreta consigo a denegação de todos os demais direitos.[8]

  1. Um problemático acesso ao direito e à justiça

Sendo um direito constitucionalmente consagrado e consensual na sociedade portuguesa, o acesso ao direito e à justiça passou já por variadas transformações nos diversos paradigmas constitucionais em virtude de alterações sociais e estatais[9], permanecendo, não obstante, quiçá longe do que se pretende almejar.

Neste sentido, de meritória consideração será atentar a estreita conexão entre o direito processual e a justiça social[10], in concreto se denotando, a par da igualdade jurídico-formal, uma certa desigualdade jurídico-material. Surge, neste sentido, a presente indagação: poderá uma norma ser injusta, mas ainda assim ser constitucional?

É, em primeira linha, de comum conhecimento a tendencial menor compreensão de um qualquer seu direito quanto menores sejam os recursos disponíveis por parte do cidadão, igualmente se lhe vertendo de difícil aceção a identificação de determinada questão, sua relevância jurídica e consequente solução.

Mas isso ultrapassado, não se nega que é o sistema judiciário um sistema complexo e burocrático. As elevadas custas processuais[11], aliadas à densa terminologia técnica, a morosidade dos processos judiciais e a falta de assistência jurídica por impossibilidade de, efetivamente, a conseguir suportar, vezes tantas desincentivam e levam à desistência da procura de um efetivo acesso ao direito e à justiça por parte dos cidadãos.

Indubitavelmente, vêm também as desigualdades económicas influenciar a perceção e a confiança na via judicial, sendo tendencialmente menor a acessibilidade e a consequente procura quanto menor o estrato socioeconómico dos cidadãos. A persistência destas disparidades suscita, assim, inegáveis indagações sobre a eficácia e a equidade do sistema judicial português, sendo certo que, indiscutivelmente, contribuem os obstáculos financeiros para que muitos indivíduos sejam dissuadidos de procurar fazer valer os seus direitos e interesses, perpetuando assim um ciclo de desigualdade e marginalização.

Não deixa, por isso, de ser intrigante que, embora reconhecido como princípio fundamental do Estado de Direito, seja este o acesso ao direito e à justiça tão negligenciado, denotando-se múltiplos obstáculos que afastam por completo alguns dos cidadãos de uma sua efetiva concretização. Evidenciam-se variadas lacunas que constituem significativos desafios em especial para aqueles que não detêm larga capacidade económica e em simultâneo também não beneficiam do sistema de apoio judiciário.

Resulta, pois, uma significativa discrepância entre a law in books e a law in action, de utópica consideração não passando uma efetiva concretização do acesso ao direito e à justiça visível a todos os cidadãos.

Certo é que proíbe a letra constitucional que sejam os serviços de justiça tão onerosos que dificultem de considerável forma o acesso à via jurisdicional.[12] Não obstante, ainda que não possa a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (Art. 20/1 CRP), contrariamente ao que tendencialmente acontece com os serviços de saúde (Art. 64/2, al. a) e o ensino básico universal (Art. 74/2, al. a), da legis constitucional não decorre o imperativo de uma justiça gratuita (ou tendencialmente gratuita), antes se assumindo o princípio de uma justiça retribuída.[13]

Tem, aliás, vindo a doutrina e jurisprudência pugnar que nos encontramos perante a garantia de igualdade independentemente da condição dos interessados, assim se entendendo justificada a existência de custas e encargos como contrapartida pela prestação dos serviços de acesso ao direito e à justiça.[14]

Embora com devidas salvaguardas, tal é-nos percetível: decorre, por um lado, do Art. 1/1 do Regulamento de Custas Processuais que todos os processos se encontram sujeitos a custas, existindo, por outro, uma certa traditio do direito processual que encontra fundamento, essencialmente, num princípio de justiça distributiva, com a finalidade de evitar a excessiva litigiosidade.[15]

Não obstante, merecerá o quesito devida ponderação: destinando-se o direito ora em apreço a que a ninguém seja dificultado ou impedido de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, determinarão as condições socioeconómicas dos indivíduos as suas condições no acesso ao direito e à justiça?

Invariavelmente e não obstante a crise do Estado-Providência e as crises financeiras que acarretam consigo políticas de redução de despesa pública, não desvanecesse a necessidade social e política de um efetivo acesso ao direito e à justiça. Pelo contrário, de modo a fomentar a cidadania e a colmatar as salientes desigualdades sociais, imprescindível se torna a colocação ao serviço dos cidadãos de meios e regimes jurídicos que satisfaçam tal imprescindibilidade.

Como consabido, muitas são as significativas e visíveis dificuldades em suportar os custos associados aos processos judiciais, nos quais se incluem, e.g., provisões e honorários a serem pagos aos mandatários, custas judiciais e demais encargos, o que vezes tantas, a par da complexidade do sistema judiciário, o afasta por completo do seu direito de ação.[16] 

Pese embora não se encontre a gratuitidade do acesso à justiça consagrada no ordenamento jurídico português, poderá a (in)suficiência de meios económicos, em circunstâncias em que não beneficie o indivíduo de apoio judiciário, efetivamente conduzir à denegação da efetiva concretização do acesso ao direito e à justiça.

In facto, é a (in)suficiência económica um conceito relativo e indeterminado, apreciado na concreta consideração entre os custos específicos da ação e a disponibilidade económica do litigante, o que naturalmente gera larga margem à discricionariedade.

Com efeito, observe-se a Portaria 1085-A/2004, de 31 de agosto, na qual se encontram os critérios da insuficiência económica para acesso ao apoio judiciário, assim se estabelecendo um quadro normativo para avaliação da capacidade económica dos cidadãos.

Tem-se, por um lado, em consideração o rendimento mensal do agregado familiar – o qual é calculado de acordo com o rendimento bruto mensal (salários, pensões, subsídios e/ou outras fontes de rendimento), a dedução de encargos específicos (despesas com saúde, educação e habitação) e o número de membros do agregado familiar (rendimento mensal per capita) – e, por outro, o património líquido – no qual se consideram bens imóveis (valor dos bens imóveis, deduzindo o valor das hipotecas ou outros encargos sobre os mesmos), bens móveis (contas bancárias, veículos, ações e outros ativos financeiros) e eventuais deduções ou obrigações financeiras que reduzam o valor do património líquido disponível.

Na controversa querela ficarão, contudo, as situações nas quais onde pese embora não exista comprovada insuficiência económica também não se denota larga margem para suportar os elevados custos com que eventualmente se possa o cidadão vir a deparar ao longo do processo.

Embora o critério de insuficiência de meios seja normalmente utilizado para determinar a elegibilidade para efeitos de apoio judiciário, poderá esta abordagem não captar totalmente a atual realidade, que não só se apresenta complexa e multifacetada, mas que, de igual modo, acarreta consigo, vezes tantas, situações de vulnerabilidade, assim se impedindo determinados indivíduos de fazer valer os seus interesses e direitos.

Reflexões diversas se poderão altear, sendo contudo de meritória consideração enfatizar que, ainda que conhecendo os seus direitos e perante a premência de ativação dos meios judiciais, nem todos os indivíduos estão em análogas condições de o possibilitar.

Embora, nos termos do Art. 20/1 CRP e do Art. 26/1 LOSJ[17], o acesso ao direito e à justiça constitua um direito fundamental no ordenamento jurídico português com as necessárias garantias para a preservação dos direitos fundamentais, caberá concomitantemente atentar que a efetiva concretização do acesso ao direito e à justiça não se limitará tão somente à mera disponibilidade de serviços jurídicos ou à acessibilidade física aos tribunais, de igual modo envolvendo a promoção de uma cultura jurídica inclusiva, eliminado barreiras económico-sociais e fortalecendo as instituições responsáveis pela administração da justiça.

Neste sentido, não se restringirá naturalmente a garantia deste direito à defesa dos direitos fundamentais, antes se estendendo a todos e quaisquer interesses legalmente protegidos.

Veja-se, aliás, que pese embora possa a interpretação da letra constitucional a tal não reconduzir, o reduto do Art. 20 CRP assenta na defesa dos direitos subjetivos individuais, constituindo o acesso ao direito e à justiça elemento fundamental para a vida em Sociedade, devendo, pois, o Estado assegurar o primado da via jurisdicional, princípio basilar do Estado de Direito Democrático e garantia dos direitos de todos os cidadãos.[18]

Conforme, entende Teixeira de Sousa, «sem este “direito ao direito”, a garantia de acesso aos tribunais poderia tornar-se vazia e ilusória, dado que não importa criar as condições para aceder aos tribunais se, simultaneamente, não se possibilitar o conhecimento dos direitos que se podem defender através desses órgãos».[19]

Resulta, pois, que acesso ao direito e à justiça, em boa verdade no que releva ao critério económico, vezes tantas se torna inacessível a todo e qualquer cidadão – notoriamente se compreendendo coibição à concretização da legis constitucional. Não se poderão, portanto, “adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça” [20], i.e., o critério a operar não ser desproporcionado, per contra nos encontrando perante normas materialmente inconstitucionais.[21]

Em consonância, de mera consideração teórica não passará o acesso a este direito quando a todos o não seja garantido em detrimento das suas capacidades financeiras, assim se deixando o cidadão desprovido da possibilidade de acesso aos adequados meios que visem a efetivação ou reparação de direitos e interesses legalmente tutelados.

Indubitavelmente, a variabilidade e complexidade das situações económicas individuais exigem, por isso, uma abordagem adaptativa e flexível ao assegurar da concretização constitucional, sendo certo que a garantia do acesso ao direito e à justiça requer bem mais do que a mera existência de um regime de apoio judiciário.

Revela-se, aliás, o acesso ao direito e à justiça fundamental para a obtenção de decisões justas, imparciais e eficazes, formando alicerce essencial para a igualdade perante a lei e para a proteção dos direitos individuais.[22]

Torna-se, por isso, necessária uma efetiva concretização de um direito aplicável e adaptado às concretas necessidades dos cidadãos, à legis incumbindo a criação de mecanismos eficientes e acessíveis que respondam eficazmente às variáveis circunstâncias dos litigantes.

  1. Conclusões

Pese embora constitua um direito fundamental consagrado no Art. 20 CRP, indubitavelmente a efetiva concretização do acesso ao direito e à justiça encontra-se deficitada por variados entraves, sendo o critério socioeconómico um dos mais preponderantes.

Neste sentido, não obstante a consagraçãoconstitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva como um direito fundamental indispensável à salvaguarda dos demais direitos fundamentais, a realidade prática muito longe andará daquilo que pretendeu in fine almejar.

Embora o atual sistema de apoio judiciário tenda a aliviar os encargos financeiros dos cidadãos que dele usufruem, tal muitas vezes não só não cobre todos os custos associados ao processo judicial, como apresenta também as suas largas limitações.

Nesta senda, com especial enfoque sob os cidadãos que não reúnem as necessárias condições para beneficiar de apoio judiciário, mas que em simultâneo também não detenham capacidade para suportar os elevados custos processuais: a (in)suficiência de meios económicos, enquanto conceito indeterminado e tendente a gerar larga margem à discricionariedade, frequente e evidentemente conduz à denegação de justiça.

Torna-se, pois, notória e premente a necessidade de reavaliar o acesso ao direito e à justiça em Portugal de modo a alcançar uma sociedade mais justa e equitativa, sendo, por isso, necessária uma abordagem adaptável e flexível para uma sua efetiva concretização – e, por consequência, assim se ultrapassando a mera existência de um quadro de apoio judiciário através da criação de mecanismos acessíveis e eficazes que respondam à evolução das necessidades dos cidadãos como garantia de uma proteção jurídica adequada.

Verte-se, como tal, imperativa a revisão e o reforço da legis e dos existentes mecanismos de modo a garantir que, independentemente do seu status socioeconómico, todo e qualquer cidadão possa aceder ao sistema de justiça para assegurar a proteção dos seus direitos. Somente assim se verá, in fine,refletido o compromisso de um Estado de Direito Democrático na defesa da dignidade e dos direitos de todos os seus cidadãos.

BIBLIOGRAFIA

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[1] Constituição da República Portuguesa, na sua versão atual.

[2] Questão suscitada pelo Professor Doutor Luís Menezes Leitão, na qualidade de Bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista publicada no Jornal i, ano 12, n.º 3456, 7 de maio de 2021, p. 21.

[3] Vide Art. 1 CPC (princípio da proibição da autodefesa).

[4] Tendencial, uma vez, que, além dos tribunais estaduais, existem também tribunais arbitrais, não existindo, portanto, a garantia constitucional de um monopólio estadual da função jurisdicional ou qualquer exclusividade à justiça pública. Vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 781/2012, de 20.11.2013 (Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros).

[5] Vide HÄBERLE, Peter, Le Libertà Fondamentali Nello Stato Costituzionale, Editori Vari, 1993, pp. 115 e ss.

[6] Aliás, contrariamente ao que acontece na justiça penal onde, por assim dizer, há uma procura forçada da justiça pelo menos nos crimes públicos desde que conhecidos, no âmbito da justiça civil poder-se-á efetivamente falar de uma procura potencial ou efetiva. SANTOS, Boaventura de Sousa, MARQUES, Maria Manuel Leitão, PEDROSO, João, FERREIRA, Pedro Lopes, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: O Caso Português, Edições Afrontamento, 1996, p. 485.

[7] O quesito referente aos limites na fixação das custas processuais é, neste sentido, importante e não pode ser descurado, devendo ser observado em conformidade ao princípio da proporcionalidade. A este propósito, acautela (e bem) Pinto Monteiro que, quando nos reportamos ao critério de cálculo das custas processuais, encontramo-nos perante um ponto sensível em conexão com o direito constitucional. Resulta que, podendo as elevadas taxas de prejudicar o acesso aos tribunais, encontrar-nos-emos em clara violação do preceito constitucional do Artigo 20 CRP. Cf. MONTEIRO, António Pedro Pinto, As Custas Processuais e o Problema do Remanescente da Taxa de Justiça: Onerosidade e imprevisibilidade, in Estudo em Homenagem ao Prof. Doutor António Pinto Monteiro, vol. I, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Stvdia Ivridica 112, p. 691-696, e bem assim COSTA, Salvador da, O Apoio Judiciário, 10.ª ed., Almedina, 2021, p. 8.

[8] Não poderemos, pois, reduzir a organização do sistema de justiça e a tramitação processual a uma dimensão teórica e socialmente neutra, sem que se concebam nelas concretas funções sociais. Neste sentido, SANTOS, Boaventura de Sousa, et al., Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas, op. cit., p. 486, SANTOS, Boaventura de Sousa, Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade, 6.ª ed., Edições Afrontamento, 1997, p. 147.

[9] Para maiores desenvolvimentos acerca da contextualização histórica, jurídica, política e sociológica do acesso ao direito e à justiça, cf. BOCHENEK, Antônio César, Interação Entre Tribunais E Democracia, Juruá Editorial, 2019, p. 155.

[10] SANTOS, Boaventura de Sousa, Pela Mão de Alice, op. cit., p. 146. Para Veronese a temática do acesso à justiça está intimamente ligada à noção de justiça social, sendo o principal elo entre o processo civil e a justiça social. Cf. MARIONI, Luiz Guilherme, Novas Linhas de Processo Civil, 4.ª ed., Malheiros Editores, 2000, p. 25.

[11] Com efeito, importará salientar que, nos termos dos Art. 529/1 CPC e Art. 3/1 Regulamento de Custas Processuais, abrangem as custas três singularidades: (1) taxa de justiça; (2) encargos do processo; (3) custas de parte. Ademais, a consideração do Art. 529/1 CPC e Art. 3/1 Regulamento de custas processuais não afastará, claro está, a observação de outros diplomas legais, dependendo da situação in casu e da natureza do processo, razão pela qual, de notória consideração será, neste sentido, igualmente atentar: (1) Art. 84 Lei 28/82, de 15 de novembro e do DL 303/98, de 7 de outubro, referentes ao regime de custas no tribunal constitucional; (2) Art. 5 Lei 78/2001, de 13 de julho e da Portaria 342/2019, de 1 de outubro, referentes aos julgados de paz; Arts. 21 e 26 DL 1/2013, de 7 de janeiro e Arts. 7 e 8 Portaria 9/2012, de 10 de janeiro, referentes ao procedimento especial de despejo; e bem assim, o Art. 1038 CPC, referente à notificação de preferência, e o Art. 1052 CPC referente ao inquérito judicial à sociedade. Cf. MONTEIRO, António Pedro Pinto, As Custas Processuais e o Problema do Remanescente da Taxa de Justiça, op. cit. p. 696.

[12] Atente-se, neste sentido, o entendimento sufragado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 495/96, de 20.03.1996 (Luís Nunes de Almeida), segundo o qual “o sistema de custas judiciais tem de ser um sistema proporcional e justo, que não torne insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais” e bem assim, o acórdão n.º 421/2013, de 15.07.2013 (Carlos Fernandes Cadilha), no qual se alerta para a indispensabilidade de consideração de “parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema de público da administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigo 2 e 18/2 da Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito”.

[13] Traduz-se este princípio na conceituação de que devem os serviços judiciais ser compensados através dos montantes associados aos custos com o processo judicial. Sobre o tema, vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/00 (Tavares da Costa).

[14] Na Doutrina, cf. CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. rev., 2007, p. 411. Cf., em análogo sentido, SOUSA, Miguel Teixeira de, A Jurisprudência Constitucional Portuguesa e o Direito Processual Civil, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2009, p. 75 e GERALDES, Abrantes, Temas Judiciários, vol. I, Almedina, 1998, pp. 173-176. E bem assim no Parecer n.º 8/78 da Comissão Constitucional. Jurisprudencialmente, vide, entre outros, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 307/90 de 28.11.1990, processo 171/89 (Bravo Serra), n.º 352/91 de 04.07.1991, processo 99/90 (Messias Bento), n.º 1182/96 de 20.11.1996, processo 606/95 (Sousa e Brito), n.º217/00 de 05.04.2000, processo 467/99 (Maria Helena Brito).

[15] I.e., a repartição dos custos, a cobrança de taxas de justiça terá como finalidade a limitação da procura dos tribunais por motivos inócuos. Cf. MONTEIRO, António Pedro Pinto, As Custas Processuais e o Problema do Remanescente da Taxa de Justiça, op. cit., p. 694, REIS, José Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., reimp., Coimbra Editora, 2005, pp. 199-200, GERALDES, Abrantes, Temas Judiciários, op. cit., p 173-176. Para maiores desenvolvimentos, cf. RIBEIRO, José Joaquim Teixeira, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 256 e FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. II. 4.ª ed, Almedina, 2015, p. 70.

[16] Caberá, neste sentido, atentar que, sendo necessário que exerça o titular da pretensão o seu direito de ação, nem sempre se encontram os cidadãos predispostos a intentá-la, aqui se salientando, por um lado, a insuficiência de meios e, por outro, a descrença no sistema judicial, a conformação e o receio de represálias no recurso à via judicial.

Cf. PEDROSO, João Fernandes, Acesso ao Direito e à Justiça: Um Direito Fundamental em (Des)contrução, O Caso do Acesso ao direito e à Justiça da Família e das Crianças [Tese de Doutoramento], vol. I, Universidade de Coimbra, 2011, p. 146.

[17] Lei da Organização do Sistema Judiciário.

[18] CANOTILHO, J. Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, op. cit., p. 410

[19] SOUSA, Miguel Teixeira de, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, 1997, p. 34. Falamos nomeadamente de barreiras sociais, culturais e económicas, as quais se encontram interligadas com ao reconhecimento dos direitos da juridicidade, à morosidade dos processos, aos custos da própria litigação e à própria desconfiança perante a instituição judiciária pela relação complexa repleta de ritos e formalismos. BRANCO, Eliana Patrícia Carvalho, Os Tribunais Como Espaços de Reconhecimento, Funcionalidade e de Acesso à Justiça – O Estudo de Casos dos Tribunais de Família e Menores em Portugal [Tese de Doutoramento], Universidade de Coimbra, 2013, p. 16.

[20] MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed. rev., Universidade Católica Editora, 2017, pp. 314-315.

[21] O conceito de custos de acesso aos tribunais tem de ser feito em observância de determinados princípios, como caso será o do princípio da proporcionalidade. COSTA, Salvador da, O Apoio Judiciário, op. cit., p. 8. MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, op. cit., p. 315.

[22] Cf. ALEGRE, Carlos, Acesso aos direitos e aos Tribunais, Almedina, 1989, p. 10. Para Veronese a temática do acesso à justiça está intimamente ligada à noção de justiça social, sendo o principal elo entre o processo civil e a justiça social. Cf. MARIONI, Luiz Guilherme, Novas Linhas de Processo Civil, op. cit., p. 25.