José Eduardo Oliveira

Licenciado em Direito, em 2019, e Mestre em Direito (Ciências Jurídico-Civilísticas), em 2021, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Foi Tax Consultant na equipa de Business Tax Advisory da EY – Ernst & Young, S.A., entre 2019 e 2021. Atualmente, é Advogado Estagiário, na Sérvulo & Associados, onde colabora com o Núcleo Financeiro & Governance. 


O Contrato de Cash Pooling é a recente obra de sua autoria. Obra publicada pelo Grupo Almedina e disponibilizada no mercado a 12 de Janeiro de 2023.

Consulte a obra neste link.


O recurso a estruturas plurissocietárias como modo privilegiado de organização empresarial assume hoje relevância indiscutível. Esta circunstância, promovida, pelo menos em parte, por necessidades de divisão do risco e aliada a uma componente de internacionalização, vem impondo modelos de atuação e governação que escapam aos padrões tradicionais da sociedade comercial como realidade isolada e tomada na sua perspetiva atomística.

Este fenómeno vem, assim, convocando um debate permanente sobre a admissibilidade e os limites de diversos atos, oriundos da prática, executados no âmbito, e pela, chamada empresa pluri ou multissocietária. Existindo, no ordenamento jurídico português, uma divisão normativa destinada especificamente à regulação das relações das sociedades que se acham numa situação de grupo – em sentido estrito – não constitui surpresa que esta se apresenta, assim, complexa.

Não escapa ao fenómeno de complexificação da organização da atividade empresarial do grupo a complexificação do modo de financiamento das entidades nele integrantes. Carecidas de liquidez para a prossecução dos seus objetos, é usual que as sociedades do grupo implementem mecanismos que, tomando partido da proliferação dos seus membros, centralizem numa só entidade a gestão de tesouraria de todo o grupo. Este fenómeno, que visa a implementação dos sistemas usualmente designados de cash ou treasury management, encontra no cash pooling uma modalidade revestida de elevado interesse prático e teórico.

Em poucas linhas, pode dizer-se que o cash pooling consiste num sistema de consolidação de saldos credores e saldos devedores das diversas sociedades num saldo único junto de determinada instituição de crédito. Uma sociedade do grupo (dita de pooler), usualmente uma holding ou outro veículo, encarrega-se da gestão da liquidez e pagamento das necessidades financeiras do grupo através da centralização das disponibilidades líquidas das demais entidades do grupo, as pool participants, subordinadas ou sociedades satélite. Para o efeito, a pooler encarregar-se-á de centralizar, com base em contas correntes bancárias detidas pelas subordinadas, a gestão e alocação de liquidez do grupo, ora concedendo financiamento a cada uma das participantes (através de downstream loans) ora recorrendo a financiamento (upstream loans) consoante a sua situação líquida, em determinado momento, seja, respetivamente, superavitária ou deficitária podendo, acessoriamente, em nome e por conta das participantes, recorrer diretamente ao financiamento externo do grupo, caso a situação líquida consolidada se apresente deficitária.

Usa-se distinguir duas modalidades de implementação de um cash pooling, sem prejuízo da

existência de sistemas híbridos. São eles, o notional ou virtual cash pooling (cash pooling teórico ou virtual) e o zero balance system, zero assets ou cash concentration (cash pooling prático ou real). Estas modalidades distinguem-se, fundamentalmente, pela existência da transferência efetiva de fundos das contas periféricas para a conta central detida pela pooler. Ao passo que, na modalidade meramente virtual do pooling se assiste somente a uma consolidação de contas intragrupo, a modalidade real do pooling acarreta uma efetiva “liquidação” dos saldos apresentados pelas participantes em benefício da pooler, ora “varrendo” saldos positivos, ora suprindo os défices de tesouraria apresentados, devendo cada participante apresentar um saldo de “zero” nas respetivas contas após as transferências.

Numa modalidade híbrida, o target balancing, permite-se que os limites sobre os quais as contas subordinadas serão “varridas” ou deverão contribuir para a posição global do grupo sejam acordados de acordo com critérios específicos, fixos (como o valor da cifra do capital social) ou variáveis (como a evolução do volume de negócios, geralmente ligados à satisfação de necessidades de fundo de maneio).

O cash pooling surge na prática mercantil como um expediente útil à gestão de liquidez intragrupo, constituindo um interessante “laboratório” da integração financeira de sociedades coligadas. Entre as virtualidades da sua utilização são comummente apontadas a redução de custos administrativos e comissões bancárias associadas à gestão de contas bancárias detidas pelas sociedades do grupo, a redução do endividamento (e dependência) externo do grupo, a exposição de riscos de (in)solvência das participantes, assim como são melhoradas as condições de aforramento. Revela utilidade apontar aqui que a implementação de um sistema de cash pooling, surgindo como alternativa ao recurso do sistema bancário, se apresenta particularmente atrativa num cenário de escalada do preço dos empréstimos obtidos, ou seja, dos juros.

Sem prejuízo, o recurso ao cash pooling não se apresenta isento de desafios, de diversa ordem. Aqui, é particularmente relevante a análise da conformidade do sistema com os limites típicos da atividade bancária (dominada pelo princípio da exclusividade), assim como da conformação do poder de direção da pooler (usualmente uma sociedade-mãe) em relação às subordinadas no quadro dos limites da direção económica unitária, ou ainda da centralização de liquidez poder ofender princípios básicos do direito societário, como o da intangibilidade do capital social.

Sem prejuízo, e atenta a despatrimonialização que o cash pooling promove, reveste de importância máxima a averiguação do tratamento jurídico dos fluxos financeiros, ascendentes e descendentes, que se estabelecem entre a pooler e as participantes, ora enquanto empréstimos, ora enquanto garantias, na eventualidade de uma das participantes se considerar em situação de insolvência.

O cash pooling assume-se como um instrumento útil ao estudo e aprofundamento dos problemas típicos do direito das finanças societárias, em geral, e do direito das sociedades e insolvencial, em especial. Oriundo da prática comercial, entendemos que o cash pooling oferece à ciência jurídica um espaço de reflexão em torno do enquadramento normativo dos grupos de sociedades. É que, encontrando-nos na presença de um mecanismo – cujo fundamento jurígeno reconduzimos ao contrato – que contribui para a juridificação da empresa plurissocietária, promovendo o esbatimento das fronteiras típicas marcadas pela existência de vários entes jurídicos, confronta-se em permanência com as idiossincrasias da regulação do fenómeno do grupo.