Sandra Passinhas

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Professora Auxiliar na Faculdade de Direito de Coimbra, onde leciona as disciplinas de Direito da Família e dos Menores, de Contratos Civis, bem como as unidades curriculares “Direito do Consumidor”, do Curso de Mestrado Jurídico-Forenses, e “Proteção Jurídica do Consumidor, do Curso de Mestrado em Direito. Doutorou-se no Instituto Universitário Europeu, de Florença, em 2011, e na Faculdade de Direito de Coimbra, em 2016, com uma tese sobre “Propriedade e Personalidade no Direito Civil Português”. Colabora desde há vários anos com o Centro de Direito do Consumo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, de que é diretora executiva, e faz parte do Conselho de Redação da revista “Estudos de Direito do Consumidor”.


O Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, do passado dia 13 de janeiro, renovou a declaração do estado de emergência em Portugal, com fundamento no acentuar da situação de calamidade pública provocada pela pandemia COVID-19, segundo os peritos, em consequência de um alargamento de contactos durante os períodos de Natal e Ano Novo. A Assembleia da República, pela Resolução n.º 1-B/2021, do mesmo dia, aceitou a renovação e autorizou a sua modificação. Assim, surgiram na nossa ordem jurídica um conjunto de medidas que contendem, diretamente, com os direitos dos consumidores, e que passaremos a analisar.

O artigo 3.º do Decreto 3-B/2021, que entrou em vigor a 20 de janeiro, veio proibir a publicidade, a atividade publicitária ou a adoção de qualquer outra forma de comunicação comercial, designadamente em serviços da sociedade da informação, que possam ter como resultado o aumento do fluxo de pessoas a frequentar estabelecimentos que continuem abertos ao público, designadamente através da divulgação de saldos, promoções ou liquidações. Estas modalidades de venda, com redução do preço, que são suscetíveis de conduzir a uma maior afluência dos estabelecimentos comerciais físicos, que se mantém abertos ao público, estão agora interditas. Continuam, contudo, a ser admitidas nas vendas online.

Uma segunda alteração relevante prende-se com as garantias dos bens de consumo, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. Quando o consumidor adquire um bem com defeito, tem um prazo de 60 dias ou de um ano, consoante o bem seja móvel ou imóvel, para dar conhecimento do defeito ao vendedor, sob pena de caducidade dos seus direitos. Após a denúncia, o consumidor tem dois ou três anos, respetivamente consoante o bem seja móvel ou imóvel, para exercer os direitos, isto é, para tentar junto do vendedor a reposição da falta de conformidade ou, eventualmente, para ver o seu litígio resolvido num tribunal, arbitral ou judicial. O Decreto-Lei nº 6-E/2021, de 15 de janeiro, veio estabelecer que, se estes prazos terminarem durante o período de suspensão de atividades e encerramento de instalações e estabelecimentos, no âmbito do estado de emergência, ou nos 10 dias posteriores àquele, são prorrogados por 30 dias, contados desde a data de cessação das medidas de suspensão e encerramento.

Acresce ainda, neste âmbito, que sempre que o operador comercial atribua ao consumidor, por cortesia comercial, o direito a efetuar trocas de produtos, a solicitar o reembolso mediante devolução dos produtos ou quaisquer outros direitos, o prazo para o respetivo exercício suspende-se igualmente durante o período de suspensão de atividades e encerramento de instalações e estabelecimentos, no âmbito do estado de emergência.

Em terceiro lugar, cabe referir as alterações introduzidas no regime dos serviços essenciais. No que diz respeito ao gás de petróleo liquefeito (GPL) engarrafado, foi estabelecido um regime de preços máximo, concretizado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos. Já quanto às telecomunicações, o artigo 27.º do Decreto n.º 3-A/2021, veio regular em sentido inverso, podendo o novo regime resultar na diminuição da qualidade e estabilidade do serviço a prestar. Assim, as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem dar prioridade à continuidade da prestação dos serviços críticos, nomeadamente, os serviços de voz e de mensagens curtas (SMS) suportados em redes fixas e móveis; o acesso ininterrupto aos serviços de emergência, incluindo a informação sobre a localização da pessoa que efetua a chamada, e a transmissão ininterrupta dos avisos à população; de distribuição de sinais de televisão linear e televisão digital terrestre. Na prestação dos serviços críticos as empresas devem ainda dar prevalência aos clientes considerados prioritários, como , por exemplo, os serviços e organismos do Ministério da Saúde e as entidades prestadoras de cuidados de saúde integradas na rede do SNS, as entidades responsáveis pela gestão, exploração e manutenção do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, quanto ao funcionamento deste sistema, o Ministério da Administração Interna, quanto ao funcionamento da Rede Nacional de Segurança Interna e da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), etc.

De modo a dar prioridade à continuidade dos serviços críticos, as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público podem, quando necessário, implementar medidas excecionais na gestão de rede e de tráfego, incluindo a reserva de capacidade na rede móvel, e priorizar a resolução de avarias e de perturbações nas redes e serviços de comunicações eletrónicas. Estas medidas devem ser executadas de forma proporcional e transparente, não podendo basear-se em razões de ordem comercial nem ser mantidas por mais tempo do que o estritamente necessário para assegurar a continuidade dos serviços em situação de congestionamento da rede e para ultrapassar a resolução das avarias.

Para preservar a integridade e segurança das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços prestados através delas e para prevenir os efeitos de congestionamento das redes, entre outros objetivos de interesse público, as empresas devem, sempre que estritamente necessário, dar prioridade ao encaminhamento de determinadas categorias de tráfego, bem como limitar ou inibir determinadas funcionalidades, nomeadamente serviços audiovisuais não lineares, de que são exemplo o de videoclube, as plataformas de vídeo e a restart TV, e o acesso a serviços de videojogos em linha (online gaming) e a ligações ponto-a-ponto (P2P), caso tal se revele necessário. Podem ainda autorizadas a executar outras medidas de gestão de rede e de tráfego, nomeadamente de bloqueio, abrandamento, alteração, restrição ou degradação de conteúdos, relativamente a aplicações ou serviços específicos ou categorias específicas dos mesmos.

São estas as modificações essenciais, introduzidas até ao momento e que afetam os direitos dos consumidores. Como já referido noutras circunstâncias (Morais Carvalho, Sandra Passinhas, Consumer Law and COVID-19 in Portugal, Springer, 2020), as medidas do estado pandémico tiveram, na primeira fase, duas vertentes antagónicas: se por um lado se assistiu à emanação de medidas de proteção dos consumidores mais vulneráveis, por outro lado, em certas áreas, como o turismo, verificou-se a uma diminuição do nível de proteção do consumidor, em função de outros interesses do mercado. Consoante a duração e a intensidade deste novo estado de emergência, podemos razoavelmente esperar um cenário semelhante.